UOL

São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

DIRETAS-JÁ - 20 ANOS

Ato público em São Paulo, que se tornaria marco inicial do maior movimento de massas do país, teve presença do ex e do atual presidente

Primeiro comício das diretas uniu Lula e FHC

PLÍNIO FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

É um retrato na parede da política de 20 anos atrás: Luiz Inácio Lula da Silva, Fernando Henrique Cardoso, Francisco Weffort e José Gregori, num mesmo palanque, à frente de faixa que pede eleições diretas para presidente da República e critica o arrocho econômico, o desemprego, o FMI e o imperialismo norte-americano.
Não sabiam os quatro que chegariam ao poder -os dois primeiros à Presidência, os dois últimos ao ministério- nem imaginavam que começava ali o maior movimento de massas da história política brasileira.
Era uma previsão difícil de fazer na tarde daquele 27 de novembro de 1983. Afinal, 66 mil pessoas tinham ido ao Morumbi assistir ao 0 a 0 de Corinthians e Santos pelo Campeonato Paulista, mas apenas 15 mil se dirigiram à praça Charles Miller, no Pacaembu, para o primeiro comício da campanha por eleições diretas para presidente da República -algo que não ocorria no país havia 22 anos.
Na contagem mais otimista, os primeiros defensores das diretas-já -com as bandeiras vermelhas dos partidos comunistas então na ilegalidade se misturando às do PT- não atingiam um quarto do público do futebol de domingo.
Isso apesar dos esforços de três partidos políticos (PMDB, PT e PDT) e mais de 70 entidades civis, entre elas a Arquidiocese de São Paulo, a Ordem dos Advogados do Brasil, a Central Única dos Trabalhadores e a União Nacional dos Estudantes (UNE).
Na próxima quinta-feira, esse comício completará 20 anos. É formalmente o primeiro da célebre campanha das diretas-já.
Nas sempre superestimadas contas dos organizadores, em 48 comícios entre 27 de novembro de 1983 e 18 de abril de 1984, mais de 4,7 milhões de pessoas teriam ido às ruas em defesa das diretas, conforme levantamento do cientista político Alberto Tosi Rodrigues, autor do livro "Diretas-Já, o Grito Preso na Garganta".
No início de março de 1983, o recém-eleito deputado federal Dante de Oliveira, então do PMDB-MT, apresentou uma emenda de apenas 15 linhas, propondo a modificação da Constituição de 1967 do regime militar.
Dante tinha descoberto que outras emendas que propunham as diretas estavam prejudicadas por se originarem da legislatura anterior. Em livro que ainda escreve sobre o período, lembra que chegou a coletar, por engano, até a assinatura de um jornalista para obter o número mínimo necessário para a proposição da emenda.
A partir do segundo semestre de 1983, com a economia em crise e a insatisfação social crescendo, a possibilidade de defesa das diretas começou a tornar-se palatável.
No dia 21 de setembro, o Congresso derrubou, pela primeira vez desde 1964, um decreto-lei do governo militar que restringia a correção dos salários.
O governo perdeu porque 11 deputados do partido de sustentação do regime militar (o PDS) votaram com os 244 parlamentares de oposição. Foi a senha de possibilidade de mudança mesmo dentro das regras estabelecidas pelos próprios militares.
O comício do Pacaembu foi precedido de um documento de apoio assinado pelos oito governadores de oposição (sete do PMDB e um do PDT) eleitos em 1982 -no primeiro pleito direto nos Estados desde 64.
Intitulado "Fala, Brasil - A Nação Tem o Direito de Ser Ouvida", dizia: "A eleição direta do presidente da República é o caminho para a superação da nossa crise econômica, política e social. É a possibilidade de novos rumos para a economia brasileira, com a reafirmação de nossa soberania e o primado do mercado interno".
Apesar do documento que divulgaram no dia anterior ao comício, os peemedebistas alegaram pouco tempo para mobilizar seus militantes. Dos cardeais do partido, compareceram o então presidente do PMDB-SP, Fernando Henrique Cardoso, e o então secretário estadual da Justiça, José Carlos Dias. O governador Franco Montoro temia a vaia dos militantes do PT -único partido a ter se empenhado de fato em levar simpatizantes ao Pacaembu- e preferiu participar de uma solenidade oficial no Jockey Clube.
A emenda das diretas foi derrotada em abril de 1984, mas no ano seguinte o país teria um civil na Presidência, o que encerraria o ciclo militar no poder.
O cientista político Francisco Weffort, ministro da Cultura de 1995 a 2002 e à época das diretas secretário-geral do PT, avalia que o movimento obteve uma vitória política -iniciada naquele 27 de novembro-, mas perdeu a batalha econômica.
"Os temas sociais e econômicos preconizados por todos ficaram para trás. Não acompanharam a vitória política. Estão aí o desemprego e a discussão do superávit fiscal, uma forma de debater a relação com o FMI", diz Weffort.
A visão atual do presidente Luiz Inácio Lula da Silva daquele período sinaliza uma concordância com o ex-companheiro. "A campanha das diretas, o maior movimento cívico já visto no país, foi um divisor de águas. Precisamos continuar lutando para que a democracia política se torne plena também no campo social e econômico e se traduza em distribuição de renda e igualdade de oportunidades", afirma Lula.


Texto Anterior: Direitos humanos: Governo Lula tem início "auspicioso", diz OEA
Próximo Texto: Opinião - Fernando Henrique Cardoso: Aprendendo democracia
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.