São Paulo, terça, 24 de novembro de 1998

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JANIO DE FREITAS
Nem tudo sai

Tardou tanto uma atitude de Fernando Henrique Cardoso ou dos envolvidos no escândalo, que a esta altura suas demissões só beneficiam aos próprios, reduzindo-lhes a desgastante, senão humilhante, exposição pública. A relutância, sobretudo a presidencial, tornou as privatizações deste governo definitivamente comprometidas pelo escândalo. O governo e mesmo a imagem de Fernando Henrique, por sua vez, guardarão a mancha desse episódio.
Um novo trecho de gravações, por exemplo, ficará como um questionamento forte, pelo futuro afora. Nele, Mendonça de Barros e Fernando Henrique falam da desistência da Bell South de concorrer aos leilões, e o ministro diz ao presidente:
"Se a Bell South entrasse aí, embaralhava tudo isso. Porque ela ia disputar São Paulo, ia levantar o preço de São Paulo. Se ela ganhasse, expulsava os italianos para outro lugar".
"Embaralhava" o quê? Só poderia ser uma articulação do conhecimento de Fernando Henrique, ou a frase seria ininteligível para ele. Não é, porque não suscita nenhum pedido seu de esclarecimento.
Se o dever dos privatizadores era obter o melhor preço pelo patrimônio público posto à venda, como entender-se que os dialogantes consideraram inconveniente a presença de uma empresa "porque ela ia levantar o preço" da telefônica de São Paulo? Não há qualquer reparo de Fernando Henrique à observação. Ou seja, aquilo que não devia ser embaralhado também não devia ter o seu preço levantado por um comprador, que nem era tecnicamente criticável, mas uma das grandes telefônicas internacionais.
Só se pode compreender como também indicadora de distribuição combinada, anteriormente à concorrência, a afirmação de que "se ela (Bell South) ganhasse, expulsava os italianos (Telecom Italia) para outro lugar".
Expulsava? Que escolha verbal esquisita, para dizer que uma empresa pagaria mais do que outra por um bem pertencente ao país. E por que os responsáveis pela venda só queriam "os italianos" como detentores do grande pudim paulista, mesmo que outra telefônica internacional pagasse mais?
No diálogo de destino histórico, nada inibe o ministro, para dizer, e nada soa impróprio ou estranho ao presidente. Mas nada se encaixa na probidade que, por exigência da lei, para não lembrar outras, deveria reger o comportamento dos vendedores de bens públicos.
As quatro demissões são insuficientes para apagar, no governo e nas imagens pessoais, fatos como aquele diálogo.



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