São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

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ELIO GASPARI

Felício da CUT, El Demolidor

É do presidente da CUT, professor João Felício, o primeiro lance de prepotência petista. Foi à Fiesp (logo lá) e anunciou: "O movimento sindical atual tem que ser implodido". Mais: "Não tem importância se no começo virar uma certa anarquia, depois tudo entra no eixo".
Não tem importância para quem, cara-pálida? Num país onde metade da mão-de-obra está na informalidade, o que significaria "uma certa anarquia" nas relações de trabalho? Se o companheiro puder indicar um só período de anarquia durante o qual os direitos dos trabalhadores avançaram, a patuléia agradece.
El Demolidor preside a CUT há mais de dois anos e nunca disse uma coisa dessas. Lula foi eleito presidente há um mês e ele já quer implodir as estruturas de que não gosta.
Deve-se reconhecer que, no mérito, Felício está certo. O que condena é de fato lixo. Ele quer a pluralidade sindical e o fim do imposto pelo qual os trabalhadores são obrigados a dar um dia de trabalho por ano para sindicatos frequentemente dirigidos por pelegos. O PT deixou essas bandeiras meio enroladas durante a campanha. Entende-se. Implosão é outra coisa.
Em vez de propor explosões de exibicionismo, a CUT bem que poderia ajudar a choldra a saber coisas simples. Como pode ser feita a sintonia fina da proposta de Lula de redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas, sem perda salarial? Como isso vai funcionar no mercado informal?
Quem está trabalhando no projeto de primeiro emprego para os jovens? Como serão as suas carteiras de trabalho? (Serão necessárias, pelo menos, 3 milhões de carteiras.) Como se pode montar um sistema de avaliação do programa sem roubalheira nem burocracia?
Todo mundo fala em reduzir a informalidade, mas até agora não se discutiu a melhor proposta já apresentada a esse respeito. É a unificação de todos os plásticos sociais num só, onde estaria embutida também a carteira de trabalho. Com isso, o governo poderia incentivar a formalização dos trabalhadores, sem assustar quem precisa trabalhar e quem dá emprego. A idéia é de Ciro Gomes. Os grande reformadores devem se preparar para trabalhar duro. Daqui a pouco não vão poder botar a culpa em FFHH.

O medo do PT rendeu um bom dinheirinho

Nos últimos 45 dias, o melhor negócio do mundo foi especular com o medo que o mercado financeiro tem, teve, ou finge ter do PT.
Imagine-se um cidadão que no dia 1º de outubro -no clima de expectativa da vitória de Lula- comprou US$ 1 milhão em papéis da dívida brasileira. Como o papel estava cotado a 50,25 centavos, ele comprou um papelório de US$ 1 milhão no valor de face, por apenas US$ 502.500.
Assinou o cheque e foi para a praia. Na quarta-feira, telefonou para o corretor e mandou vender os papéis brasileiros. A cotação estava a 61,69 centavos de dólar. Recebeu US$ 616.900, mais uns 10 mil de juros.
Ganhou US$ 124.400 em apenas 45 dias. Teve uma rentabilidade de 24,8%, coisa que não se consegue nem com cocaína.
Não é justo acreditar que os humores do mercado financeiro são construídos por especuladores, mas não se deve esquecer que muita gente boa sabe ganhar dinheiro com essas manipulações da opinião pública.

Churchill, visto por quem o entendeu

Está nas livrarias "Churchill", de Lord Roy Jenkins. É a melhor biografia de Sir Winston, a menos que alguém esteja disposto a encarar os 23 volumes iniciados por seu filho Randolph. Jenkins, como Churchill, foi ministro e parlamentar. É o atual chanceler da Universidade de Oxford. São 836 páginas de intimidade com o personagem, o poder e o período. Tem todas as grandes histórias de Sir Winston, da relação torta com o pai à malquerença de seus pares, que o viam como um oportunista. Jenkins raramente sai do seu lugar de narrador. Faz isso, com graça, na cena do jantar ocorrido em Teerã, em 1944, quando Stalin falou em passar nas armas 50 mil oficiais alemães. Churchill disse que a idéia era intolerável e perdeu a esportiva, retirando-se da sala. O marechal soviético foi atrás, dizendo que estava brincando. Jenkins observa que pelo padrão dos expurgos de Stalin, matar 50 mil inimigos seria coisa pequena.
A análise de Jenkins tem dois grandes momentos. Um coincide com a mais bela das horas de Sir Winston. São os famosos dias de maio de 1940, quando a vontade de ferro daquele aristocrata inglês decidiu levar a Inglaterra para a briga com Hitler. É uma história já conhecida, mas Lord Roy vê uma coisa que ninguém viu: Churchill sabia que estava perdido militar e economicamente. Manteve o país de pé e o governo em guerra sabendo que o canal da Mancha podia livrá-lo de uma invasão, mas só os Estados Unidos o salvariam da perdição. Por Estados Unidos, lia-se Franklin Roosevelt. Poucas vezes se narrou tão bem um caso de sedução. Em 1941, para gosto e ciúme de Sir Winston, Stalin juntou-se à dupla. Um ano depois, a derrota alemã em Stalingrado transformou a afinidade e o companheirismo de três governantes numa relação cada vez mais competitiva. Os aliados vão virando adversários, como em Teerã. São inimigos quando Churchill faz o discurso no qual reaqueceu a expressão "guerra fria", num texto de genial oratória.
Sir Winston e Lord Roy foram contemporâneos na Câmara dos Comuns, no ocaso de um, alvorada do outro.
"Churchill" foi traduzido por Heitor Ferreira, secretário dos generais Golbery do Couto e Silva e Ernesto Geisel. Graças a ele, a edição brasileira e as próximas em inglês, não dirão que Churchill viu durante uma de suas travessias do Atlântico o filme Sangue e Areia, com Rita Hayworth e Clark Gable. Tyrone Power voltará a ser o toureiro Juan. Terminada a guerra de Jenkins, Heitor meteu-se na tradução de "Uma História dos Povos de Língua Inglesa", obra que ajudou Sir Winston a ganhar o prêmio Nobel de Literatura.

Grande lance

Combinou-se que a equipe de transição do novo governo vem recebendo as melhores informações e dispondo de boas instalações para entrar nos palácios em plena forma.
Tudo fantasia. Um integrante da segunda fornada da equipe petista passou seis dias sentado diante de um computador, esperando que lhe dessem a senha necessária para, entre outras coisas, abrir o seu correio eletrônico.

Registro

Quando o presidente do PT, José Dirceu, disse que ia rezar para o juro não subir, de duas uma: ou Antônio Palocci Filho não lhe contou que tinha sido avisado pelo governo, ou contou e, nesse caso, o presidente do PT dissimula até em oração.

Depois da festa

Tem sido do gosto da nação petista imaginar a ação social do novo governo como um período semelhante ao New Deal, de Franklin Roosevelt, nos anos 30.
No interesse do sucesso das boas idéias, vai aqui uma informação de natureza prática: entre a hora em que o presidente e seu superassessor, Harry Hopkins, discutiram um plano para dar serviço a 4 milhões de desempregados e a hora em que 4 milhões de americanos estavam empregados em programas federais, passaram-se 40 dias.
É verdade que torraram algo como US$ 10 bilhões, mas também é verdade que conseguiram esse resultado num tempo menor que aquele dado a Duda Mendonça para organizar a primeira grande obra do governo de Lula: a festa de sua posse.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror à música e às empulhações verbais. Coisas como chamar Fidel Castro de "líder cubano" e o falecido general Francisco Franco de "ditador espanhol".
Madame lembra que, na segunda metade do século XIX, o andar de cima de Pindorama chamava a escravidão de "questão servil". Até hoje, tem gente que chama tortura de "maus tratos" e é bem educado dizer que, entre 1964 e 1985, houve no Brasil um "regime autoritário". Ditadura, tinha no Paraguai.
Natasha concedeu mais uma de sua bolsas de estudo a Sérgio Fausto, assessor da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda. Ele informou que muitos brasileiros "sofrem de carência alimentar".
Madame acha que ele podia ter dito "fome".

Entrevista

Milton Temer

(64 anos, um dos porta-vozes da esquerda petista.)
-Depois de 40 anos de oposição, como o senhor se sente no governo?
-Quarenta, não, cinquenta. Estou feliz e na oposição à guerra, à globalização, à predação das relações de trabalho. Continuo carregando as minhas utopias. Não tem esse negócio de uma pessoa mudar de opinião quando seu partido ganha uma eleição. Isso é uma invenção dos poderosos. Você já viu centenas de pessoas proclamarem que a distinção entre esquerda e direita acabou. Puxe pela memória. Alguma das pessoas que lhe disse isso defende posições que podem ser consideradas de esquerda? Também tem a conversa de que as ideologias acabaram. Pode puxar pela memória. Todas vez que alguém lhe diz isso, engata uma conversa ao fim da qual tenta lhe tomar um direito ou mesmo um bem material. A vitória do PT não me deu a sensação de que os petistas finalmente chegaram lá. Acho que os tucanos tiveram essa sensação. Nós não. Trata-se de chegar lá todo dia, e sempre voltar para casa com a sensação de que ainda não se chegou lá.
-O senhor sempre foi um cacique da ala radical do PT. Como avalia a ação de Lula na formação do seu governo?
-Muito bem. Nós precisamos de muita humildade. Os 52 milhões de votos que levaram Lula à vitória não foram dados à plataforma da esquerda do PT, que é minoritária dentro do próprio partido. Não significaram sequer um endosso ao projeto petista. Lula canalizou o sentimento de rejeição à política de Fernando Henrique Cardoso. Depois da posse, o PT terá que lidar, pela primeira vez, com o peso de uma bancada de 96 deputados, a maior da Câmara. Uma coisa será o partido, outra será o governo. Um delibera com demandas sociais e políticas. O outro, com isso e com as verbas públicas. Podem ir na mesma direção mas não devem ser vistos como a mesma coisa. A esquerda do PT deve continuar a ser de esquerda e a ser radical. Ela não é um problema do PT. Pelo contrário, é uma extraordinária conquista. Eu tenho com o partido uma solidariedade que não sou obrigado a ter com o governo. Só poderei discutir a sério a ação do governo quando me mostrarem, no ano que vem, a Lei de Diretrizes Orçamentárias. Ela começa a ser discutida em abril. Vamos ver para onde vão os recursos que o governo arrecada. Vamos continuar gastando 60% da arrrecadação no pagamento do serviço da dívida?
-Quais serão os outros itens do orçamento que influenciarão seu juízo?
-Posso citar mais três. O primeiro é a reforma tributária. Esse é um assunto que as pessoas gostam de fingir que é complicado. Minha maneira de julgá-lo é muito simples: Quem vive do trabalho vai pagar mais ou menos impostos? E quem vive do capital? No governo de Fernando Henrique Cardoso, promoveu-se um confisco tributário contra os assalariados. Isso deve ser revertido. Dois outros parâmetros são as providências capazes de reduzir a informalidade e as inicitativas destinadas a conseguir o primeiro emprego para os jovens. Na LDO, você lerá a alma do governo. Verá de quem ele quer tomar dinheiro e onde ele quer botar esse mesmo dinheiro. Nos últimos oito anos, tomaram de quem trabalha para dá-lo a quem mama nos juros. Até lá, apóio o governo, com paciência e solidariedade.


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