São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 2006

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Marcos Nobre

300 palavras

O HORÁRIO eleitoral se transformou em um teste: não é lugar de apresentar proposta alguma; é o lugar de não cometer erros. Como escreveu Renata Lo Prete, os marqueteiros trabalham com um vocabulário de 300 palavras, escolhidas a dedo em pesquisas qualitativas. Comete menos erros quem faz a melhor propaganda com esse estoque de palavras.
Ao repetir exaustivamente que vai ampliar o Bolsa-Família, Alckmin cometeu um erro fatal: cedeu de vez à pauta e à agenda de Lula. E, com seu declínio, condenou um período eleitoral que já estava mais do que morno a uma completa pasmaceira.
Nem a candidatura de Heloísa Helena escapa a esse figurino apertado. A candidata divide a política e os políticos entre os que amam Deus (e que, como ela, vão para o céu) e os "serviçais do capital" que, como afirmou, vão "virar churrasco do demônio". Um maniqueísmo que não precisa sequer de 300 palavras.
Para Lula conseguir sua reeleição ainda no primeiro turno, basta não cometer erros. Traduzido na lógica desse horário eleitoral: basta continuar a repetir generalidades vazias. Tem ainda a seu favor, como escreveu Mauro Paulino, o retrospecto: nas três últimas eleições, o horário eleitoral pouco alterou as preferências do eleitorado nordestino, pilar da campanha à reeleição.
De modo que as demais candidaturas prestariam um real serviço se começassem a tratar de assunto sério. Se tentassem pelo menos forçar Lula a falar algo relevante. Explicar como pretendem fazer o país crescer a taxas expressivas seria um bom começo.
Para que esse crescimento expressivo seja possível é necessário, por exemplo, reduzir a dívida pública. Mas são muito diferentes as políticas de redução da dívida possíveis. Diferentes em como fazer e em que ritmo.
Há quem defenda que o déficit público seja inteiramente eliminado em um prazo de dez anos. Há quem pretenda fazer isso em apenas dois anos. Há ainda quem pretenda manter o atual objetivo de obter um superávit primário de 4,25% do PIB. Há quem pretenda reduzir essa meta de superávit. Só não se sabe mesmo o que pretendem as candidaturas nesta eleição.
Diferentes políticas de redução da dívida pública representam distribuições de custos sociais também diferentes. Representam mais ou menos escola, mais ou menos pobres, mais ou menos justiça, mais ou menos emprego, mais ou menos participação democrática nas decisões.
A ausência desse tema no debate eleitoral relega essa decisão tão fundamental a pequenos grupos com acesso privilegiado a esquemas de poder. Não compromete as candidaturas com posições claras sobre os custos sociais de suas políticas. Pior: reduz a política a 300 palavras.


MARCOS NOBRE é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap

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