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REGIME MILITAR
Parentes de Virgílio Gomes da Silva apresentam hoje documentos que mostram que ele foi assassinado pela ditadura
Família esclarece morte de 1º desaparecido
MURILO FIUZA DE MELO
DA REPORTAGEM LOCAL
A família do guerrilheiro Virgílio Gomes da Silva, da ALN (Ação
Libertadora Nacional), e o grupo
Tortura Nunca Mais apresentam
hoje à tarde, na sede do Sindicato
dos Jornalistas de São Paulo, documentos que mostram que ele
foi morto pelo regime militar.
Gomes da Silva, codinome Jonas, comandou o seqüestro do
embaixador americano Charles
Burke Elbrick, em 4 de setembro
de 1969, e foi morto menos de um
mês depois na sede da Oban
(Operação Bandeirantes), em São
Paulo, um dos mais conhecidos
centros de tortura do país.
Na documentação, estão o laudo da autópsia, assinado por dois
legistas do Instituto Médico Legal
de São Paulo, o número com o
qual o cadáver (que não foi encontrado até hoje) foi enterrado e
uma foto do corpo do guerrilheiro que, segundo a família, provaria que ele morreu sob tortura.
Há ainda um laudo das impressões digitais de Gomes da Silva,
feito por dois policiais, que conclui que o corpo levado para o
IML era dele. Anexado ao laudo,
há um bilhete escrito à mão com a
frase "Não deve ser informado", o
que, para o Tortura Nunca Mais,
provaria que houve uma ordem
para o desaparecimento do corpo
e para que a morte não fosse informada à ou à imprensa.
Na época, o chefe da equipe de
interrogadores da Oban afirmou
que o preso havia fugido. Segundo Elio Gaspari ("A Ditadura Escancarada"), Gomes da Silva foi o
primeiro preso político a "desaparecer" após a edição do AI-5
(Ato Institucional nº 5): "A partir
dele alterou-se no léxico do idioma o significado da palavra desaparecido. Deixou de designar algo
que se perde de vista para qualificar os cidadãos assassinados em
guarnições ou valhacoutos militares cujos cadáveres sumiam".
Indenização
O guerrilheiro da ALN era considerado um desaparecido político até hoje. Em 1997, a Comissão
de Mortos e Desaparecidos Políticos do Ministério da Justiça concedeu indenização à família, de
R$ 100 mil, e lhe entregou um
atestado de óbito. A viúva Ilda
Martins da Silva e os quatro filhos
do casal pretendem entrar com
uma ação judicial exigindo que o
Estado indique a localização de
restos mortais do marido.
Filho mais velho de Jonas, Wladimir Gomes da Silva, 43, não
quis revelar ontem detalhes da
documentação que será apresentada: "Só posso dizer que o laudo
da autópsia é chocante".
Para a presidente do grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo,
Rose Nogueira, o material é uma
prova de que o Estado oculta informações sobre mortos e desaparecidos. "Esse documentação
fará com que famílias de outras
vítimas do regime possam entrar
na Justiça requerendo a mesma
informação", disse. Segundo ela,
apenas em São Paulo há 400 pessoas mortas ou desaparecidas.
Treinamento em Cuba
A atividade política de Virgílio
Gomes da Silva começou aos 18
anos no PCB (Partido Comunista
Brasileiro). Ele foi operário da indústria química e dirigente do
Sindicato dos Químicos e Farmacêuticos de São Paulo. Com o golpe de 1964, ele se refugiou no Uruguai, mas voltou ao Brasil para retomar as atividades políticas.
Após o "racha" do PCB, o guerrilheiro optou pela ALN, dissidência do Partidão e liderada por
Carlos Marighella. Pela ALN, Gomes da Silva foi mandado para
Cuba, onde morou um ano. Lá,
recebeu treinamento militar, o
que acabou por levá-lo à coordenação do GTA (Grupo Tático Armado), da ALN.
A maior ação do GTA foi o seqüestro do embaixador americano, organizado em parceria com o
MR-8. Segundo o historiador Jacob Gorender ("Combate nas
Trevas"), o seqüestro de Charles
Burke Elbrick foi a primeira operação desse gênero no mundo, na
história da guerrilha urbana.
Os seqüestradores exigiram, em
manifesto divulgado no dia 5 de
setembro, a libertação de 15 presos políticos. Pressionada pelo governo dos EUA, a Junta Militar
que governava o Brasil concordou com as condições, embora
muitos oficiais militares da chamada "linha dura" tivessem tentado sabotar a troca do embaixador pelos prisioneiros. Entre os libertados na época, que foram
imediatamente banidos do país,
estavam o atual ministro da Casa
Civil, José Dirceu, e o ex-deputado federal Vladimir Palmeira. Os
prisioneiros políticos viajaram
para o México no dia 6 de setembro. No dia seguinte, o embaixador foi libertado na Tijuca.
A história do seqüestro virou filme, que estreou em 1997. Em "O
que é isso companheiro?", de Bruno Barreto, o ator Matheus Natchergaele representa o papel do
guerrilheiro Jonas. Na época, o filme causou polêmica pelo fato de
passar uma imagem de fria de Jonas. A família processou o cineasta alegando danos morais.
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