São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
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CELSO PINTO
Alemanha quer um G-20 forte

Berlim - A Alemanha quer fazer do primeiro encontro do recém-criado Grupo dos 20, o G-20, do qual participa o Brasil, dia 16 de dezembro, em Berlim, "uma reunião estratégica", para discutir as bases do novo sistema financeiro internacional. "É uma ótima oportunidade para o Brasil fazer uma grande contribuição nessa área", disse-me o vice-ministro das Finanças da Alemanha, Caio Koch-Weser, em seu escritório no centro de Berlim, no prédio que já foi sede do Ministério da Defesa Aérea de Hitler.
Koch-Weser é um paranaense de Rolândia, filho de alemães que emigraram para o Brasil em 1933. Ele trabalhou 25 anos no Banco Mundial, onde chegou a vice-presidente, e, desde maio, assumiu o segundo cargo mais importante do poderoso Ministério das Finanças. Nas suas novas funções, ele é o representante alemão no Comitê de Finanças da União Européia e vice no G-7, que reúne os sete países mais ricos.
Desde que assumiu, com a saída do controverso ex-ministro das Finanças, Oskar Lafontaine, da esquerda dos social-democratas, e a subida de Hans Eichel, mais conservador, Koch-Weser falou pouco à imprensa. Sua prioridade tem sido ajudar na implantação das reformas fiscais e da Previdência, além de um corte de 30 bilhões de marcos (US$ 16,7 bilhões) no Orçamento de 2000. São medidas para corrigir problemas estruturais da economia alemã, mas que têm feito despencar a popularidade do primeiro-ministro, Gerhard Schröder.
O novo G-20 foi criado pelo G-7 na reunião do FMI, em Washington, em setembro. Para Koch-Weser, "é um clube com grandes possibilidades, que representa 80% do PIB mundial e 60% da população".
O Brasil e outros países emergentes gostariam que o G-20 fosse um verdadeiro G-7 ampliado e não apenas um grupo para referendar decisões tomadas pelo G-7. Koch-Weser vê o G-20 como um foro para discutir, de fato, as questões mais relevantes do G-7.
A agenda da reunião de dezembro ainda está sendo montada, mas a Alemanha gostaria de discutir formas para implementar os novos "standards" de transparência e as novas regras de conduta definidas pelo FMI nas áreas fiscal, monetária e financeira. Koch-Weser acha que a experiência recente do Brasil, depois da crise cambial, será muito útil.
Na agenda do G-7, uma questão central é como fazer com que o setor privado pague sua parte nos pacotes de resgate de crises em países emergentes. A Alemanha quer a definição de regras claras de conduta em crises futuras, mesmo que seja preciso, depois, flexibilizá-las. Os Estados Unidos, ao contrário, preferem soluções "ad hoc", caso a caso.
Quatro países pequenos estão entrando como teste nessa discussão: Equador, Paquistão, Ucrânia e Romênia. No caso do Equador, prevaleceu a solução sem regras fixas, que levou à moratória. Koch-Weser acha que será possível chegar a um novo modelo, no G-7, até a reunião de abril do FMI.
As implicações desses princípios para países emergentes, inclusive o Brasil, são enormes. O G-20, se funcionar, pode se tornar um foro importante para esse tipo de discussão. A presidência do G-20, por dois anos, será do ministro canadense, Paul Martin, e a reunião preparatória dos vice-ministros será em novembro, em Vancouver.
Koch-Weser acha que uma lição da crise cambial no Brasil é a importância de ter um câmbio flexível. A rapidez na recuperação da economia tem sido surpreendente, mas ele lembra que "o Brasil precisa de reformas fiscais com grande urgência".
Precisa, também, cuidar de seus problemas de longo prazo, algo que o esforço para a estabilização e as crises externas acabaram atrapalhando. "A distribuição de renda no Brasil é um desastre e piorou nos últimos 20 a 30 anos", diz. Feita a estabilização, observa, "é preciso lidar com ímpeto" com a questão distributiva, a educação e as questões regionais.
Ele vê com grande simpatia a negociação de um acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul (para onde vão 50% das exportações alemãs na América Latina). A Alemanha foi fundamental para ajudar a fixar um calendário para as negociações na reunião do Rio, em junho, apesar das resistências de franceses e britânicos.
As empresas alemãs tiveram uma participação tímida na privatização brasileira, mas ele acha que existe espaço para entrar mais agressivamente na área de infra-estrutura. Assim como existe espaço para maiores investimentos de pequenas e médias empresas alemãs no Brasil.

Alemanha em reforma
A agenda de reformas econômicas do governo alemão é ambiciosa e Koch-Weser diz que não há alternativas a ela. A Previdência é inviável, por razões demográficas, o que torna a trajetória da dívida fiscal insustentável. Além disso, é preciso flexibilizar os custos de trabalho para dar competitividade à economia.
Tanto a população economicamente ativa, quanto a total, vão começar a cair nas próximas décadas. Em 2050, a população atual de 82 milhões estará reduzida para 70 milhões. O que, a seu ver, justifica a Alemanha pensar em uma política ativa de imigração, o que a ampliação da União Européia para os países do Leste pode ajudar.
Por essa razão, embora o déficit fiscal seja pequeno (2% do PIB), a dívida total subiu de 200 bilhões de marcos em 1982 para 1,5 trilhão hoje. "Não é sustentável", diz.
Ele gosta de colocar as questões alemãs num contexto europeu. Acabou a fase dos ganhos fiscais fáceis na Europa, pela redução dos juros que antecedeu a união monetária. Alguns países pequenos, como Irlanda e Holanda, estão numa ótima situação fiscal, mas três grandes, França, Itália e Alemanha, "têm que aumentar seus esforços".
Em nível europeu, tem havido um aprendizado pela experiência dos outros, pela "pressão dos pares" e pelos exemplos de sucesso. Ele diz que é preciso "uma nova cultura, de aprender pelos resultados". Na prática, contudo, o debate fiscal acaba dominado pelas lutas políticas domésticas. E países maiores, como a Alemanha, são muito voltados para dentro.
Existe, também, uma defasagem entre lançar os planos e obter resultados -algo que levou uma década na Holanda. "A questão é como conciliar o apoio e as expectativas políticas com um processo lento de reformas", admite.
Os planos de Schröder incluem reduções de impostos para as empresas e de contribuições previdenciárias de trabalhadores e empregadores (1,6%, em duas etapas). A perda de receita seria coberta com um "imposto verde" sobre combustíveis, polêmico pela magnitude prevista.
Incluíram, também, a cobrança de contribuições previdenciárias sobre salários baixos de autônomos. Para o governo, seria uma forma de forçar um aumento do mercado formal; para os críticos, resultará em menos empregos e recursos previdenciários. Prevê, ainda, reduções de alguns benefícios sociais.
É um pacote polêmico, visto como conservador por muitos. Koch-Weser acha que a população, em geral, "entende que não há alternativa".
Outras idéias virão. Ele acha interessante, por exemplo, a experiência holandesa de trabalho em meio período, como forma de reduzir o desemprego. Já a experiência francesa de redução da jornada ele diz ser muito custosa, do ponto de vista fiscal, pelos subsídios implícitos para as empresas.
Ele diz que há muito a avançar, na Europa, para se ter uma maior mobilidade de mão-de-obra, o ponto fraco da integração. Por exemplo, criar "portabilidade", ou seja, a possibilidade de transferir contribuições previdenciárias entre países.
A Alemanha deve crescer até 1,5% neste ano e até 2,5% no próximo, na previsão oficial (ou até 3% em projeções privadas). Um problema, lembra, é que a cada novo ciclo de crescimento tem sido menor a criação líquida de empregos, especialmente para os mais velhos.
Apesar de tudo, ele é otimista com a Europa e com a perspectiva de uma retomada da economia alemã. O clima político para Schröder, contudo, está cada vez mais difícil, depois de sucessivos reveses em eleições estaduais, queda na popularidade e demonstrações nas ruas.


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