|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRIME ORGANIZADO
Documento da PF relata reunião de Erick Vidigal, filho do vice-presidente do STJ, com grupo de Arcanjo
Filho de juiz esteve com advogado de quadrilha
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em 22 de janeiro de 2003, Erick
José Travassos Vidigal, filho de
Edson Vidigal, vice-presidente do
STJ, negociou, em Cuiabá, um
contrato milionário. Repartiria
com dois sócios R$ 2 milhões. Entre os interlocutores de Erick estava um advogado cuja função é
"negociar sentenças" judiciais em
favor da quadrilha de João Arcanjo Ribeiro, de Mato Grosso.
A qualificação do interlocutor
de Erick Vidigal consta de documento confidencial da Polícia Federal. A última página traz um
"fluxograma" com os nomes de
advogados e lobistas que dão suporte jurídico à quadrilha mato-grossense.
Erick é mencionado. Abaixo do
nome dele, em letras menores, a
PF anotou o de seu pai, Edson Vidigal. Na última
sexta-feira, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) disse à
Folha que não tem "nada a ver"
com os negócios do filho.
Erick Vidigal, 28, é apontado
pela PF como elo do grupo de Arcanjo Ribeiro com STJ. Na viagem
a Cuiabá discutiu o "assessoramento" à quadrilha nos tribunais.
Ouvido pela Folha, reconhecera
ter participado do encontro. Afirmou, porém, que não conhecia as
pessoas com quem se reunira.
A PF os conhece. Identifica-os
em relatório de 14 de fevereiro.
Uma das pessoas que se avistaram com Erick se chama Avelino
Tavares Júnior. É retratado assim:
"Advogado, militante em Cuiabá
(MT). Foi preso nas dependências
da delegacia de Polícia Federal em
Ji-Paraná, após análises e cruzamentos de informações que comprovaram sua efetiva participação
na lavagem de dinheiro e na aquisição de diamantes oriundos da
extração clandestina na Reserva
Indígena Roosevelt [...]".
Avelino Tavares integra, segundo a PF, a hierarquia da quadrilha
de Arcanjo Ribeiro. Liga-se diretamente ao "comendador", como
o bandido gosta de ser chamado.
Ele tem uma função peculiar.
"Sua atuação na estrutura criminosa", anota o texto da PF, "é
negociar junto a pessoas com interesses em obter sentenças, fazendo uso de lobistas para, em
contato com pessoas ligadas ao
Judiciário, alcançar sentenças favoráveis."
Para Avelino, a principal credencial de Erick Vidigal era a paternidade do jovem advogado.
Formado há um ano, Erick representava para a quadrilha a perspectiva de obtenção de "sentenças
favoráveis."
A movimentação de Erick Vidigal levou a polícia a suspeitar de
seu pai. Um outro relatório secreto da PF, datado de 28 de janeiro
de 2003, traz inclusive a foto do
ministro Edson Vidigal.
Conforme revelou a Folha em
sua edição de ontem, escuta telefônica da PF mostrou que Erick
chegou a negociar com os bandidos uma decisão que seria tomada por seu pai.
Tratava-se de um habeas corpus
impetrado no STJ para liberar da
cadeia Luiz Alberto Dondo Gonçalves, contador da quadrilha do
"comendador". A negociação começou em Brasília. Coube a Timóteo Nascimento da Silva a tarefa de estreitar relações com Erick
Vidigal.
A documentação secreta da PF
traça o perfil de Timóteo Nascimento: "lobista, advogado [...].
Sua função era permanecer em
Brasília, para realizar contatos
com os "consultores". Aparentemente, assumiu a função de liderança do grupo, é o principal negociador, visto que ao final passou a tratar a parte financeira,
além dos temas técnicos [...]."
Timóteo Nascimento é, segundo a PF, "pessoa ligada à política
na região de São Paulo". Em 1996,
concorreu à cadeira de vereador
em São José do Rio Preto (SP) pelo PMDB. Em 1998, "foi candidato
a deputado federal". Obteve uma
suplência.
À medida que os entendimentos brasilienses evoluíam, Timóteo repassava informes, pelo telefone, a um irmão dele, que repassava os dados para Avelino Tavares, em Cuiabá. O irmão de Timóteo se chama Samuel Nascimento
da Silva, um "lobista", segundo a
Polícia Federal.
Num dos telefonemas captados
pelo grampo da polícia, em 22 de
janeiro, Timóteo informou a Samuel o preço supostamente cobrado por Erick Vidigal pela liberdade do contador Luiz Alberto
Dondo Gonçalves.
"É US$ 100 mil, viu?" Samuel
quis saber: "Mas já tá acertado?" E
Timóteo: "Tá acertado lá, o pai
dele [ministro Edson Vidigal] pediu pra ele falar com o assessor lá,
que tava responsável, já tinha até
feito um serviço negativo, eu
acho, né? [...]."
Para desespero da quadrilha, o
ministro Edson Vidigal negou
provimento ao pedido de habeas
corpus. Em outro trecho do
grampo, Timóteo conta ao irmão
as razões que lhe foram expostas
por Erick Vidigal. Recurso semelhante fora indeferido pelo TRF
(Tribunal Regional Federal). Uma
decisão diferente de seu pai feriria
jurisprudência do STF. Soaria escandalosa. Daí a referência ao
"serviço negativo" encaminhado
pela assessoria de Edson Vidigal.
A despeito da negativa, os canais com o STJ mantinham-se
"abertos", informou Timóteo a
Samuel. Por isso deu-se prosseguimento às negociações com
Erick Vidigal. Agora não mais para a obtenção de uma decisão específica, mas para um assessoramento jurídico "mais amplo", ao
custo de R$ 2 milhões.
Erick Vidigal foi conduzido a
Cuiabá pelo próprio Timóteo. A
reunião foi feita num horário em
que a cidade dormia.
Mas o filho do ministro deixou
rastros em sua passagem pela capital mato-grossense. Vestígios
devidamente registrados na papelada secreta da PF.
Erick embarcou em Brasília na
noite de 22 de janeiro, no vôo RG
2048, da Varig. Desembarcou em
Cuiabá às 21h30, horário local.
Além de Timóteo, acompanhavam o filho do ministro dois sócios dele, os advogados Jaison Osvaldo Della Giustina, de Brasília, e
Gustavo Furtado Silbernagel
(pronuncia-se Silbernáguel), de
Florianópolis (SC).
A comitiva foi recolhida no aeroporto pelo lobista Samuel. Foram conduzidos a uma casa onde
eram aguardados por Avelino Tavares. Mais tarde, chegou ao local
Eduardo de Vilhena Toledo, advogado oficial das causas do "comendador" Arcanjo Ribeiro.
Chefia uma respeitada banca de
Brasília.
Erick Vidigal e os dois sócios dele retornaram a Brasília na madrugada de 23 de janeiro. Deixaram Cuiabá antes do amanhecer,
às 4h, no vôo VP 4250, da Vasp.
Diálogos captados pelo grampo
da polícia indicam que não houve
acerto no preço. As negociações
prosseguiram, sem sucesso, até a
semana passada.
Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Frase Índice
|