São Paulo, quinta-feira, 24 de junho de 2004

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REGIME MILITAR

Parentes de Virgílio Gomes da Silva apresentam hoje documentos que mostram que ele foi assassinado pela ditadura

Família esclarece morte de 1º desaparecido

MURILO FIUZA DE MELO
DA REPORTAGEM LOCAL

A família do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, da ALN (Ação Libertadora Nacional), e o grupo Tortura Nunca Mais apresentam hoje à tarde, na sede do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, documentos que mostram que ele foi morto pelo regime militar.
Gomes da Silva, codinome Jonas, comandou o seqüestro do embaixador americano Charles Burke Elbrick, em 4 de setembro de 1969, e foi morto menos de um mês depois na sede da Oban (Operação Bandeirantes), em São Paulo, um dos mais conhecidos centros de tortura do país.
Na documentação, estão o laudo da autópsia, assinado por dois legistas do Instituto Médico Legal de São Paulo, o número com o qual o cadáver (que não foi encontrado até hoje) foi enterrado e uma foto do corpo do guerrilheiro que, segundo a família, provaria que ele morreu sob tortura.
Há ainda um laudo das impressões digitais de Gomes da Silva, feito por dois policiais, que conclui que o corpo levado para o IML era dele. Anexado ao laudo, há um bilhete escrito à mão com a frase "Não deve ser informado", o que, para o Tortura Nunca Mais, provaria que houve uma ordem para o desaparecimento do corpo e para que a morte não fosse informada à ou à imprensa.
Na época, o chefe da equipe de interrogadores da Oban afirmou que o preso havia fugido. Segundo Elio Gaspari ("A Ditadura Escancarada"), Gomes da Silva foi o primeiro preso político a "desaparecer" após a edição do AI-5 (Ato Institucional nº 5): "A partir dele alterou-se no léxico do idioma o significado da palavra desaparecido. Deixou de designar algo que se perde de vista para qualificar os cidadãos assassinados em guarnições ou valhacoutos militares cujos cadáveres sumiam".

Indenização
O guerrilheiro da ALN era considerado um desaparecido político até hoje. Em 1997, a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça concedeu indenização à família, de R$ 100 mil, e lhe entregou um atestado de óbito. A viúva Ilda Martins da Silva e os quatro filhos do casal pretendem entrar com uma ação judicial exigindo que o Estado indique a localização de restos mortais do marido.
Filho mais velho de Jonas, Wladimir Gomes da Silva, 43, não quis revelar ontem detalhes da documentação que será apresentada: "Só posso dizer que o laudo da autópsia é chocante".
Para a presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo, Rose Nogueira, o material é uma prova de que o Estado oculta informações sobre mortos e desaparecidos. "Esse documentação fará com que famílias de outras vítimas do regime possam entrar na Justiça requerendo a mesma informação", disse. Segundo ela, apenas em São Paulo há 400 pessoas mortas ou desaparecidas.

Treinamento em Cuba
A atividade política de Virgílio Gomes da Silva começou aos 18 anos no PCB (Partido Comunista Brasileiro). Ele foi operário da indústria química e dirigente do Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de São Paulo. Com o golpe de 1964, ele se refugiou no Uruguai, mas voltou ao Brasil para retomar as atividades políticas.
Após o "racha" do PCB, o guerrilheiro optou pela ALN, dissidência do Partidão e liderada por Carlos Marighella. Pela ALN, Gomes da Silva foi mandado para Cuba, onde morou um ano. Lá, recebeu treinamento militar, o que acabou por levá-lo à coordenação do GTA (Grupo Tático Armado), da ALN.
A maior ação do GTA foi o seqüestro do embaixador americano, organizado em parceria com o MR-8. Segundo o historiador Jacob Gorender ("Combate nas Trevas"), o seqüestro de Charles Burke Elbrick foi a primeira operação desse gênero no mundo, na história da guerrilha urbana.
Os seqüestradores exigiram, em manifesto divulgado no dia 5 de setembro, a libertação de 15 presos políticos. Pressionada pelo governo dos EUA, a Junta Militar que governava o Brasil concordou com as condições, embora muitos oficiais militares da chamada "linha dura" tivessem tentado sabotar a troca do embaixador pelos prisioneiros. Entre os libertados na época, que foram imediatamente banidos do país, estavam o atual ministro da Casa Civil, José Dirceu, e o ex-deputado federal Vladimir Palmeira. Os prisioneiros políticos viajaram para o México no dia 6 de setembro. No dia seguinte, o embaixador foi libertado na Tijuca.
A história do seqüestro virou filme, que estreou em 1997. Em "O que é isso companheiro?", de Bruno Barreto, o ator Matheus Natchergaele representa o papel do guerrilheiro Jonas. Na época, o filme causou polêmica pelo fato de passar uma imagem de fria de Jonas. A família processou o cineasta alegando danos morais.


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