São Paulo, quarta-feira, 23 de agosto de 2006

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ELIO GASPARI

Lula de novo, sem casa para o povo

O comissariado confiscou o subsídio da Caixa para aquele tipo de trabalhador que o "nosso guia" já foi

DEVE-SE AO REPÓRTER Luís Alfredo Dolci o alerta: o Conselho Curador da Caixa Econômica, presidido pelo comissário Luís Marinho, confiscou o subsídio que a Caixa Econômica concedia aos trabalhadores do andar de baixo (renda familiar até R$ 1.750) na compra de imóveis usados. Uma pessoa com renda de R$ 1.050 podia comprar uma casa velha por R$ 33 mil, ficando com uma prestação de algo como R$ 172. Perdido o subsídio (R$ 9.000), sua prestação pulará para R$ 263. Os companheiros decidiram que, se ele quiser o financiamento camarada da Caixa, deverá migrar para o mercado de imóveis novos. Trata-se de levá-lo a uma situação em que acabará procurando um imóvel 40% mais caro, ou trocará de bairro, indo para uma localidade mais afastada. Neste ano, cerca de 70 mil famílias obtiveram empréstimos para a compra de imóveis usados. Menos de 10 mil preferiram casas novas.
O argumento em defesa do confisco sustenta que a construção de imóveis novos estimula a economia e gera empregos. A medida asfixia o mercado das áreas pobres, onde os trabalhadores negociam casas de parentes e vizinhos. Reduz o interesse pela regularização de terrenos e construções da periferia.
"Nosso guia" pode avaliar o alcance anti-social da medida. Desde 1952, quando desembarcou em Santos, Lula viveu numas dez casas, casou-se duas vezes e formou uma família, mas nunca conseguiu comprar um imóvel novo. Esteve em fundo de bar, barraco, rua de lama preta, quarto alugado e construção onde as águas vizinhas entravam pela janela. Sua primeira casa (velha) ficava numa ribanceira e foi adquirida com a indenização que recebeu por conta da amputação de seu dedo mínimo. Em suas palavras, "era uma grande utopia ter uma casa própria".
O comissariado do Conselho Curador do FGTS (onde as centrais sindicais têm assento) sabe o que significa para um trabalhador caçar um imóvel novo fora da região onde vive. Ouça-se "nosso guia": "Eu tinha essa obsessão pela casa própria porque, quando você tem filhos, você não pode ficar mudando de bairro em bairro, porque mudar de bairro é mudar de escola. A molecada muda de companheiro, e aí nunca faz amizade. (...) Então, essa obsessão foi um sonho que eu consegui realizar".
É provável que o primeiro investimento pessoal de Lula num imóvel novo tenha ocorrido no ano passado, quando já estava sob a proteção do Bolsa-Presidência. Trata-se de um pequeno apartamento no balneário do Guarujá.
A obsessão dos trabalhadores que ficaram no andar de baixo continua do mesmo tamanho. As dificuldades de hoje, quando a economia cresce a 3,5% ao ano, são muito maiores do que no anos 70, quando o professor Delfim Netto conseguia 10%. Os comissários conhecem a vida das vítimas do confisco. Passaram por ela e não pretendem voltar a gramá-la. Mesmo assim, por conta de um lero-lero de empresários, drenaram o fluxo dos financiamentos da Caixa. Numa estimativa grosseira, a exclusão dos imóveis usados afasta do mercado de financiamento da Caixa mais de metade das áreas onde vivem os trabalhadores de baixa renda. Quando essas regiões degradam-se, "nosso guia", do alto da pirâmide de sua sabedoria, culpa a elite, a oposição e o passado.


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