São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2000

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INTELIGÊNCIA

Agência tratou com a Enterbras, dos EUA, sobre dossiê Caribe

Abin negociou com firma que adota métodos ilegais

LUCAS FIGUEIREDO
DA REPORTAGEM LOCAL

A Abin (Agência Brasileira de Inteligência) ensaiou, no início deste ano, uma parceria com uma empresa de investigação baseada nos Estados Unidos que atua com métodos considerados ilegais.
O interesse da Abin era utilizar os serviços da Enterbras, de Miami, para obter informações nos EUA sobre o chamado dossiê Caribe -conjunto de papéis sem autenticidade comprovada sobre uma suposta conta secreta do presidente Fernando Henrique Cardoso, do ministro José Serra (Saúde), do governador Mário Covas (São Paulo) e de Sérgio Motta, ministro das Comunicações que morreu em 98.
Como demonstração da qualidade dos seus serviços, a Enterbras produziu para a Abin um dossiê com dados disponíveis nos EUA sobre uma personalidade política paulistana (leia texto nesta página). O contrato para investigação do dossiê Caribe, no entanto, não foi fechado.
A Folha obteve documentos referentes à negociação entre a Abin e a Enterbras. Em mensagem eletrônica enviada ao serviço de inteligência no início do ano, a Enterbras apresentou seu cardápio de serviços.
"Temos também o sistema de interceptar linhas telefônicas várias e escutar aqui em Miami, em Brasília, no seu carro, ou de aonde (sic) você estiver, inclusive viajando pelo Brasil, sendo avisado por seu bip, seu celular, que X telefone está em ação", afirma a mensagem.
A Enterbras ainda ofereceu à Abin informações sobre linhas grampeadas, tais como números e locais chamados.
No Brasil e nos EUA, o grampo e a quebra de sigilo de chamadas telefônicas sem autorização judicial são considerados crimes.
A mensagem da Enterbras lista outros serviços: "Você pode ver propriedades, veículos (dele, da esposa, da filha, do genro etc.), barcos, número do CPF, carteira de motorista, nome dos vizinhos, todos os telefones, inclusive dos vizinhos".

Contrato confidencial
A empresa gaba-se de ter um banco de dados com 4,2 bilhões de registros. "Tudo que uma pessoa possa ter feito nos EUA, temos acesso. Nosso banco de dados é consultado por FBI (polícia federal norte-americana), DEA (departamento antidrogas dos Estados Unidos), Ministério da Justiça e 2.000 departamentos de polícia", diz o documento.
A mensagem enviada à Abin é assinada por um dos representantes da Enterbras, um brasileiro identificado apenas como Humberto, e termina com o seguinte aviso: "Esses assuntos são de caráter sigiloso, e os contratos são confidenciais".
No início do ano, Humberto chegou a reunir-se com o então diretor-geral da Abin, Ariel De Cunto, para negociar a contratação dos serviços da Enterbras, segundo apurou a Folha. O encontro foi realizado na sede do serviço de inteligência, em Brasília, no Setor Policial Sul, mas o negócio não foi fechado.
Em novembro, De Cunto perdeu o cargo devido ao desgaste com o vazamento de informações sobre investigações realizadas por arapongas da Abin e também pela descoberta de que ele havia nomeado para um cargo de confiança na agência o ex-tenente Carlos Alberto del Menezzi, acusado de participar de sessões de tortura durante o regime militar (64-85).
Na terça-feira passada, em depoimento ao Ministério Público, De Cunto declarou que informantes e colaboradores que prestam serviços para a Abin ou alimentam seus agentes com informações são pagos com verbas secretas. O Orçamento da União para 2001 prevê gastos de até R$ 3,943 milhões para as ações sigilosas da Abin.

"Assunto explosivo"
A reportagem entrou em contato com Humberto, por meio da Internet, solicitando uma conversa sobre as negociações entre a Abin e a Enterbras em torno da investigação do dossiê Caribe.
A primeira mensagem do jornal para a Enterbras foi respondida pelo próprio Humberto. A segunda, por Helen Morgen, que, em inglês, disse que Humberto estava em viagem no Estado da Virginia (leste dos EUA).
Humberto chegou a ligar para a Folha de Washington, segundo ele, e disse que transmitiria aos seus superiores nos Estados Unidos o pedido feito pela reportagem do jornal.
"Esse assunto (dossiê Caribe) é um dos mais explosivos do país", disse ao telefone.
Dias depois, enviou uma mensagem eletrônica afirmando que não falaria sobre o assunto. "Infelizmente não poderemos acrescentar nada à sua investigação. Boa sorte!", dizia a mensagem.


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