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Marcos Nobre
300 palavras
O HORÁRIO eleitoral
se transformou em
um teste: não é lugar de apresentar proposta alguma; é o lugar de não
cometer erros. Como escreveu Renata Lo Prete, os
marqueteiros trabalham
com um vocabulário de
300 palavras, escolhidas a
dedo em pesquisas qualitativas. Comete menos erros quem faz a melhor
propaganda com esse estoque de palavras.
Ao repetir exaustivamente que vai ampliar
o Bolsa-Família, Alckmin
cometeu um erro fatal:
cedeu de vez à pauta e à
agenda de Lula. E, com
seu declínio, condenou
um período eleitoral que
já estava mais do que
morno a uma completa
pasmaceira.
Nem a candidatura de
Heloísa Helena escapa a
esse figurino apertado. A
candidata divide a política
e os políticos entre os que
amam Deus (e que, como
ela, vão para o céu) e
os "serviçais do capital"
que, como afirmou, vão
"virar churrasco do demônio". Um maniqueísmo
que não precisa sequer
de 300 palavras.
Para Lula conseguir sua
reeleição ainda no primeiro turno, basta não cometer erros. Traduzido na lógica desse horário eleitoral: basta continuar a repetir generalidades vazias.
Tem ainda a seu favor, como escreveu Mauro Paulino, o retrospecto: nas três
últimas eleições, o horário
eleitoral pouco alterou as
preferências do eleitorado
nordestino, pilar da campanha à reeleição.
De modo que as demais
candidaturas prestariam
um real serviço se começassem a tratar de assunto
sério. Se tentassem pelo
menos forçar Lula a falar
algo relevante. Explicar
como pretendem fazer
o país crescer a taxas
expressivas seria um
bom começo.
Para que esse crescimento expressivo seja
possível é necessário, por
exemplo, reduzir a dívida
pública. Mas são muito diferentes as políticas de redução da dívida possíveis.
Diferentes em como fazer
e em que ritmo.
Há quem defenda que o
déficit público seja inteiramente eliminado em
um prazo de dez anos. Há
quem pretenda fazer isso
em apenas dois anos. Há
ainda quem pretenda
manter o atual objetivo de
obter um superávit primário de 4,25% do PIB. Há
quem pretenda reduzir essa meta de superávit. Só
não se sabe mesmo o que
pretendem as candidaturas nesta eleição.
Diferentes políticas de
redução da dívida pública
representam distribuições de custos sociais também diferentes. Representam mais ou menos
escola, mais ou menos
pobres, mais ou menos
justiça, mais ou menos
emprego, mais ou menos
participação democrática
nas decisões.
A ausência desse tema
no debate eleitoral relega
essa decisão tão fundamental a pequenos grupos
com acesso privilegiado a
esquemas de poder. Não
compromete as candidaturas com posições claras
sobre os custos sociais de
suas políticas. Pior: reduz
a política a 300 palavras.
MARCOS NOBRE é professor de filosofia
política da Unicamp e pesquisador do
Cebrap
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