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JANIO DE FREITAS
Tudo no real é irreal
O governo bate outra vez à
porta do FMI para pedir o
socorro dos bilhões de dólares.
No mesmo compasso, despeja
outros bilhões, a preços inferiores aos do mercado de câmbio,
para fingir que conseguiu deter a
desvalorização do real diante do
dólar. O que houve? A Argentina, dizem no governo e nos seus
arraiais jornalísticos. Como antes disseram que foi a Coréia, foi
a Rússia, foi a Tailândia -para
encurtar, foi e é o que não dizem:
o Brasil.
A estabilidade do real é uma
mentira à vista, mas governo e
meios de comunicação fazem de
tudo para preservá-la da consciência geral, a cada abalo não
importa em que país. Logo, a estabilidade do real, quando parece existir, não é do real, é dos outros parceiros no planeta. Se algum se move, por mais distante e
insignificante que seja, o terremoto se manifesta no chão do
real. No bolso dos brasileiros, na
progressiva queda do seu poder
aquisitivo evidenciada no aperto orçamentário da classe média.
Nada mais irreal do que o real.
E, no entanto, nos sete anos que
agora se completam, desde o
lançamento do novo plano monetário em 94, a brutalidade dos
sacrifícios impostos ao país e a
quantidade de bilhões injetados,
aqueles e estes, na falsa estabilidade do real comprometeram,
talvez irremediavelmente, muitos dos males que, crescentes embora, ainda eram reparáveis.
Um exemplo: a falta de emprego (não se trata de desemprego,
de emprego perdido) para estimados 10 milhões dos jovens que
chegaram, desde 94, à idade de
trabalhar. A parcela, naquele total, de jovens entregues à marginalidade não se traduz apenas
no aumento das ações contra a
segurança dos seres urbanos,
mas funciona como escola de vida fácil, mais compensadora do
que o magro e incerto salário,
para os milhões de jovens que
continuam chegando à idade
adulta.
Para o combate, que já por si
seria farsante, à invasão da marginalidade criminosa o governo
lançou o Plano Nacional de Segurança, com a inversão de R$ 3
bilhões. Tudo isso só para continuar mentindo: lançou o plano,
mas não soltou o dinheiro, para
manter a mentira maior do real.
Partes do plano, o Fundo de Segurança Pública, o aumento de
policiamento, a criação da polícia comunitária e a reaparelhagem das polícias não receberam
nem um centavo.
Nem por isso a mentira deixa
de engalanar-se. Na última semana, lá estavam posando para
fotos e TV, todos muito elegantes
e arrumados, como em foto de
grupo escolar, os ministros José
Serra, Paulo Renato Souza, general Alberto Cardoso, Pimenta
da Veiga, Carlos Melles. Não tinham o que fazer pelo país, faziam cenário para o discurso
com que o ficcionista Fernando
Henrique Cardoso celebrava
mais uma Semana de Combate
às Drogas. Combate em que seu
governo se empenha assim: reteve 60% da verba destinada em
2000 para a repressão ao tráfico.
Da verba para 2001, até este
meio de ano o governo só aplicou pouco mais de 10%.
Não há combate à droga e nem
à mentira.
"Dólar despenca 6,2% em dois
dias", berrava uma das manchetes de ontem, como um símbolo
global de todo o noticiário a respeito. A verdade é que o governo
fez despencar no mercado do dólar seguidos bilhões, para obter,
no final, que o dólar recuasse R$
0,15. Poderia anunciar: compram-se centavos por bilhões. É
sempre o mesmo negócio para
manter a mentirosa estabilidade
do real. E agora, raspado o cofre,
o governo monta o aumento de
US$ 10,8 bilhões (note que aí já é
em dólar) na dívida externa, dos
quais US$ 4,6 já estão destinados
a mais operações para segurar o
dólar. Ou seja, para a mentira de
que o real tem alguma estabilidade.
O Plano Real, em si, talvez fosse bom. Mas não contou no governo com quem fosse capaz de
conduzi-lo. A incapacidade traduziu-se em inércia e daí na
grande mentira, a única atividade que o governo tem sabido efetivar, com o coro dos acólitos.
Mentira paga com partes do presente dos brasileiros e do futuro
do país.
A moda pega
Em vista do exposto acima, comunico aos eventuais leitores
que estou aderindo a Fernando
Henrique Cardoso. Também esta coluna ficará omissa, alheia e
ausente. Embora não por anos e
anos, mas por poucas semanas.
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