São Paulo, quinta-feira, 24 de outubro de 2002

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Real valorizado gera baixo crescimento da economia


Em 94 foi adotado o câmbio fixo para conter a inflação; o real sobrevalorizado elevou as importações, freou as exportações e prejudicou as contas externas do país; após 14 anos seguidos de superávits, a balança registra déficits de 1995 até 2000


ÉRICA FRAGA
DA REPORTAGEM LOCAL

Estabilidade à custa de baixo crescimento econômico. Assim pode ser resumido o resultado da política cambial dos primeiros quatro anos da era FHC, entre 1995 e 1998, cujos efeitos são sentidos até hoje. A dependência de capital estrangeiro para fechar o buraco nas contas externas criado pelo câmbio sobrevalorizado veio de mãos dadas com os juros altos, que ainda são a causa principal do baixo desempenho da economia brasileira.
Para controlar a inflação, foi implementado, em 1994, um regime de câmbio fixo que manteve o real sobrevalorizado. Essa política cambial estimulou as importações, freou as exportações e, consequentemente, prejudicou as contas externas do país.
A balança comercial brasileira abandonou uma trajetória de 14 anos seguidos de superávits e, a partir de 1995, passou a registrar déficits até 2000.
O câmbio sobrevalorizado também ajudou a estimular o aumento dos gastos dos brasileiros no exterior. Outra consequência foi o aumento do estoque da dívida externa e, consequentemente, dos juros que o país tem de pagar aos credores internacionais.
Tudo isso contribuiu para uma piora significativa da chamada conta corrente (que contabiliza o resultado de todas as transações do país com o exterior).
O déficit externo brasileiro saltou de US$ 1,8 bilhão em 1994 para US$ 18,4 bilhões no ano seguinte. "O déficit foi usado como estratégia de estabilização", diz o economista Fernando Barbosa, do BBV Banco.
A vulnerabilidade gerada por essa política nas contas externas do país criou uma necessidade permanente de atrair capitais de fora. A entrada de recursos externos passou a ser fundamental para o fechamento do balanço de pagamentos do país.
"O erro do governo foi achar que o Brasil sempre teria financiamento externo. O problema é que acabou não sendo assim", diz o economista Luciano Coutinho, professor da Unicamp.
Coutinho lembra que durante as diversas crises internacionais que afetaram os mercados emergentes na década de 1990 havia uma fuga de capitais desses países. Nesses momentos, o governo brasileiro sempre apelou para fortes choques de juros com a intenção de manter o país atrativo ao capital externo.
"Essa política de choques de juros somada à sobrevalorização do câmbio teve vários efeitos devastadores sobre a indústria nacional e acabou provocando um grande retrocesso em diversos setores", diz Coutinho.
Atualmente, economistas de distintas vertentes tendem a concordar em um ponto: o déficit externo brasileiro cerceou o crescimento da economia.
"A dependência externa que foi criada nos últimos anos limitou o crescimento econômico o tempo todo. Os choques de juros foram mortais para a economia do país", diz o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor da Unicamp.
"Sem dúvida, a forte necessidade de capitais externos contribuiu para o baixo crescimento econômico, que foi, em média, de 2,3% desde 94. É uma taxa baixa, apesar de já termos tido outras mais baixas", afirma o economista Gustavo Loyola, sócio da consultoria Tendências, que foi presidente do Banco Central durante o governo FHC, entre junho de 1995 e agosto de 1997.

Estratégias
A solução defendida como primordial para diminuir a vulnerabilidade externa brasileira também gera consenso entre economistas e passa pelo aumento das exportações. Essa é a saída defendida também pelos programas dos candidatos à Presidência da República, que propõem a adoção de estratégias de política industrial para o país.
"A década de 90 provou que a estratégia da China e da Coréia de investir na capacidade produtiva industrial e estimular as exportações era certa", diz Belluzzo.
Segundo Loyola, o aumento do fluxo de comércio e o incremento do saldo da balança comercial são fundamentais para que o país atraia poupança externa e volte a crescer.

Ajuste
Para muitos, a economia brasileira já ensaia o início de um ajuste nas contas externas. No ano passado, a balança comercial registrou saldo positivo de US$ 2,6 bilhões, depois de anos seguidos de déficits. Com a forte recuperação das exportações neste ano e a retração nas importações, a expectativa do mercado é de que a balança comercial encerre 2002 com saldo positivo de aproximadamente US$ 10 bilhões.
O resultado deve ser atingido principalmente graças à brutal alta do dólar nos últimos meses. A queda no ritmo de atividade econômica que tem derrubado as importações neste ano também vem contribuindo para a recuperação da balança comercial.
Além disso, segundo especialistas, começam a ser sentidos os efeitos da mudança do regime cambial em 1999, que pôs fim à sobrevalorização do real, e de investimentos feitos em alguns setores da indústria nos últimos anos.
Segundo Coutinho, no entanto, o Brasil ainda está longe de completar o ajuste necessário em suas contas externas: "A mudança para o câmbio flutuante foi positiva, mas ainda não compensou o retrocesso provocado na indústria nos anos de câmbio sobrevalorizado".
Para Coutinho, é necessária a adoção de uma política industrial que estimule a competitividade do setor e permita o aumento constante das exportações.
"O Brasil precisa de saldos comerciais acima de US$ 15 bilhões para superar o problema da vulnerabilidade externa, que foi o principal limitador do crescimento econômico nos últimos anos", afirma o economista.


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