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POR DENTRO DA ALFÂNDEGA
Folha acompanha por 5 dias a saga dos passageiros para desembarcar no aeroporto de Cumbica
Chegada do exterior vira inferno em SP
MÁRIO MAGALHÃES
em São Paulo
A chegada de
passageiros de
vôos internacionais ao aeroporto de Guarulhos,
na Grande São
Paulo, transformou-se num inferno.
Com a obrigatoriedade da apresentação da DBA (Declaração de
Bagagem Acompanhada) desde 1º
de dezembro, as filas da alfândega
aumentaram, provocando demora
de até uma hora e 40 minutos, sem
contar o tempo de espera pela bagagem e para revista das malas, no
caso dos passageiros selecionados
pela Receita Federal.
No total, muitas vezes são necessárias mais de três horas para sair
do aeroporto, após vôos que podem durar um dia inteiro.
No domingo passado, houve tumulto de manhã no setor de desembarque internacional do terminal 1, onde cerca de mil passageiros se amontoavam com seus
carrinhos num espaço médio individual de 1,8 metro quadrado.
Com apenas dois funcionários
da Infraero (Empresa Brasileira de
Infra-Estrutura Aeroportuária)
para organizar a fila única, que se
subdividia desordenadamente em
várias outras, em forma de galhos,
houve revolta.
"Isto é uma esculhambação!",
berrou um passageiro, seguido por
outros: "É uma falta de respeito!".
"Olha a bagunça!" "Que barbaridade!" "Gringo, pára de furar a fila
ou vai levar porrada!"
Dezenas de pessoas começaram
a gritar "Vamos invadir!". Invadiram mesmo, furando vários "galhos" da fila.
Um dia antes,
no terminal 2,
uma mulher
desmaiou às
9h56, depois de
passar aproximadamente 48
minutos na fila
da alfândega.
Ao chegar ao posto do supervisor
da Receita, que determina quem
terá a bagagem revistada ou inspecionada em raios-X, a passageira
caiu no chão.
Atendida pela equipe médica do
aeroporto, acordou menos de dez
minutos depois.
Durante cinco dias, de sábado retrasado até a última quarta-feira, a
Receita promoveu a sua primeira
auditoria de qualidade do serviço
da alfândega de passageiros nos
aeroportos internacionais de São
Paulo-Guarulhos e do Rio.
Em Guarulhos, a auditoria foi
coordenada pelo chefe da Corregedoria da 1ª Região Fiscal, localizada em Brasília, Rudinei Junkes.
A convite da Receita, a Folha
acompanhou a operação. A atenção da Corregedoria se deteve em
procedimentos e normas, não em
questões disciplinares. Em 1996,
seis fiscais foram afastados sob
acusação de corrupção.
Depois de receber o relatório dos
auditores e os comentários dos
inspetores dos aeroportos, o secretário da Receita, Everardo Maciel,
vai estudar novas regras para facilitar a vida dos passageiros.
Duas situações
ilustram a debilidade da estrutura física e de
pessoal com que
os fiscais trabalham.
Os tripulantes
que chegam ao terminal 2 têm o espaço determinado para colocar as
suas declarações de bagagem: uma
caixa pequena de papelão, onde
antes havia uma garrafa de uísque
escocês Royal Salute.
Ao lado, numa caixa grande de
outro scotch, Johnnie Walker de
rótulo vermelho, são colocadas as
declarações dos passageiros, depois de recebidas pelo supervisor
da Receita.
A Receita é
responsável pela
emissão da Declaração de Saída de Bens Estrangeiros, o documento que o
viajante recebe
comprovando que partiu do Brasil
com produto importado, não precisando pagar imposto ao voltar ao
país.
Em Guarulhos, no entanto,
quem despacha nos balcões de
atendimento são guardas da empresa de segurança privada Officio, contratada pelo Ministério da
Fazenda, ao qual é subordinada a
Receita Federal.
A Folha flagrou seguranças com
bolos de declarações carimbadas e
pré-assinadas por fiscais. Os guardas entregam os atestados a passageiros que chegam a formar filas
com dezenas de pessoas.
No aeroporto paulista, as declarações ainda são preenchidas a
mão, ao contrário do que ocorre
no Rio, onde se usa computador.
Falta pessoal
na alfândega.
Em cada turno
de 24 horas consecutivas de trabalho (há 72 horas de folga), há
em média cinco
fiscais por terminal, incluindo o
supervisor e funcionários que, na
verdade, são técnicos do Tesouro.
Como na temporada de férias
existe reforço, diariamente há 12
fiscais em serviço, um para cada
mil passageiros, nos dias de pico
de movimento (sábado, domingo e
segunda-feira) na temporada de
férias.
Entre as 7h30 e as 12h30, o terminal 2 chega a receber 4.500 passageiros -900 por hora, 15 a cada
minuto.
No ano passado, chegaram do
exterior 2,848 milhões de passageiros, com média diária de 7.802.
Foram vistoriados 340 mil
(11,9%), dos quais 20 mil (0,007%)
foram tributados, pagando R$
9,425 milhões em imposto de importação e multa, no caso dos que
traziam compras acima do valor
permitido.
Até dezembro, não havia obrigatoriedade de declarar a bagagem.
Com a DBA, as filas aumentaram, e
a arrecadação diminuiu.
Nos sete últimos dias de novembro, a alfândega do terminal 1, que concentra de 35% a
40% do movimento total de
chegadas do exterior, arrecadou
R$ 59.402,88.
De 10 a 16 de janeiro, com um
movimento de passageiros no mínimo superior em 8%, segundo
projeção da Infraero, houve tributação de R$ 36.156,88 -uma redução de 39,13%.
De acordo com os fiscais da Receita, a existência da declaração
inibe tentativas de entrada ilegal
no país com produtos acima dos
US$ 500 permitidos, daí a queda.
Se uma pessoa chega com US$
1.000 em produtos eletrônicos importados, por exemplo, ela precisa
pagar imposto de importação de
50% relativo à diferença sobre os
US$ 500. Nesse caso, desembolsará, em real, o equivalente a US$
250.
Caso não tenha descrito na DBA
o conteúdo da bagagem, além do
imposto de importação pagará
multa de 25%: US$ 125. No total,
recolherá US$ 375 à União.
Com a DBA, foi mantida a média
de fiscalização, abrindo-se malas
ou as examinando em aparelhos de
raios-X. Para diminuir as filas, a
checagem tem de ser mais rápida.
As filas também levam alguns supervisores da Receita a liberar passageiros sem declaração -se os
mandarem voltar, haverá mais demora. Entre a liberação e o rigor,
eles preferem evitar tumultos como os de domingo.
Um dos maiores obstáculos
ao passageiro
que desembarca
em Guarulhos
vindo do exterior é a desinformação. Não há
um só aviso de que o passageiro é
obrigado a apresentar a DBA -a
isenção é restrita aos menores de
16 anos desacompanhados.
Empresas aéreas como Varig e
American, de acordo com dezenas
de depoimentos, não informam
sobre a necessidade da declaração,
informam incorretamente ou,
muitas vezes, não distribuem os
formulários a bordo.
Um dos poucos cartazes visíveis
na alfândega alerta o passageiro
para o artigo 332 do Código Penal:
"Exploração de prestígio (carteirada). Pena de reclusão de um a cinco anos e multa".
No domingo à tarde, no terminal
2, havia sobre uma mesa a carta da
chefe de gabinete de uma deputada
federal, pedindo "agilidade" na liberação da parlamentar, que chegaria de Lisboa e teria compromissos "urgentes" em Brasília, para
onde seguiria.
Anteontem, uma passageira não
queria pagar imposto relativo ao
vestido de US$ 50 mil comprado
em Paris para um casamento, alegando que a peça não era para ela.
A maior parte
das apreensões
resulta de denúncias -o
contrabando
(importação de
produtos proibidos) e o descaminho (importação de produtos
permitidos sem o pagamento do
imposto devido) se concentram no
setor de cargas.
Às vezes, a idiossincrasia dos
suspeitos atrapalha. O dono de
uma loja em Miami telefonou para
a Receita denunciando uma "sacoleira" que comprara US$ 150 mil
em roupas.
A "sacoleira" era loira. Segundo
os fiscais, quase todas as compradoras de produtos em Miami que
tentam burlar a fiscalização são
loiras. Resultado: em meio a muitas loiras, não se encontrou a suposta "sacoleira".
Em algumas revistas, os servidores da Receita flagram passageiros
constrangidos com a revelação de
intimidades, como um homem
que portava um instrumento de
auto-satisfação sexual e uma passageira, com fotos à vontade junto
a uma parceira.
O secretário
Everardo Maciel
disse que, ao encomendar a auditoria, "quis fazer um serviço
melhor, mesmo
se expondo, o
que não é usual no serviço público". Quando recebeu as conclusões preliminares, na sexta-feira,
ele antecipou algumas propostas e
recomendações.
A principal reclamação dos 95
passageiros entrevistados pelos
auditores foi em relação às filas. A
maioria (87,9%) considerou ótimo
ou bom o atendimento.
Para diminuir as filas, Maciel
reafirmará uma norma já publicada que determina a revista da bagagem de 5% dos passageiros, menos do que a metade do índice registrado em 1998.
De acordo com o secretário, a
queda na arrecadação ocorrida
com a DBA era esperada.
"A aduana não é para arrecadar,
mas para exercer controle. Quando arrecada demais, o país está
perdido. É como a multa de trânsito. Se cresce significativamente, é
porque o trânsito está desorganizado."
"O problema das filas não é da
DBA, mas da infra-estrutura. Há
problema antes, na espera da bagagem, não há placas claras."
Everardo Maciel reconhece ser
"errado" permitir que seguranças
privados façam atendimento que
deveria ser de fiscais.
Uma das idéias que podem ser
encaminhadas é o recolhimento
dos impostos em máquinas, e não
com preenchimento do formulário por funcionário da Receita, e o
pagamento numa agência bancária no aeroporto.
Na opinião do secretário, o caos
nas filas da alfândega é responsabilidade da Infraero, que diz ser seu
papel apenas apoiar a Receita.
A Varig reconhece problema na
falta de distribuição de formulários. A empresa afirma ter impresso 200 mil DBAs, por "não ter recebido da Receita o número suficiente". Segundo Everardo Maciel, a
companhia é obrigada a imprimir
e fornecer as declarações.
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