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COMITÊ CENTRAL
Tucanos da tropa de choque do pré-candidato militaram no PCB
Campanha de Serra está nas mãos de ex-comunistas
MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO
O camarada Alberto foi preso
na virada da década de 1950 para a
de 1960, quando era estudante e
ajudou a parar o trânsito de São
Paulo numa manifestação.
Mal o camarada Alberto deixou
a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, o camarada
Arnaldo, acadêmico de ciências
sociais, ascendeu no movimento
estudantil: foi um dos articuladores da eleição do aluno de engenharia José Serra para as presidências da União Estadual dos Estudantes de São Paulo e da União
Nacional dos Estudantes.
Após a deposição do governo
constitucional de João Goulart em
1964, quando o camarada Arnaldo já concluíra o curso, o camarada Mateus presidiu o Centro Acadêmico 11 de Agosto, da Faculdade de Direito da USP. Em 1968,
Mateus assaltou o trem pagador
Santos-Jundiaí, amealhando fundos para a luta armada contra o
regime militar (1964-1985).
Nove anos depois, muitas vezes
equilibrado sobre um ônibus, o
camarada Fritz, presidente do
centro acadêmico de engenharia
da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, discursou em comícios de oposição aos generais.
Alberto, Arnaldo, Mateus e
Fritz, todos ex-militantes do PCB
(Partido Comunista Brasileiro),
estão unidos hoje na talvez maior
empreitada política que já viveram: fazer do senador José Serra
(PSDB-SP), 60, o novo presidente.
Codinomes
Mateus era o codinome do atual
ministro da Justiça, Aloysio Nunes Ferreira, 56. Fritz, na clandestinidade, era o atual prefeito de
Vitória, Luiz Paulo Vellozo Lucas,
45. Sem nomes de guerra, Alberto
era o deputado federal Alberto
Goldman, 64, e Arnaldo, o líder
do governo na Câmara, Arnaldo
Madeira, 62.
Os quatro integram a Executiva
Nacional do PSDB, que conta ainda com outro ex-camarada do
Partidão, como o PCB era conhecido: o secretário-geral da Presidência, Arthur Virgílio Neto, 56.
Dos três nomes da coordenação
de campanha de Serra já confirmados, dois são de egressos do
PCB: os jornalistas Milton Coelho
da Graça, 71, e Henrique Caban,
61 (o coordenador-geral é o ministro Pimenta da Veiga.)
No Movimento de 1964, Coelho
da Graça foi preso pelos militares
em Recife, apanhou a valer e ficou
oito meses na cadeia. Voltaria a
ser detido por motivos políticos
em 1970 e 1975. É o assessor de comunicação de Serra.
Caban, como o colega, integrou
o núcleo diretivo de diversas publicações jornalísticas, como ""O
Globo" e o ""Jornal do Brasil". Foi
contratado como administrador
da campanha.
Coelho da Graça e Caban são
amigos há quatro décadas do presidente do Instituto Nacional do
Câncer, Jacob Kligerman, 61. Foi
numa garçonnière (apartamento
destinado a encontros amorosos
secretos, na era pré-motel) do então estudante de medicina Jacob,
também militante do PCB, que
Serra escondeu-se em 64, antes de
se asilar na Embaixada da Bolívia.
A presença exponencial de ex-comunistas ao redor de José Serra
está longe de indicar um viés esquerdizante na candidatura. CoPSDB, o empreiteiro Márcio Fortes. Ou a quase unânime adesão
do setor financeiro em geral e dos
banqueiros, em particular.
O próprio Serra nunca foi marxista. Foi um dos fundadores, em
1962 e 1963, da Ação Popular, organização de esquerda originária
de grupos juvenis ligados à Igreja
Católica. Tinha como companheiros Sérgio Motta (futuro ministro das Comunicações) e Herbert de Souza (o sociólogo Betinho), ambos já mortos.
A AP teve o apoio do PCB para
fazer de Serra o presidente da
UNE, à época uma sigla com ampla influência política. Hoje, aliados pontuais, como na eleição da
entidade estudantil, formam no
grupo mais próximo do pré-candidato peessedebista.
Sem acaso
"Tudo isso tem a ver com a nossa trajetória; nada é por acaso",
diz o deputado Alberto Goldman
(PSDB-SP), vice-presidente nacional do partido. "Sou absolutamente coerente com o meu passado", afirma o prefeito Vellozo Lucas. "O PSDB é a esquerda possível no mundo. Não há nada viável
à esquerda do Serra."
"O vírus social pega e fica",
diagnostica o oncologista Jacob
qualificação política na atividade
médica: "Eu não sou de esquerda.
Eu faço esquerda".
O próprio Serra recusa uma autodefinição: "Não gosto dessas
definições porque elas não querem dizer nada. Mas provavelmente alguém me classificaria como centro-esquerda".
Não é novidade para ele a observação de que muitos quadros tucanos começaram a vida política
no PCB. Brincando com o peso no
PSDB de ex-militantes da AP, o
governador de São Paulo Mário
Covas, morto no ano passado,
costumava dizer: ""O governo Fernando Henrique é a AP". "É a AP,
mas também é o Partidão", respondia Serra.
No ideário oficial do PCB, a economia se fundamentaria na propriedade estatal dos meios de produção e o instrumento de poder
seria a ditadura do proletariado.
"Isso tudo já foi", afirma Serra.
"Mas a idéia da justiça social, da
redução de desigualdades, ficou
muito forte."
Embora não componham nenhuma fração ou tendência, os
ex-comunistas da Executiva do
PSDB tiveram uma atitude (quase) comum: na disputa inicial entre Serra e o governador Tasso Jereissati (CE) pela indicação a canA exceção foi Arthur Virgílio.
O apoio dos ex-comunistas a
Serra não é formal, como o de Jereissati. Eles estão entre os principais articuladores políticos e formuladores do programa que ficará pronto em maio ou junho.
No último dia 12, quando foram
divulgadas pesquisas de intenção
de voto para a Presidência atestando o emagrecimento de Roseana Sarney (PFL), Serra telefonou para Vellozo Lucas.
É o prefeito de Vitória quem
conta: o senador lhe perguntou
como estava: ""Eu disse que estava
igual àquele cara da piada: engessado para não rir".
Explicou: um homem ia num
carro com a mulher, podre de rica, e os pais dela, igualmente podres de ricos. Acidente. A mulher
e os sogros morrem. O homem
herda tudo. Depois da batida, é
engessado do pescoço ao dedo
mindinho do pé. Um amigo diz:
"Você deve estar todo quebrado".
O homem responde: ""Que nada.
Não sofri um arranhão". E por
que o gesso? "Fiquei rico. Estou
engessado para não rir".
O prefeito deixou o PCB em
1985, após 11 anos. Diz que uma
das principais lições da militância
comunista foi "aprender a identificar o inimigo principal". ""Fazer
não é coisa estranha."
"O Partidão foi minha escola de
patriotismo, de ética, de solidariedade e militância", afirma. E
constata, mais de uma década
após a queda do Muro de Berlim:
"Desenvolvimento é desenvolvimento capitalista, e não outro".
Fornecedor de quadros
Enquanto esteve no PCB, Vellozo Lucas topou com Goldman em
encontros partidários. "Eu era
moleque, ele era capa-preta do
Comitê Central." Goldman diz
que "o PCB sempre foi fornecedor de quadros da política nacional. Muitas idéias da velha esquerda permeiam muitos de nós. Minha cabeça não mudou absolutamente nada em termos do que eu
imagino ser uma sociedade melhor. Claro que a forma pela qual
se atinge essa coisa mudou".
Assim como Goldman, o ministro Aloysio Nunes Ferreira só
aderiu ao PSDB na era Fernando
Henrique Cardoso presidente.
Antes, ambos estiveram no
PMDB, onde giravam em torno
do ex-governador de São Paulo
Orestes Quércia.
No movimento estudantil, Nunes Ferreira começou no PCB,
passou para a dissidência guerrilheira de Carlos Mariguella, exiNum recente bate-boca com
Tasso Jereissati, antes da definição partidária pró-Serra, o governador do Ceará o acusou de promover ações desleais a favor do
então ministro da Saúde.
A história de Nunes Ferreira no
movimento estudantil é posterior
a 1964, bem como a de Arthur
Virgílio, este no curso de direito
da UFRJ. A do deputado Arnaldo
Madeira (SP), anterior. Ficou no
PCB de 1961 a 1965.
"Minha cabeça evoluiu", diz. O
que ficou dos tempos de comunista foi "a preocupação básica
com o social, com a redução da
pobreza e das diferenças sociais.
Tudo através da democracia".
Milton Coelho da Graça, chefe
da assessoria de imprensa da
campanha, não fala em "evolução", mas em "realismo": "O pessoal ex-Partidão tem compromisso com a realidade. Tenho admiração profunda pelo Deng Xiaoping [comunista chinês condutor
de reformas capitalistas, morto
em 1997] porque ele foi capaz de
ver a realidade. Nós somos realistas, da mesma maneira que os católicos".
O jornalista foi congregado mariano. "Além de aprender as virtudes da autocrítica, aprendi também as da confissão."
Foi um amigo de Coelho da
Graça e Henrique Caban, o médico Jacob Kligerman, quem emprestou a garçonnière para Serra
se esconder em 1964. Na primeira
noite do golpe, o então presidente
da UNE fora levado por seu amigo Marcelo Cerqueira, também
do PCB, para dormir na Baixada
Fluminense, na casa de Tenório
Cavalcanti, o legendário "homem
da capa preta".
Trinta e quatro anos depois, o
ministro da Saúde Serra convidou
Kligerman, um conceituado especialista em cirurgia de cabeça e
pescoço, para assumir o Inca.
Há dias, Serra ligou em busca de
subsídios para responder a uma
crítica do pré-candidato Ciro Gomes (PPS) à política anticâncer do
governo. ""Foi uma agressão indevida. Serra estava chateadíssimo",
diz Kligerman.
Ironicamente, o PPS de Ciro é a
continuidade histórica do velho
PCB, fundado em 1922 e, ao abandonar seus dogmas, rebatizado
em 1992.
Milton Coelho da Graça, fundador da nova sigla, afastou-se aos
poucos. Como técnico, dirigiu a
comunicação de Cesar Maia
(PFL) na Prefeitura do Rio.
Nos anos 60, Maia chegou a passar pelo PCB. Como o pré-candidato do PSB à Presidência, Anthony Garotinho, na década de
1970. "Houve uma diáspora que
se espalhou por todos os partidos", diz Coelho da Graça.
Na campanha de Serra, ex-comunistas se reencontram. No
passado, quase toda a esquerda
qualificava pejorativamente o
PCB como um partido "reformista", mais interessado em alianças
com "setores progressistas da
burguesia" do que com revolução. Pragmático, era a direita da
esquerda.
Agora, como concorda o deputado Goldman, os velhos comunistas são uma espécie de esquerda do PSDB. Pregam uma nova
reforma, desta vez desenvolvimentista. Talvez tenham encontrado o seu destino.
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