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ELIO GASPARI
A ekipekonômica embolou com a cartomante
O próximo presidente bem que
poderia proibir os seus ministros de bater boca com escritórios
de quiromancia financeira. A nota divulgada pelo Ministério da
Fazenda e pelo Banco Central rebatendo a reavaliação que a consultoria americana Fitch fez da
economia brasileira é uma catedral de provincianismo a serviço
da indigência intelectual.
A Fitch baixou a sua cotação
das dívidas brasileiras de B+ para
B. Isso significa que, a juízo da
empresa, os papéis da dívida brasileira são do tipo que queima os
dedos, ou "especulativos". Nem
são de boa qualidade, nem carregam alto risco de calote. Grosseiramente, se a melhor nota disponível fosse 10, o papelório nacional
tirou um 4. A ekipekonômica zangou-se e classificou a decisão de
"extemporânea e equivocada".
Como a Fitch divulgou uma longa
argumentação, a nota debate a
metodologia dos analistas, mas
padece de um mal de origem: alguém já imaginou ministro de
país rebaixado dizendo que o gesto é "oportuno e clarividente"?
A Fitch tem todo o direito de
classificar os créditos brasileiros.
Ela faz isso para um mercado de
aplicadores que acreditam no que
dizem seus analistas. É gente que
sabe o que vem a ser uma taxa de
juros de 21% ao ano. Sabem que
uma boca-rica dessas não pode
durar muito.
Para ficar num exemplo manjado: conta a lenda que em 1626 os
holandeses compraram a ilha de
Manhattan aos índios do pedaço.
Pagaram em mercadorias que valiam US$ 24. Se os índios tivessem
colocado aquele dinheiro a juros
anuais de 7,4% (pouco mais de
um terço do que paga o dr. Armínio), hoje eles teriam US$ 10 trilhões, ervanário suficiente para
comprar a ilha -com todos os
seus imóveis- de volta. O mundo
funciona de outro jeito. Se os índios tivessem botado o dinheiro a
juros, é provável que o tivessem
perdido umas dez ou 20 vezes.
Sem risco, não haveria capitalismo.
Havendo risco, nada mais razoável do que acreditar na capacidade dos mercados de medi-lo.
Fazendo de conta que não aconteceu nada com a Nasdaq e que as
empresas ".com" continuam valendo o que os holandeses dos
anos 90 pagaram aos índios que
lhes venderam a ilha de Net, deve-se separar o que é risco do que é
uma malandragem inerente aos
mercados.
Na primeira metade do século
passado, um banqueiro escocês
(Gregor McGregor) lançou em
Londres papéis do Reino de Poyais, do qual se intitulava cazique.
Eram comprados a 80% de seu valor de face. Estiveram em 67%. Poyais seria um reino, com bulevar,
casa de ópera e princesa, situado
em algum ponto de América Central. Algumas centenas de ingleses
-inclusive um sapateiro que serviria à Casa Real- chegaram a
emigrar para suas terras. Quando
regressaram, contando que nada
existia além de pântanos e mosquitos, os papéis de Poyais tiveram uma queda e, por alguns meses, foram trocados a 15 centavos
por libra. Ou seja: se uma coisa
não existe, pode custar 15% do seu
valor de face.
Tanto no caso dos juros quanto
no de superstições dos mercados,
poderiam ser mencionados exemplos mais recentes. Abundam,
mas teriam a desvantagem de dar
a impressão de que esses fenômenos são coisa de um mundo globalizado. Nada, são coisa velha, tão
velha quanto todas as combinações possíveis de espertos, otários,
informados e ignorantes.
Tendo perdido uma excelente
oportunidade de ficar calada, a
ekipekonômica, bem como sua
provável sucessora, poderiam desobrigar os eleitores de vê-los festejar classificações laudatórias. Enquanto o Brasil viveu a aventura
do populismo cambial (de 1994 a
1998), nenhuma empresa de quiromancia financeira disse que o
país ia à garra. Nenhum banqueiro (muito menos os inscritos para
o certame de seleção do presidente do Banco Central petista) advertiram para a leviandade que
se estava praticando, em nome de
um projeto eleitoral.
Não é por nada não, mas, se Lula for eleito, poderia colocar como
pré-requisito para qualificar os
quadros de sua equipe o fato de
eles terem feito pelo menos uma
ressalva ao dólar de R$ 1,20. Uma
ressalvazinha -pública- é suficiente. Quem fez, tudo bem.
Quem não a fez, ou era muito
despreparado, ou (pior) estava
preparado demais.
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