São Paulo, domingo, 24 de junho de 2007

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"Renangate" demonstra os defeitos do Senado

Casa é mais lenta do que a Câmara no momento de punir os seus integrantes

Rito é cheio de brechas para permitir ao acusado resistir até o último momento; houve tentativas de impedir renúncias desde 1994

Leonardo Wen/Folha Imagem
Pessoas caminham na escada do Congresso Nacional


FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crise envolvendo Renan Calheiros acabou servindo para expor os defeitos do Senado como nunca se viu na história recente dessa que é conhecida como a Casa revisora do Congresso Nacional.
Os brasileiros interessados puderam assistir a sessões do Conselho de Ética do Senado com personagens desconhecidas. Em vez de ex-governadores ou políticos de renome, alguns suplentes sem voto dominaram o ambiente.
O Senado tem 81 senadores, três para cada uma das 27 unidades da Federação. São eleitos para longos mandatos de oito anos -nos Estados Unidos são só seis anos e dois eleitos por Estado. Os brasileiros também carregam consigo dois suplentes, em geral os seus financiadores de campanha.
Como oito anos é muito tempo em política, o titular acaba indo para outras funções. Mesmo que seja no dia seguinte à posse, assume o primeiro suplente, cujo nome não aparece na urna. Na falta dele, fica com a cadeira o segundo suplente.
Há hoje no Senado dez suplentes no exercício do mandato. Dois deles foram estrelas na semana passada: Sibá Machado (PT-AC), presidente do Conselho de Ética, e Wellington Salgado (PMDB-MG), relator por um dia do caso Renan.
Embora o número de suplentes exercendo o mandato fique sempre na casa dos dez, muitos têm esse privilégio ao longo do mandato. Num levantamento realizado em 2006, 36 suplentes tinham assumido a cadeira em algum momento da legislatura -44% do total da Casa.
É fácil entender a razão. Basta um dia como senador para manter privilégios eternos. A começar pelos mais simples. Ostentar o broche de congressista abre portas no Congresso. O "ex-senador" pode freqüentar qualquer dependência da Casa livremente. Mas há mais.
Ex-senadores, suplentes ou não, ganham serviço médico vitalício. Idem para seguro odontológico, extensivo à família. Na Câmara não há essas regalias.
É impossível saber o custo dessas despesas, pois o Senado não se dispõe a apresentar quais são exatamente os seus custos na internet -prática comum na Câmara. O site dos senadores fornece apenas informações básicas, como biografias oficiais dos integrantes da Casa -algumas vezes nem isso.
Quem tenta saber quem é Epitácio Cafeteira (PTB-MA) no site do Senado descobre apenas a data de seu aniversário, 27 de junho -sem o ano de nascimento-, a naturalidade (João Pessoa, PB), o número do gabinete, telefone e e-mail.

Lentidão para pizzas
O Senado tem uma diferença marcante em relação à Câmara na hora de punir os integrantes. Entre os senadores o rito é mais lento e cheio de brechas para permitir ao acusado uma renúncia até o último momento.
Desde 1994, depois da CPI dos Anões do Orçamento, houve um movimento para impedir a renúncia de acusados de quebra de decoro. Uma emenda constitucional foi aprovada e estabeleceu: "A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda de mandato (...) terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais". Na Câmara, o dispositivo passou a vigorar.
No Senado, o conceito vago do que seria um "processo" permitiu a três senadores renunciarem aos mandatos para fugir de punição: Antonio Carlos Magalhães (DEM-BA), Jader Barbalho (PMDB-PA) e José Roberto Arruda (PSDB-DF).
Eles puderam renunciar para disputar a eleição seguinte, pois o chamado processo formal não estava assinado pela direção da Casa. Em tese, Renan Calheiros poderá se beneficiar dessa jurisprudência.
Em sistemas bicamerais clássicos, o Senado é onde ficam os políticos mais experientes. Sua função precípua é ser uma Casa revisora, pois ali os Estados estão representados de maneira equânime. Podem ser corrigidas distorções vindas da Câmara, onde os Estados mais populosos têm mais cadeiras.
Não é o que ocorre na prática. Câmara e Senado se comportam quase da mesma forma. É comum os senadores disputarem com os deputados a prevalência na apresentação de propostas de lei e de emendas à Constituição. Há mesmo uma rixa entre as duas Casas.


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