São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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JANIO DE FREITAS

O trágico e o cômico

Até a semana passada, foram sucessivos tropeções, mancadas e outros maus passos. Agora a situação desandou, no governo Lula, para sintomas de crise: turbulências sérias, embora ainda abafadas, na área militar; problemas na opinião pública, com o desvio galináceo do marqueteiro presidencial; problemas eleitorais, insinuados na ameaça de derrotas, no segundo turno, comprometedoras para o governo e seu predomínio político; e problemas com os partidos aliados, por decorrência de métodos pesados ao disputar-lhes o eleitorado. Problemas, todos, conectados uns aos outros.
Um exemplo do emaranhado: uma rinha que funciona há anos, com luxos de restaurante paulistano, de repente é estourada pela Polícia Federal (portanto, gente do governo Lula) no dia em que lá está o orientador das condutas e linguagens presidenciais, além de incumbido de obter a ameaçada vitória eleitoral do governo no seu próprio domicílio político. Por que tal fato em tal ocasião?
Faça a sua aposta: ação da PF, para derrubar dirigentes seus, ou grupo da PF em ação de propósitos políticos, ou um setor da PF agindo por indução e como extensão da ala do Exército exaltada com o episódio Herzog? Só não jogue as suas chances na noticiada denúncia de ambientalistas.
O problema militar tem faces múltiplas. Não é certo que o comandante do Exército, general Francisco Albuquerque, não tivesse conhecimento prévio, como disse ou foi dito em seu nome, da nota em que o Centro de Comunicação Social do Exército voltou a justificar a tortura (logo, inclusive os assassinatos assim praticados) durante a ditadura. O mal-estar com a idéia de aprovação/negação/recuo prevalece na alta oficialidade. O círculo central do governo, por sua vez, dividiu-se sobre o afastamento do general Albuquerque, já ou na hipotética reforma ministerial.
Esse problema está em estado efervescente. A par do ambiente tenso e raivoso, as fotos atribuídas a Vladimir Herzog abriram questões que não se encerram com a afirmação governamental, proveniente da Abin (ex-SNI), de que o fotografado é um padre humilhado pelo SNI. Sem o querer, a Abin evidenciou a permanência de arquivos que os militares disseram destruídos, a mobilização por localizá-los está assim estimulada, mas militares e parte do círculo presidencial são contrários. O embate é desgastante para o governo na sociedade, se o obscurantismo militar prevalecer, e com os militares, se perderem. E permanece, aumentando o calor, a discussão sobre a identidade do fotografado, porque há divergências formais entre as fotos dadas todas, pelo governo, como de um padre.
Se pusermos o mesmo olhar sobre aspectos tão graves como a rememoração do caso Herzog, a nota brutal do Exército e, no outro canto, o "ministro" de fato da comunicação presidencial escapulindo do palácio para ser preso em uma briga clandestina de galos, o resultado é curvar-se ao lugar-comum do "país de opereta". O tragicômico em que a segunda nota sempre se alia à primeira, em um convívio que torna a vida suportável no país que se faz insuportável.


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