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LOBBY INTERNACIONAL
Documentos revelam que, para os Estados Unidos, presença de empresa norte-americana em projeto brasileiro "fomenta seus interesses"
EUA avaliam Sivam como vitória geopolítica
MARCIO AITH
DE WASHINGTON
Para os Estados Unidos, a presença da companhia norte-americana Raytheon no comando do
fornecimento de equipamentos e
software ao Sivam (Sistema de Vigilância da Amazônia, que será
inaugurado amanhã) não foi apenas uma questão comercial. Foi
uma vitória geopolítica.
Documentos oficiais norte-americanos de 1994 obtidos pela
Folha mostram que, para os EUA,
a conquista do Sivam pela Raytheon seria uma oportunidade
para "fomentar os interesses do
governo dos EUA" e "maximizar
a influência tecnológica e de sistemas dos EUA nos operadores do
Sivam" -no caso, os militares
brasileiros.
Revelam também quais interesses: "nas áreas de monitoramento
ambiental, da segurança de tráfego aéreo e das atividades de combate aos narcóticos".
A Raytheon e o Brasil
Quarta maior companhia do setor de defesa dos EUA, a Raytheon é uma das grandes fornecedoras de equipamentos ao Pentágono. No ano passado, faturou
US$ 4,1 bilhões. Em julho de 1994,
venceu sua concorrente francesa
Thales (ex-Thomson) no processo de seleção para o Sivam. Como
revelou a Folha ontem, a Raytheon foi favorecida pelos serviços de inteligência dos EUA e ela
ajuda de um militar brasileiro, o
tenente-brigadeiro Marcos Antônio de Oliveira, então coordenador do processo de seleção.
Pelo contrato fechado entre a
Raytheon e o governo brasileiro,
caberia à companhia apenas fornecer equipamentos e software.
Ela ficaria excluída da administração do sistema de aquisição de dados e do processamento de informações. Essas duas incumbências
ficariam a cargo do governo brasileiro, que terá exclusividade para usar e ceder a quem quiser as
informações colhidas pelos radares do sistema.
O Sivam custou US$ 1,4 bilhão e
é formado por um sistema de
software, radares transportados,
aviões e bases fixas e móveis.
Ciente da sensibilidade política
do projeto, a Raytheon distribuiu
no Brasil, nos últimos anos, folhetos publicitários sustentando que
o sistema será operado por brasileiros "para manter o destino estratégico das riquezas da região
em mãos brasileiras".
Apesar disso, os arquivos sobre
o Sivam obtidos pela Folha nos
EUA mostram que, sob a ótica do
governo americano, a fronteira
entre o fornecimento de equipamentos e a disponibilidade de dados é muito mais tênue.
Essa ótica ficou mais evidente
nas semanas finais da aprovação
do Sivam, como mostra telegrama do então embaixador dos
EUA no Brasil, Melvin Levitsky,
enviado no dia 13 de junho ao Departamento de Estado, ao Departamento de Comércio e ao USTR
(escritório de representação comercial dos EUA).
"Lembramos às agências de
Washington que este projeto representa não apenas uma oportunidade comercial muito importante (este é um projeto de US$ 1
bilhão), mas também representa
uma excelente oportunidade para
fomentar os interesses do governo dos EUA nas áreas de monitoramento ambiental, da segurança
de tráfego aéreo e das atividades
de combate aos narcóticos, para
citar apenas algumas. Ter o projeto instalado por um consórcio liderado pelos EUA fortaleceria
nossa posição nessas questões. O
apoio a este projeto e suas metas
foi transmitido ao governo brasileiro pelos mais altos escalões."
Em outro telegrama, de 6 de julho de 1994, Levitsky lembra que a
vitória da Raytheon irá "maximizar a influência tecnológica e de
sistemas dos EUA nos operadores
do Sivam e, potencialmente, com
esforços complementares de interdição da Polícia Federal."
Outros telegramas trocados entre o Departamento de Estado, a
embaixada norte-americana em
Brasília e assessores da Casa Branca retratam o Sivam como um sistema que produzirá dados disponíveis para os EUA na mesma velocidade e proporção nos quais
estarão disponíveis aos brasileiros. Os EUA viam a vitória da
Raytheon no Sivam como um instrumento de sua própria política
de combate ao narcotráfico colombiano e de preservação da
Amazônia. Em nenhum dos 400
documentos a que a Folha teve
acesso é dito que o Sivam é um
avanço benéfico para o hemisfério mesmo se a companhia francesa fosse declarada a vencedora.
Ajuda brasileira
Equivocada ou não, a impressão
de que os EUA teriam acesso aos
dados do Sivam com a vitória da
Raytheon pode ter nascido de
uma conversa entre o brigadeiro
Oliveira e o próprio embaixador
Levitsky, em junho de 1994.
Oliveira coordenava o processo
de seleção das empresas fornecedoras de equipamentos ao projeto e faltava pouco mais de uma semana para a apresentação das
propostas finais da Raytheon e da
Thomson. Levitsky queria assegurar a vitória da Raytheon e, em
outro telegrama a Washington,
disse claramente que o brigadeiro
Oliveira prometeu a ele que os dados do Sivam estariam disponíveis aos EUA.
"A vantagem principal para os
objetivos e metas do esforço norte-americano antinarcóticos será
a criação de um sistema de monitoramento numa região antes
aberta à exploração por narcotraficantes", informa Levitsky no telegrama enviado a Washington.
"Uma melhora significativa na
cooperação hemisférica ocorrerá
se a rede Sivam for integrada à Rede de Radares da Bacia Caribenha
[CBRN". O brigadeiro Oliveira,
gerente de programa do Sivam,
fez uma oferta no sentido de tal
integração durante o encontro
que manteve com o embaixador
em junho de 1994. Oliveira também afirmou claramente que as
informações geradas pelo Sivam
podem ser compartilhadas com o
governo norte-americano."
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