São Paulo, domingo, 24 de dezembro de 2000

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MISÉRIA

Cidades mais pobres do país não recebem ajuda do Comunidade Solidária

Municípios carentes não têm assistência do governo

FÁBIO ZANINI
ENVIADO ESPECIAL AO PIAUÍ

O Comunidade Solidária, programa do governo federal, praticamente relegou ao abandono os municípios que ele próprio define como os mais miseráveis do país.
Em Antônio Almeida, Arraial e Francinópolis, pequenas cidades do sertão do Piauí, a população está sendo obrigada a sobreviver sem nenhuma ajuda governamental. As três cidades estão no topo da lista de municípios carentes do Comunidade, com mais de 70% das famílias consideradas miseráveis (sem renda para comprar uma cesta básica padrão).
Basicamente, a presença do Comunidade nessas cidades se dá por meio da distribuição de cestas básicas, que o governo pretende substituir por projetos de geração de renda. A idéia é "ensinar a pescar", em vez de "dar o peixe".
Embora o governo tenha prometido manter o programa de cestas até encontrar uma alternativa, não é isso que tem ocorrido. Em Antônio Almeida (a 484 km de Teresina), que tem a maior fatia de miseráveis de acordo com a lista do Comunidade (73,78% da população), as cestas pararam de chegar em setembro. A cesta continha 25 kg de alimentos, entre arroz, feijão, farinha, massa de milho, açúcar e macarrão.
"Com o tempo, a cesta foi minguando. O macarrão veio só uma vez. O feijão não prestava. De repente, nem o pouco que chegava veio mais", diz Selma de Brito, presidente do conselho do Comunidade Solidária da cidade. As cestas eram suficientes para alimentar quase 80% dos 2.800 habitantes da cidade -a grande maioria pratica a lavoura de subsistência. "Agora, recebo todo dia gente desmaiando de fome."
Outro programa do governo, o Saúde Escolar, que distribui materiais de higiene para crianças, também é inoperante. "Em quatro anos, só vieram uma vez trazer flúor e pasta de dente", afirma ela.
A falta de cestas básicas é sentida por toda a cidade. No pequeno povoado de Formiga, a 18 km do centro de Antônio Almeida, a aposentadoria de João Batista, 67, de um salário mínimo, passou a ser o principal sustento da família.
Ele mora em uma casa de pau-a-pique sem energia elétrica. "A cesta ajudava bem. Juntando com o que plantamos, dava uma sobrinha de arroz e feijão, que nós vendíamos", afirma ele.
No mesmo povoado, Maria José da Silva, 49, tem agora de alimentar os filhos e netos somente com o que produz na roça: "Tem dias que só tem comida para as crianças e passo sem nada mesmo".
Em Francinópolis, a 250 km de Teresina, a falta de comida é agravada pela falta de água. O município, de 5.200 habitantes, fica em uma das regiões mais áridas do Estado, onde chove em média 300 mm por ano. Lá, a cesta básica chegou só seis vezes neste ano, a última em outubro.
Na região mais pobre do município, o distrito de Ponta da Serra, o agricultor José Germano do Espírito Santo, 80, diz que a cesta "caía bem". "Um homem com a idade que tenho não aguenta mais. Com a cesta, diminuía a pressão. Comia a cesta e vendia um pouquinho do que plantava", afirma ele, que cultiva arroz, milho e fava (espécie de feijão).
Em Arraial (4.000 habitantes), as cestas não chegam há dois meses. "A última veio só com arroz e feijão. Faltou óleo, açúcar, macarrão e massa de milho. Todo dia a população vem querer saber da cesta básica, mas não temos o que dizer. Ninguém nos explicou nada", diz Francivaldo Rodrigues de Souza, presidente do conselho local do Comunidade Solidária.
Sem a cesta básica, o agricultor Raimundo José Vitorino, 58, depende da ajuda de vizinhos para sobreviver. "Tem dia que não comemos nada. Tenho medo de morrer de fome", diz ele, que tem três filhos. Arraial, porém, pode se considerar uma cidade privilegiada em termos de programas do governo federal. Sobrevive na cidade o Alfabetização Solidária, que alfabetiza 350 pessoas ao ano.


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