São Paulo, Sábado, 24 de Julho de 1999
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GOVERNO
Ministro do Desenvolvimento afirma que, na Casa Civil, foi vítima de "invejas, ciúmes e insatisfações"
Malan é nome ao Planalto, diz Carvalho

MARTA SALOMON
da Sucursal de Brasília

Instalado em seu novo gabinete, onde coloca um pote de balas à disposição dos interlocutores, como sinal de sua ""fase doce", o ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho, avalia que a reforma ministerial fortaleceu Pedro Malan a ponto de torná-lo possível candidato à sucessão do presidente Fernando Henrique Cardoso.
"Sem a menor dúvida", disse Carvalho, em entrevista à Folha, com uma ressalva: ""As condições da história não se repetem: dois ministros da Fazenda virando presidente..."
Embora tenha assumido o posto idealizado como principal vitrine do segundo mandato de FHC prometendo pressa, ele investe contra expectativas exageradas sobre seu desempenho.
Os resultados serão lentos, avisa, enquanto tenta melhorar a imagem da época de chefe da Casa Civil, segundo ele produto de "invejas, ciúmes, insatisfações".
Sobre as cobranças do PSDB, partido do qual é fundador, o ministro saiu com a seguinte frase: "O PSDB não existe, existem membros do partido com nome, sobrenome e CPF".
Carvalho defende a concessão de incentivos fiscais limitados à Ford e conta que houve, ""no mínimo", mal-entendido na negociação. Sobre a polêmica viagem a Fernando de Noronha no jatinho da FAB, o ministro surpreende e diz que faria tudo de novo.

Folha - No que o ministro Clóvis Carvalho será diferente do ministro Celso Lafer?
Clóvis Carvalho -
Só o tempo vai mostrar. Eu pretendo acelerar as condições do desenvolvimento. Dado o pressuposto da nossa firme adesão às metas do equilíbrio fiscal, há muito recurso a ser mobilizado para o desenvolvimento. A diferença é o estilo de gestão. E um sentido maior de urgência.

Folha - Com resultados rápidos?
Carvalho -
Nisso fico muito perto do ministro Celso Lafer. São tempos diversos: o tempo político, o tempo das aspirações do próprio povo e o tempo real do desenvolvimento, o tempo econômico. Não há passe de mágica. O maior problema ainda é o excesso de expectativa no curto prazo.
Há coisas a fazer que não requerem grandes investimentos. É preciso atenção aos gargalos para agregar novos setores à corrente de exportação. É um esforço lento. A nova política cambial abriu uma avenida, mas as respostas não vêm rapidamente.

Folha - O resultado da desvalorização sobre as exportações decepcionou?
Carvalho -
De jeito nenhum. Temos de ser realistas, sair da cadeira da escola, parar de escrever "papers" e ir buscar as condições efetivas da realidade.
Além das condições financeiras, é preciso desenvolver as condições de competitividade na economia real. Ela existe, não está nos livros. Essa meta de exportar US$ 100 bilhões em 2002 não é fácil, mas é perfeitamente possível.

Folha - É rezar para o cenário externo ajudar?
Carvalho -
Vão existir novos inimigos, com certeza. Vamos procurar superar os obstáculos. A vida é assim. É preciso ver ainda que, com o esforço de competitividade, estamos viabilizando também a substituição de importações.
Fica mais em conta produzir aqui do que importar. Essa meta mobilizadora de exportar US$ 100 bilhões em 2002 é muito significativa.

"O PSDB não existe, existem membros do partido com nome, sobrenome e CPF"


Folha - Outra meta do programa de governo, de criar 7,8 milhões de empregos em quatro anos, anda meio esquecida, não chegou a ser mencionada pelo presidente nos discursos recentes. Ela está de pé?
Carvalho -
Com certeza. No momento em que ele falou dos US$ 100 bilhões, o presidente dava uma missão para um setor do ministério. Ele podia efetivamente ter se lembrado, mas isso vai ser feito. A privatização terá um papel importante.

Folha - Mas empresas privatizadas andaram demitindo pessoal...
Carvalho -
É a regra do jogo. Temos de procurar gerar emprego dentro de condições do mundo globalizado. Temos de estender a frente produtiva de maneira a dar oportunidades aos que perderem o emprego.

Folha - O PSDB cobra do governo uma ação mais agressiva de desenvolvimento. O sr. pretende corresponder a esse desejo?
Carvalho -
A sociedade fez a opção pela estabilidade ao eleger Fernando Henrique. São necessários sacrifícios para atingir as metas fiscais, equilibrar as contas do governo.
Isso não significa que só vamos pensar no desenvolvimento depois de resolvido o ajuste e asseguradas as condições macroeconômicas da estabilidade. Quem tenta pintar isso está fazendo um exercício de ficção para efeito de discurso.

Folha - A crítica vem do PSDB.
Carvalho -
Que seja. E o PSDB não existe, existem membros do partido com nome, sobrenome e CPF. Dentro do PSDB, certamente existe gente que explicita essa preocupação, que nada mais é do que exprimir o clamor das ruas.
Mas o importante é que todos estamos juntos num ponto: é preciso acelerar as condições do crescimento econômico sem contradição com a estabilidade. Temos de buscar cada migalha de recurso, que não poderá vir do orçamento fiscal e fazer multiplicar.

Folha - A reforma ministerial deu margem a diferentes interpretações: ela teria fortalecido o ministro da Fazenda, Pedro Malan, ou teria dado um tom mais desenvolvimentista ao governo? Qual é a sua interpretação?
Carvalho -
Eu acho que as duas coisas aconteceram. A reforma do presidente pretendeu as duas coisas. De um lado, reafirmar o nosso compromisso com a estabilidade da moeda. Ao mesmo tempo, acelerar o desenvolvimento. Melhorar a eficácia média do governo, em resumo.

"Sou da turma do Malan, do FHC, do Luiz Carlos Mendonça de Barros, de todo mundo"


Folha - E o sr. aposta na recuperação da popularidade do presidente como consequência?
Carvalho -
Com certeza, embora isso não seja um objetivo. Eu não sei chutar quando. É um processo. Eu não tenho dúvida que a reforma ministerial também pretendeu aumentar a eficácia média na área da coordenação política, o que deverá ajudar a aprovar a reforma tributária, a Lei de Responsabilidade Fiscal etc.
Todos saem vencedores: o Malan e a sua turma e nós, do desenvolvimento. Eu agora já estou do lado de cá, mas, na verdade, sou da turma do Malan, do Fernando Henrique, do Luiz Carlos (Mendonça de Barros), de todo mundo.

Folha - Fortaleceu tanto o ministro Malan a ponto de torná-lo um possível candidato ao Planalto?
Carvalho -
Claro, claro. Sem a menor dúvida. Mas não creio que ele queira. As condições da história não se repetem: dois ministros da Fazenda virando presidente...

Folha - No seu discurso de posse, o sr. insistiu na redução do "custo Brasil". Depois da reforma tributária em análise pelo Congresso, o governo vai investir em mudar a legislação trabalhista?
Carvalho -
Já estamos trabalhando nisso, não vou entrar em detalhes. A questão-chave do ponto de vista político é não trabalhar com grandes blocos, focar mais. De preferência, nada que dependa de mudança constitucional.

Folha - Mesmo porque a base política de três quintos de votos no Congresso talvez não tenha resistido à reforma ministerial...
Carvalho -
Por que não? Veja: o PPB certamente não tem motivos para se sentir estimulado a ter posições diferentes, nem o PFL, nem o PSDB. O PMDB muito menos. O PMDB trocou a Justiça por Políticas Urbanas.
Do ponto de vista de instrumentos para ação direta e buscar resultados, a secretaria é muito mais poderosa do que boa parte dos ministérios, que têm de plantar e esperar para colher.

Folha - Fora da necessidade de compor politicamente com setores que apóiam o governo, os incentivos fiscais à Ford são justificáveis?
Carvalho -
Acho que sim. Não da forma como foi idealizada, mas da forma que ficou. Deixamos claro em várias oportunidades que não havia condições simplesmente de estender prazos do regime automotivo do Nordeste.
A renúncia fiscal era muito extensa. O governo vetou, mas, como é do interesse do país essa desconcentração de investimentos, vimos o que podíamos fazer para compensar.
Numa negociação com a própria companhia, foi acertado o que era o estritamente necessário. Sem estímulos adicionais, essa desconcentração não se dá.

Folha - Se o governo era contra, por que não impediu a aprovação do texto com incentivos amplos, que acabou vetado?
Carvalho -
No limite, foi um mal-entendido. A aprovação foi uma surpresa e, no mínimo, um mal-entendido.

Folha - Foi uma mancada do então presidente do BNDES, Pio Borges, autorizar o financiamento para a Ford?
Carvalho -
Ele não autorizou nada. O pedido está em estudo dentro do banco e deve progredir. Em que valor, não sei. O BNDES certamente levará em conta os compromissos da Ford com a geração de empregos.

Folha - A quantidade de adversários políticos que o sr. acumulou na passagem pela Casa Civil complica sua tarefa à frente do Desenvolvimento?
Carvalho -
Não acho que complique. Eu atribuo esse estigma a um círculo vicioso de pequenas informações alimentadas por invejas, ciúmes, insatisfações. De outro lado, pela discrição que é exigida de um chefe da Casa Civil.

Folha - O sr. brigou com muitos ministros, até amigos seus?
Carvalho -
Pode ser que tenham brigado comigo. Eu não me lembro.

Folha - Se o sr. pudesse voltar no tempo, faria novamente a polêmica viagem a Fernando de Noronha no jatinho da FAB?
Carvalho -
Sem dúvida nenhuma, eu faria. Não havia nada que impedisse, e isso era uma forma de encarar o serviço que o GTE (Grupo de Transporte Especial) presta a todas as autoridades há 30 anos. Não há nada que tornasse aquilo menos nobre ou ilegítimo, fora que é absolutamente legal.


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