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ELIO GASPARI
Borges no Brasil: bibliotecas sem livros
Brasília e Goiânia imaginaram uma experiência pioneira e criaram a bibliofilia do nada
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EM 1941 O BRUXO ARGENTINO Jorge
Luis Borges escreveu "A Biblioteca de Babel" e contou o mistério
do "Livro Total". Seria "o compêndio
perfeito de todos os demais", receptáculo de todo o conhecimento humano. O
tesouro estaria perdido.
Pobre Borges. Não viveu o suficiente
para ver que são inesgotáveis as horríveis
imaginações da mente. Em Brasília e
Goiânia existem bibliotecas muito mais
cerebrinas. Burocratas da cultura, associados a empreiteiros e governantes letrado$, criaram as bibliotecas sem livros,
um desafio para filósofos e delegados de
polícia.
Os dois templos do nada foram projetados por Oscar Niemeyer e inaugurados
em 2006 (ano eleitoral). Deveriam custar algo mais que R$ 40 milhões cada
uma. A Biblioteca Nacional de Brasília fica a 500 metros da catedral. Tem cinco
andares e 14 funcionários, mas está fechada. Seu acervo 50 mil livros ainda não
foi catalogado. Os donatários esclarecem
que o prédio tem capacidade para 250
mil volumes.
A biblioteca irmã tem três pisos, 1.200
m2 e fica em Goiânia, no Centro Cultural
Oscar Niemeyer. Está fechada porque o
governo não pagou ao empreiteiro que,
por sua vez, apresentou contas que somam R$ 65 milhões. Ao contrário do
que sucedeu em Brasília, tem acervo,
mas os livros estão encaixotados, pois a
instituição não tem funcionários.
Talvez o "Livro Total" de Borges e a
imaginação de Umberto Eco esclareçam
o mistério. Tendo absorvido toda a sabedoria humana, o monge cego Jorge de
Burgos, de "O Nome da Rosa", percebeu
a irrelevância do conhecimento e organizou bibliotecas sem livros.
Seriam a prova do compromisso dos
governantes com a inteligência, sem dispersar esforços com objetos obsoletos.
Burgos já fez isso na Bibliotheca Alexandrina, no Egito, que precisará de 80 anos
para encher seu prédio de US$ 65 milhões, e na Megabiblioteca do México,
inaugurada e fechada por defeitos na
construção. Os empreiteiros ganharam
seu dinheirinho, os governantes fizeram
festas, os edifícios deslumbraram os
transeuntes e, mais uma vez, a patuléia
fez papel de boba.
A AMERICAN AIRLINES NÃO TOMA JEITO
Ou a American Airlines
aprende a tratar seus clientes
brasileiros ou deve ser induzida a mudar sua quitanda para
outro lugar.
Na semana passada um comissário de vôo de nome Carlos Carrico insultou e agrediu
o sambista Dudu Nobre, que
viajava de Nova York para São
Paulo com a mulher Adriana
Bombom e suas duas filhas.
Pelo visto, a tripulação deixou
de registrar o episódio nos livros de bordo. Diante disso,
depois que o casal deu queixa
à polícia e botou a boca no
mundo, os doutores disseram
que eles não haviam reclamado à empresa. Besteira, eles
reclamaram onde deviam e fizeram muito bem, porque a
American desdenha as reclamações de seus passageiros.
No dia 14 de setembro um
casal foi maltratado por um
comissário de nome Carlos
num vôo de São Paulo para
Nova York. (Um lance parecido, que poderia ter acabado
em agressão física.) O passageiro mandou uma carta à
American e não recebeu o devido pedido de desculpas. Limitaram-se a mandar algumas milhas de bonificação.
Índio não quer milha, quer civilização. Se o Carlos de setembro é Carlos Carrico, a
American manteve um desequilibrado no seu serviço de
bordo.
Em 2004 um piloto da
American debochou de agentes da Polícia Federal e foi detido em Guarulhos. Um ano
antes, funcionários da American impediram o embarque e
trataram grosseiramente o cineasta João Moreira Salles e
seu irmão Pedro, que estavam
em Nova York e vinham ao
Brasil para o funeral do pai.
Na ocasião, Pedro recomendou que funcionários do Unibanco não entrassem em
aviões da American. Se mais
gente fizer isso, talvez tomem
jeito.
"MAROLINHA"
Durante os primeiros 18 dias
de novembro, o consumo nacional de energia elétrica ficou
praticamente estagnado. Na região Sul ele se contraiu 1%. O
consumo de energia é um dos
melhores indicadores do pulso
da economia. Nas projeções
oficiais, ao longo do ano ele deveria crescer 3,7%.
Em novembro de 2007 esse
indicador registrou um crescimento de uns 4% em relação ao
consumo de 2006.
Quem acompanha a série diz
que não vê coisa parecida há
mais de dez anos.
MABELOKO
No meio do projeto de reforma tributária dos deputados
Antonio Palocci e Sandro Mabel apareceu um dispositivo
que permitia ao governo aprovar a criação de impostos sob a
forma de contribuição (uma
CPMF, por exemplo) por lei
complementar. Hoje, uma coisa dessas precisa de 308 votos.
Com o truque, bastariam 257.
Descoberto, o gato saiu da tuba.
Mabel é um homem gentil.
Adoça as reuniões da Comissão
da qual é relator com distribuição de biscoitos Mabelokos, de
sua fábrica.
GALEÃO
A concessão do aeroporto do
Galeão para a iniciativa privada
subiu no muro.
Não porque a idéia em si fosse ruim, mas porque atrás dela
enfileiraram-se intere$$es tóxicos.
RECORDAR É VIVER
Sérgio Figueiredo, memória
elegante da vida nacional, lembra uma frase de Carlos Lacerda (1914-1977), um jornalista
que sabia da vida: "Só tem certeza de alguma coisa quem estiver muito mal informado".
COTAS
No dia da Consciência Negra,
as bancadas do governo e da
oposição na Câmara dos Deputados aprovaram o projeto de
lei que estabelece cotas sociais
e raciais (pode me chamar de
cromáticas) para o preenchimento de vagas nas universidades públicas federais. O projeto
foi mandado ao Senado.
Tramita no STF o julgamento da inconstitucionalidade das
cotas do ProUni, argüida pelos
donos de universidades privadas e pelo DEM. A iniciativa do
governo já teve o voto favorável
do relator, ministro Carlos Ayres Britto.
Nada melhor do que o encaminhamento dessa questão na
rotina das instituições republicanas. Quando a Casa Grande
falava sozinha e a Senzala não
votava, o Brasil tornou-se o último país livre das Américas a
abolir a escravatura.
As políticas de ação afirmativa foram condenadas porque
acordariam o gênio do racismo.
Não acordaram. (Nada de novo.
No século 19 o barão de Cotegipe avisava: "Brincam com fogo,
os tais negrófilos".) As cotas
criariam constrangimentos, levando alunos negros mal preparados para os cursos universitários. Não criaram. (Parolagem antiga. Em 1885, combatendo a libertação dos sexagenários, o deputado Olimpio
Campos advertiu: "Não é humanitário, não é civilizador libertar escravos velhos".)
Entre 2001 e 2008, 52 mil vagas foram oferecidas em 48 escolas que adotaram políticas de
ações afirmativas em benefício
de alunos da rede pública, negros e índios. Passaram-se sete
anos e até hoje não apareceu
um só episódio ou estudo relevante capaz de desqualificar essas políticas.
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