São Paulo, quinta, 24 de setembro de 1998

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CELSO PINTO
Faltam US$ 35 bilhões

O Brasil precisa de US$ 19,7 bilhões neste último trimestre para fechar suas contas. Pode contar com uns US$ 10 bilhões entre dinheiro da privatização e financiamentos vinculados à importação. Os outros US$ 10 bilhões teriam que vir em empréstimos, ou haveria maiores perdas de reservas.
Para o ano que vem, o Brasil precisará US$ 57 bilhões. Mesmo supondo que entrarão US$ 17 bilhões em investimentos diretos e US$ 15 bilhões para financiar importações, seriam precisos mais US$ 25 bilhões em empréstimos para fechar as contas.
Hoje é impossível conseguir qualquer empréstimo voluntário no mercado e é difícil prever quando (ou se) o mercado será reaberto para o Brasil e os países emergentes. A única alternativa para cobrir a necessidade de US$ 35 bilhões até o final de 99 seria o Brasil assegurar pelo menos uns US$ 30 bilhões de fontes oficiais, supondo que algo virá do setor privado.
Os cálculos são de José Júlio Senna, ex-diretor do Banco Central e hoje diretor do banco Fleming Graphus. Estão numa análise recém-concluída pelo banco sobre o Brasil.
Olhando os números, dá para entender a importância de um pacote de apoio ao Brasil formado por recursos do FMI, bancos multilaterais e de países do G-7. Senna não diz, mas se sabe que o pacote que está sendo discutido entre o Brasil e o FMI é de US$ 25 bilhões, dos quais US$ 16 bilhões com recursos do Fundo.
Nos cálculos de Senna está suposto que o déficit externo em conta corrente ficará em US$ 11,5 bilhões entre outubro e dezembro, elevando o total, no ano, para US$ 31,5 bilhões. Além disso, será preciso honrar amortizações de US$ 8,2 bilhões.
Para 99, Senna prevê uma redução do déficit em conta corrente para US$ 28 bilhões, graças à contenção de importações, pela retração na economia e por ação do governo. Além disso, haveria US$ 29 bilhões em amortizações vencendo, o que eleva o total necessário para US$ 57 bilhões.
O pacote externo seria um apoio importante, mas todo o modelo econômico teria que passar por uma ampla reformulação. Seria preciso um ajuste fiscal equivalente a, no mínimo, 3% do PIB (ou mais de US$ 20 bilhões). E uma flexibilização do câmbio.
Senna admite que é impossível mexer no câmbio agora, mas acha imprescindível fazê-lo no futuro próximo. Sua sugestão é uma banda larga de flutuação, cujo piso embutisse uma desvalorização razoável do real.
O Brasil não é a Rússia, mas se tornou vulnerável a um ataque especulativo por várias razões. Abusou da rigidez cambial, ficou "excessivamente dependente de recursos externos" e adotou uma "política macroeconômica interna insustentável a longo prazo: déficit público elevado e recorrentes aumentos dos juros".
O maior componente do déficit público é o custo dos juros. E a razão para o salto nos juros, diz Senna, inequivocamente está ligada à necessidade de atrair dólares para cobrir o buraco das contas externas. Isso determina um piso interno para os juros que é a paridade entre os juros pagos pelo Brasil, aqui e no exterior, mais a expectativa de desvalorização.
Desde maio, argumenta Senna, o governo deixou de respeitar essa paridade, baixando mais rapidamente os juros internos para aliviar sua pressão sobre o déficit. E desde maio, por esta razão, o Brasil perdeu reservas sem parar.
Primeiro, saíram investidores externos em renda fixa no Brasil, mas a redução do diferencial também afetou o fechamento de câmbio comercial. O exportador fechava logo o câmbio para ganhar um extra com os juros internos e o importador adiava a remessa pela mesma razão.
Quando o diferencial caiu, o saldo no câmbio comercial (de US$ 1,3 bilhão em julho) se transformou em déficit (de US$ 26 milhões em agosto e US$ 863 milhões até 22 de setembro). Além do desestímulo dos juros, a crise acabou também fazendo desaparecer algumas linhas de crédito comerciais.
Só que manter este diferencial positivo de juros eternamente inviabiliza o ajuste do déficit fiscal. Só há solução, portanto, com redução de juros e isso exigiria um ajuste fiscal, mas, também, um ajuste cambial em alguns meses.
BC vende
Na coluna de terça-feira ("O custo das crises"), por um lapso, ao descrever as operações do BC no mercado futuro, a coluna falou em compras de dólares futuros e não de venda, como seria, obviamente, correto. Aos três leitores que notaram e alertaram, obrigado.




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