São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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JANIO DE FREITAS

Tudo no real é irreal

O governo bate outra vez à porta do FMI para pedir o socorro dos bilhões de dólares. No mesmo compasso, despeja outros bilhões, a preços inferiores aos do mercado de câmbio, para fingir que conseguiu deter a desvalorização do real diante do dólar. O que houve? A Argentina, dizem no governo e nos seus arraiais jornalísticos. Como antes disseram que foi a Coréia, foi a Rússia, foi a Tailândia -para encurtar, foi e é o que não dizem: o Brasil.
A estabilidade do real é uma mentira à vista, mas governo e meios de comunicação fazem de tudo para preservá-la da consciência geral, a cada abalo não importa em que país. Logo, a estabilidade do real, quando parece existir, não é do real, é dos outros parceiros no planeta. Se algum se move, por mais distante e insignificante que seja, o terremoto se manifesta no chão do real. No bolso dos brasileiros, na progressiva queda do seu poder aquisitivo evidenciada no aperto orçamentário da classe média.
Nada mais irreal do que o real. E, no entanto, nos sete anos que agora se completam, desde o lançamento do novo plano monetário em 94, a brutalidade dos sacrifícios impostos ao país e a quantidade de bilhões injetados, aqueles e estes, na falsa estabilidade do real comprometeram, talvez irremediavelmente, muitos dos males que, crescentes embora, ainda eram reparáveis.
Um exemplo: a falta de emprego (não se trata de desemprego, de emprego perdido) para estimados 10 milhões dos jovens que chegaram, desde 94, à idade de trabalhar. A parcela, naquele total, de jovens entregues à marginalidade não se traduz apenas no aumento das ações contra a segurança dos seres urbanos, mas funciona como escola de vida fácil, mais compensadora do que o magro e incerto salário, para os milhões de jovens que continuam chegando à idade adulta.
Para o combate, que já por si seria farsante, à invasão da marginalidade criminosa o governo lançou o Plano Nacional de Segurança, com a inversão de R$ 3 bilhões. Tudo isso só para continuar mentindo: lançou o plano, mas não soltou o dinheiro, para manter a mentira maior do real. Partes do plano, o Fundo de Segurança Pública, o aumento de policiamento, a criação da polícia comunitária e a reaparelhagem das polícias não receberam nem um centavo.
Nem por isso a mentira deixa de engalanar-se. Na última semana, lá estavam posando para fotos e TV, todos muito elegantes e arrumados, como em foto de grupo escolar, os ministros José Serra, Paulo Renato Souza, general Alberto Cardoso, Pimenta da Veiga, Carlos Melles. Não tinham o que fazer pelo país, faziam cenário para o discurso com que o ficcionista Fernando Henrique Cardoso celebrava mais uma Semana de Combate às Drogas. Combate em que seu governo se empenha assim: reteve 60% da verba destinada em 2000 para a repressão ao tráfico. Da verba para 2001, até este meio de ano o governo só aplicou pouco mais de 10%.
Não há combate à droga e nem à mentira.
"Dólar despenca 6,2% em dois dias", berrava uma das manchetes de ontem, como um símbolo global de todo o noticiário a respeito. A verdade é que o governo fez despencar no mercado do dólar seguidos bilhões, para obter, no final, que o dólar recuasse R$ 0,15. Poderia anunciar: compram-se centavos por bilhões. É sempre o mesmo negócio para manter a mentirosa estabilidade do real. E agora, raspado o cofre, o governo monta o aumento de US$ 10,8 bilhões (note que aí já é em dólar) na dívida externa, dos quais US$ 4,6 já estão destinados a mais operações para segurar o dólar. Ou seja, para a mentira de que o real tem alguma estabilidade.
O Plano Real, em si, talvez fosse bom. Mas não contou no governo com quem fosse capaz de conduzi-lo. A incapacidade traduziu-se em inércia e daí na grande mentira, a única atividade que o governo tem sabido efetivar, com o coro dos acólitos. Mentira paga com partes do presente dos brasileiros e do futuro do país.

A moda pega
Em vista do exposto acima, comunico aos eventuais leitores que estou aderindo a Fernando Henrique Cardoso. Também esta coluna ficará omissa, alheia e ausente. Embora não por anos e anos, mas por poucas semanas.



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