São Paulo, Segunda-feira, 23 de Agosto de 1999
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20 ANOS

Presidente da República, 2 ministros e pelo menos 9 deputados sofreram sanções do regime militar

Anistiados políticos chegam ao poder

CLÁUDIA TREVISAN
da Reportagem Local

Há exatos 20 anos, o comerciante de Cruzeiro d'Oeste (PR) Carlos Henrique Gouveia de Mello estava prestes a resgatar sua real identidade e se transformar em José Dirceu, nome que havia abandonado cinco anos antes, quando passou a viver clandestinamente no país.
Vinte anos depois, Dirceu é um dos 513 deputados federais brasileiros e um dos principais líderes do maior partido de oposição do país, o PT. A seu lado na Câmara, estão pelo menos outros oito parlamentares punidos durante o regime militar e beneficiados pela Lei da Anistia, sancionada em 28 de agosto de 1979.
Os anistiados também chegaram ao poder no Executivo, a começar do próprio presidente Fernando Henrique Cardoso. Aposentado compulsoriamente na USP (Universidade de São Paulo) em 1969, FHC resgatou há 20 anos o direito de voltar a dar aula em universidades públicas.
As restrições sofridas pelo presidente durante o regime militar foram bem menores que as impostas a dois de seus colaboradores atuais, Aloysio Nunes Ferreira e José Serra, que viveram no exílio a maior parte do período militar.
Atual secretário-geral da Presidência da República, Ferreira tinha 23 anos em 68, quando partiu para a França -país do qual só voltaria 11 anos depois, com a aprovação da anistia.
Condenado à revelia a três anos de prisão em 72, Ferreira tinha como advogado outro integrante do governo federal, o ministro da Justiça, José Carlos Dias, que também defendeu o secretário da Ciência e Tecnologia de São Paulo, José Anibal. Anibal saiu do país em 73, aos 25 anos, e voltou em agosto de 79.
Serra, ministro da Saúde de FHC, era presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes) em 64, quando começou o regime militar. No ano seguinte, exilou-se no Chile, passou um período nos Estados Unidos e retornou ao Brasil em 77. Apesar da volta, seus direitos políticos continuavam suspensos, em razão de condenação a três anos de prisão que ele havia recebido em 1966.

Legislativo
Enquanto os tucanos dominam a cena entre os anistiados do Executivo, os petistas são maioria no Poder Legislativo.
Dos pelo menos 9 deputados anistiados, 5 são filiados ao PT: José Dirceu, José Genoino, Milton Temer, Nilmário Miranda e Waldir Pires. Os deputados Sérgio Miranda e Aroldo Lima integram o PC do B, Fernando Gabeira, o PV e Neiva Moreira, o PDT.
Desse grupo, Lima é o único que estava na prisão no dia em que a Lei da Anistia entrou em vigor. Depois de ter vivido como clandestino por dez anos, ele foi preso em 76, quando integrava a direção do PC do B. No ano seguinte, recebeu a condenação a dez anos de prisão. Ganhou a liberdade no último dia de agosto, aos 39 anos.
Genoino foi para a clandestinidade em 69 e, em 70, passou a integrar a guerrilha do Araguaia, organizada pelo PC do B. Preso em 72, cumpriu integralmente sua pena, até 77, mas só recuperou seus direitos políticos em 79.
Seu colega de partido José Dirceu era candidato à presidência da UNE em 68, quando foi preso com os cerca de mil estudantes que participavam do congresso da entidade em Ibiúna (SP).
No ano seguinte, foi trocado pelo embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, que havia sido sequestrado, entre outros, por Fernando Gabeira.
Banido pelo regime militar, Dirceu voltou clandestinamente ao país em 74 e foi viver em Cruzeiro d'Oeste, com o nome de Carlos Henrique Gouveia de Mello. Casou, teve um filho e só revelou a real identidade à então mulher no dia em que saiu a anistia.
Gabeira participou do sequestro do embaixador norte-americano como integrante do MR-8. Preso, acabou sendo trocado em 1970 por outro embaixador sequestrado: Ehrenfried von Holleben, da Alemanha. Voltou ao Brasil em 79, depois de quase dez anos no exílio.
Consultor-geral da República do governo João Goulart, Waldir Pires entrou na primeira lista de cassações. Exilou-se em Paris, voltou ao Brasil em 1970 e só recuperou seus direitos políticos com a anistia, quando tinha 52 anos.
Neiva Moreira era deputado federal e, como Pires, entrou na primeira lista de cassações. Saiu do país em 64 para só voltar 15 anos depois, aos 62 anos.

Militares
O petista Milton Temer estava entre os cerca de 7.500 militares cassados pelo regime de 64. Expulso da corporação, ingressou no Partido Comunista e, em 73, exilou-se na ex-União Soviética.
Condenado duas vezes sob acusação de prática de atividades subversivas, Sérgio Miranda viveu como clandestino grande parte do regime militar. Em 79, aos 31 anos, livrou-se das condenações e pôde voltar a seu Estado natal, o Ceará, onde não punha os pés desde o início da década.
Atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, Nilmário Miranda viveu como clandestino a partir de 69. Preso em 72, cumpriu pena de três anos e meio.


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