São Paulo, domingo, 24 de maio de 1998

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ELEIÇÃO
Publicitário diz que FHC irá ao 2º turno contra Lula e que marca será tensão social, medo do desemprego
Pitta precisa melhorar, diz Duda Mendonça

KENNEDY ALENCAR
Editor do Painel

"Se o Pitta chegar ao final do mandato do jeito que está hoje, vou ficar profundamente decepcionado", diz Duda Mendonça, o publicitário que cuidou de toda a estratégia de campanha para eleger o atual prefeito de São Paulo.
Duda, que acha que Celso Pitta ainda tem tempo para melhorar sua gestão, fez a crítica ao prefeito depois de responder que não trabalharia de novo para um candidato que ajudou a eleger se ele o decepcionasse no governo.
Para o publicitário, o eleitor ficará dividido entre dois medos na sucessão presidencial: "Fernando Henrique Cardoso vai jogar com o temor de que venha o Lula e destrua o Real. E o Lula dirá que, se FHC continuar, o brasileiro perderá o emprego".
Prevê que haverá segundo turno, entre o tucano FHC e o petista Lula, devido a outra marca do pleito: agravamento da tensão social.
Sondado por emissários de FHC e de Lula, um dos marqueteiros mais disputados do país, que cuidará de pelo menos oito campanhas a governos estaduais, com uma equipe de mais de cem pessoas, diz que dificilmente terá condições de trabalhar para um dos dois candidatos a presidente.
Sobre a eleição paulista, vaticina que seu candidato, Paulo Maluf (PPB), vencerá. E diz que, pelas pesquisas que tem, o governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB) não irá para o segundo turno.
Revela seu método de trabalho, dizendo que usa pesquisas qualitativas (pequenos grupos de eleitores convidados a debater um certo tema com a mediação de um pesquisador) para testar seus pressupostos. "O povo não sabe lhe dar uma linha de campanha, mas sabe julgar o que você fez."

Folha - Qual será o principal tema da sucessão presidencial?
Duda Mendonça -
O medo. Vão assustar o eleitor. O presidente Fernando Henrique vai jogar com o temor de que venha o Lula e destrua o Real. E o Lula dirá que, se FHC continuar, o brasileiro perderá o emprego. Duas bandeiras fortíssimas. E o povo no meio, espremido. Se ficar o bicho pega, se correr o bicho come.
Folha - O governo trabalha com o cenário de que FHC será reeleito e prefere enfrentar o Lula. O sr. acha que ocorrerá isso mesmo?
Duda -
Trabalha com um cenário tão otimista, a certeza da vitória, que pode ser equivocado. FHC enfrentará uma eleição nervosa, com momentos de muita tensão. E a decisão provavelmente só será conhecida no segundo turno. Há oito anos, George Bush chegou a ter 80% de aprovação popular e perdeu a reeleição nos EUA.
Já para o Lula, que até poucos dias considerava a eleição totalmente perdida, ir para o segundo turno pode ter sabor de vitória. Vale lembrar que na vida de um político há derrotas que a longo prazo podem significar vitórias.
Folha - O agravamento da tensão social, numa combinação de desemprego e efeitos da seca, por exemplo, pode levar a eleição presidencial para o segundo turno?
Duda -
Pode. Este é o grande risco do presidente. Vai depender muito da conjuntura no momento da eleição. Se chover no sertão, se o Brasil ganhar a Copa, se os juros continuarem caindo e se a crise das Bolsas não se agravar, a situação melhora muito para FHC.
Se o presidente tiver a coragem de abrir o peito, falando sinceramente das dificuldades, do seu esforço e por que se esqueceu de alguns dedos da mão (as cinco promessas de 94), suas chances aumentam substancialmente. Deve demonstrar sinceridade, fazer crescer a confiança do povo nele. Se insistir em dizer que está tudo muito bem, pode se dar mal.
Folha - O sr. teve conversas recentes com Lula e FHC. Vai fazer a campanha de algum dos dois?
Duda -
A cada dia fica mais difícil. Já tenho compromissos e muita dor de cabeça para as eleições.
Folha - Como serão as sucessões estaduais?
Duda -
Acho um desperdício de dinheiro no segundo turno. Pelo pouco tempo de campanha e pelo alto nível de conhecimento dos candidatos junto ao eleitorado, quem for bem no primeiro turno dificilmente não levará no segundo. Na maioria dos Estados, as disputas já ocorreram. As únicas novidades são a Marta Suplicy (PT), em São Paulo, e o Luiz Paulo Corrêa (PSDB), agora que o Marcello Alencar desistiu de disputar a reeleição no Rio. De resto, são todos figuras muito conhecidas. Em São Paulo, o Maluf, o Covas e o Rossi. No Rio Grande do Sul, é Antonio Britto (PMDB) e Olívio Dutra (PT) que já se enfrentaram em 94. No Paraná, Lerner (PFL), Álvaro Dias (PSDB) e Requião (PMDB).
Folha - Quem vencerá a eleição em São Paulo?
Duda -
Maluf, sem dúvida. A dúvida é quem será seu adversário no segundo turno. E, de acordo com todas as pesquisas que tenho feito, certamente não será o Covas.
Folha - Após a eleição do Pitta em 96, Maluf preparou-se para ser candidato a presidente. O que deu errado? Por que ele desistiu?
Duda -
Compreendeu que ainda não era seu momento. FHC estava muito forte, no auge. Ao mesmo tempo, Maluf tinha uma eleição muito favorável em São Paulo. Maluf amadureceu, já não gosta de correr tantos riscos como antes.
Folha - O sr. tem oito campanhas a governos estaduais. Dá para atender a todo mundo bem? Não teme virar uma franquia, um McDonald's do marketing?
Duda -
Não jogaria meu nome, conseguido a duras penas em 20 anos, numa aventura. Me preparei. Tenho hoje uma equipe com mais de cem profissionais. Vou provar que isso pode ser feito e bem feito.
Folha - Se um candidato que o sr. elegeu o decepciona quando governa, o que o sr. faz?
Duda -
Me sinto meio culpado e responsável pela frustração das pessoas. Esse talvez seja o maior conflito que enfrento na profissão. Nesse casos, se procurado para nova campanha, não aceito.
Folha - Em 96, a propaganda que o sr. fez vendeu a idéia de que São Paulo não pararia se Pitta fosse o sucessor de Maluf. Hoje, a administração está numa crise séria. O sr. não está arrependido?
Duda -
Se o Pitta chegar ao final do mandato do jeito que está hoje, vou ficar profundamente decepcionado. Acho que ele precisa melhorar, acredito que vai melhorar. Mas só posso julgar ao final de quatro anos de mandato. Seria injusto agora. Está nos 25 minutos do primeiro tempo. Ainda tem tempo de sobra para virar o jogo.
Folha - É possível governar sem barganha política?
Duda -
É irrealista. O governante não consegue aprovar quase nada sem negociar, acaba cedendo e fazendo muitas concessões. Será que alguém que não faça isso tem condições de sobreviver politicamente? Tenho dúvidas, mas é fundamental que tenha limites.
O que mais revolta é que, em alguns momentos, vejo que os governos são chantageados por membros do seu próprio partido.
Mais do que nunca precisamos da reforma política. Só que essa reforma passa por alterações na Constituição. E, para mudá-la, é uma briga. Quando você constata isso, pergunta-se: "Então os fins justificam os meios?"
Folha - O sr. acha que os fins justificam os meios?
Duda -
Depende. Pode ser que sim. Pode ser que não. Nunca vou ser político por isso. Se tiver certeza do que quero fazer, faço. Passo por cima e faço, com a convicção de que estou fazendo o melhor.
Já ouvi de alguns políticos que a lei no Brasil é feita de um jeito pelo qual é mais complicado fazer a coisa certa do que fazer a coisa errada. Às vezes, acho que a coisa foi feita para facilitar o erro.
Folha - Qual o maior problema da candidatura Lula?
Duda -
Simplificando, a falta de entusiasmo, do brilho no olho quando fala. Quando conheci Lula, logo depois que Maluf ganhou do Suplicy (em 92), foi o que mais me impressionou nele. Hoje, não vejo mais nas suas falas os olhos brilhando. Deixou de falar dele, de seus projetos, para criticar FHC, passando, às vezes, a impressão de que torce contra o Brasil.
Folha - O sr. quase fez o marketing do Lula em 94. Ele ganharia?
Duda-
Não. Mas, com absoluta certeza, hoje estaria muito mais forte. Não iria jamais mudá-lo. Ele deveria ter dito: "Gente, olhe, esse país sempre foi governado para os ricos. Se eu ganhar, os ricos que me desculpem, mas vou governar quatro anos para o pobre. Depois os ricos podem até ganhar de novo e voltar a governar".
Dá pra entender o Lula não conseguir se comunicar com pobre?!
Folha - Um suposto preconceito de pobre contra pobre?
Duda -
Não. Acho que foi o Lula que se distanciou. O Lula virou um "programa" de elite.
Folha - O sr. diz que não faz pesquisa qualitativa com as classes A e B, chamadas formadoras de opinião (mais escolaridade e maior renda), mas só com C e D (menos escolaridade e menor renda). Não crê em formador de opinião?
Duda -
Essa pirâmide virou de cabeça para baixo. O formador de opinião perdeu espaço. Quem mais influencia o eleitor hoje é o colega de trabalho, o cara com quem ele bebe no bar, com quem vai à praia ou ao futebol.
Hoje é o povão que começa a influenciar o formador de opinião. Venho percebendo isso há muito tempo. Por isso procuro me comunicar principalmente com as faixas C e D. E utilizo uma linguagem simples, direta e emocional, quase óbvia. Não há mágica.
Folha - O sr. tem a fama de usar muita pesquisa qualitativa para definir sua estratégia.
Duda -
Junto com o Marcos Coimbra (do Instituto Vox Populi), fui o primeiro a usar pesquisa qualitativa nas campanhas eleitorais no Brasil. Tenho aprendido que pesquisa lhe dá informações, mas não a estratégia. Uso qualitativas para testar pressupostos. Para testar se estou acertando na mosca, passando perto ou não.
A qualitativa lhe dá o nível de acerto sobre o que você faz, não lhe dá o que fazer. O povo não sabe lhe dar uma linha de campanha, mas sabe julgar o que você fez.
As pessoas tendem a rejeitar o novo. A pesquisa, principalmente a qualitativa, julga conceitos conhecidos, que não lhe garantem que o novo não venha a dar certo. Por exemplo, a primeira campanha do coração do Maluf, em 88, foi totalmente rejeitada pelos grupos. O coração lembra a Lopes, diziam muitos entrevistados, uma grande imobiliária que o usa como marca de empreendimentos. Como acreditava muito na campanha, ignorei o resultado da pesquisa e toquei pra frente. Meses depois, em novos grupos, o coração era superelogiado e ninguém falava da Lopes. Já contrariei opiniões de grupos e me dei bem.
Folha - Qual é o seu diferencial?
Duda -
Facilidade de transformar informação em argumento. Propaganda política não informa, convence. E só há um dogma em comunicação que ninguém jamais conseguir derrubar: comunicação não é aquilo que você diz, mas aquilo que os outros entendem.



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