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ENTREVISTA
GILMAR MENDES
Justiça e sociedade devem agir para reintegrar presos
Presidente do STF anuncia campanha nacional por ressocialização e diz que
órgão vai contratar 40 ex-detentos como motoristas
A RESSOCIALIZAÇÃO de ex-detentos será uma das metas do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) para o próximo ano. Mutirões organizados pela entidade em quatro Estados resultaram na soltura de cerca de mil pessoas
que continuavam detidas irregularmente. Para o presidente do conselho e do STF (Supremo Tribunal Federal), ministro Gilmar Mendes, o objetivo é envolver a sociedade. A partir de janeiro, 40 egressos do sistema carcerário trabalharão como motoristas da corte máxima da Justiça por cerca de R$ 500 por mês. "Estamos dando o sinal de que é possível fazer algo."
LILIAN CHRISTOFOLETTI
ENVIADA ESPECIAL A BRASÍLIA
ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em setembro, reportagem da
Folha, revelou que pelo menos
9.000 pessoas seguiam atrás
das grades, apesar de já terem
cumprido pena condenatória.
Na maior parte dos casos, a soltura só não tinha ocorrido por
falta de defensores públicos
que comunicassem ao juiz o
cumprimento da pena.
"Queremos dar uma solução
para essas situação, que é vergonhosa", disse Mendes, que
completará 53 anos no dia 30.
A campanha do CNJ vai ao ar a
partir de segunda-feira.
Em 2009, o STF deverá se
debruçar sobre temas polêmicos, como a união homoafetiva
e o poder de investigação do
Ministério Público.
O ministro, que concedeu
entrevista à Folha em seu gabinete, disse estar satisfeito com
o trabalho na corte e não ter
pretensão em disputar qualquer cargo político em 2010.
FOLHA - Em quantos Estados houve mutirões carcerários e quais os resultados obtidos pelo CNJ?
MENDES - Fizemos no Rio de
Janeiro, no Maranhão, no Piauí
e no Pará -este ainda em execução. Foram libertadas mais
de mil pessoas, o que representa três presídios médios. São
pessoas que estavam presas indevidamente. Há muitos casos
de prisões provisórias calcadas
em inquéritos, sem a conclusão
da investigação -é o quadro do
Piauí. Houve casos de pessoas
que tinham cumprido pena,
mas ficaram outros quatro
anos além do previsto -é um
caso do Maranhão. Então, tentamos fazer um trabalho que
supere de forma definitiva essa
situação vergonhosa. Queremos informatizar as varas de
execução criminal por meio de
um programa concebido pelo
Tribunal de Justiça de Sergipe.
FOLHA - Uma das queixas é a falta
de assistência jurídica.
MENDES - Estamos ajudando a
estruturar órgãos de assistência judicial calcados no trabalho voluntário, por meio de
convênios com universidades.
Porque, ainda que se avance no
número de defensores, e temos
avançado, esse número continua muito restrito. Temos
5.000 defensores no Brasil. No
sistema penitenciário são cerca
de 400 mil pessoas, sendo 96%
ou 97% réus pobres. Aí vem todo esse debate sobre Justiça de
classe. Não temos Justiça de
classe no Brasil. Os pedidos que
chegam são atendidos. Temos
uma grande deficiência no que
concerne à assistência judiciária, que não pode ser resolvida
apenas com a atuação das defensorias, é preciso que a sociedade se manifeste.
FOLHA - Os voluntários já atuam?
MENDES - Esse trabalho já existe nos Juizados Especiais Federais. No Rio Grande do Sul temos hoje um sistema em pleno
funcionamento. Vamos começar com o piloto na Penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão,
com o apoio do Tribunal de
Justiça. É fundamental deixar
claro que todo esse debate,
existência de presos sem defesa
e cumprimento de pena além
do prazo fixado, decorre da falta de assistência judiciária adequada. Precisamos buscar alternativas, que pode ser uma
estruturação das defensorias,
mas, em muitos casos, isso não
se dará em tempo adequado.
Por isso, sugerimos às defensorias que coordenem essa legião
de voluntários. Estamos chamando a sociedade a participar.
FOLHA - A contratação de ex-detentos, como o STF fará agora com
40 ex-presos, será incentivada?
MENDES - Aqui no Distrito Federal temos alguns órgãos, como o Ministério da Justiça, que
têm pessoas egressas do sistema carcerário ou em regime semi-aberto ou aberto. O STF celebrou o convênio dando o sinal
de que é possível fazer algo. Estamos lançando uma campanha na TV, com apoio do CNJ,
chamando a sociedade a refletir sobre essa questão. Esse
programa de reinserção pode
evitar a reincidência. Os colegas que acompanham esse trabalho ficaram pasmos com a
falta de estrutura. Quando o
preso obtém a liberdade, não
tem roupa para sair do presídio
nem dinheiro para pagar um
ônibus. Vira presa fácil. A assistência jurídica, muitas vezes, é
dada pela organização criminosa. Estamos mexendo numa estrutura muito complexa e que
exige a participação de todos.
FOLHA - É a ausência do Estado...
MENDES - Completa. E a da sociedade também, porque a sociedade tem uma grande responsabilidade nesse processo.
Por razões compreensíveis, a
sociedade nutre um grande
desprezo por essas pessoas.
Talvez esse sentimento contamine o Judiciário. Quando se
visita um presídio, as pessoas se
chocam com as condições precárias. De quem é a responsabilidade? De todos, inclusive do
Judiciário. O ministro Tarso
Genro [Justiça] disse que há
mais de dez presídios com a
construção suspensa por liminares ou por decisões do TCU
[Tribunal de Contas da União].
Não vou entrar no mérito, mas
o fato é que há carência de vagas e há decisões desencontradas paralisando as obras. Precisamos buscar formas de coibir
os abusos sem parar a construção dos presídios, que são extremamente necessários para
resolver um problema crônico.
FOLHA - Quais as metas para 2009?
MENDES - O CNJ vem trabalhando intensamente na informatização, no processo virtual.
A questão carcerária, sem dúvida, seguirá como um tema prioritário. Avançamos muito no
que concerne ao cadastro de
adoção, um projeto simples que
faz o encontro de pretendentes
à adoção com eventuais adotados. Há o tema da conciliação,
que é a busca de soluções alternativas para as demandas, que
foi um sucesso neste ano, com
quase R$ 1 bilhão em acordos.
FOLHA - Em 2008, uma marca do
STF foi o ativismo judicial. O que pode ser esperado em 2009?
MENDES - O tribunal tem sido
muito criativo no que concerne
a técnicas de decisão. Tivemos
a questão da greve, uma decisão
diferente, que mudou um pouco o tema [equiparou a greve no
setor público às normas em vigor para a esfera privada]. Tivemos a questão dos municípios
declarados inconstitucionais [o
STF deu prazo para o Congresso regulamentar as cidades
criadas por leis estaduais]. Ou
ainda o caso da fidelidade partidária, em que o STF recomendou ao TSE [Tribunal Superior
Eleitoral] a edição de uma norma para ter um devido processo legal sob pena de perder o
mandato. Agora, na questão da
Raposa/Serra do Sol [RR], também o STF está fixando as condicionantes para uma demarcação rígida. Essa postura ativa
deve subsistir nos próximos
tempos. Isso não traduz um repúdio à atividade do Congresso, ao contrário, o STF tem estimulado o Legislativo a assumir
suas funções. Não há nenhuma
animosidade, até porque todos
têm consciência de que não há
democracia sem política e sem
políticos.
FOLHA - Como o STF deverá se posicionar sobre a questão do poder de
investigação do Ministério Público.
MENDES - Não posso antecipar.
É muito provável que essa discussão comece no primeiro semestre. É um tema importante.
Passados 20 anos da Constituição, o Ministério Público assumiu um papel diferenciado e
importante. Há muitas questões que hoje geram conflito,
uma colisão com a atividade
policial. Entendo que o STF vai
se posicionar com clareza até
porque a questão é delicada. O
fundamental é que, se essas investigações forem admitidas,
ocorram dentro dos paradigmas do Estado de direito. O que
não pode haver é investigação
sigilosa, secreta e heterodoxa.
FOLHA - Quais outros temas que
estarão na pauta do STF em 2009?
MENDES - A questão tributária,
a questão da importação de
pneus usados, o diploma de jornalista, a lei de imprensa e todos os temas que surgirem
eventualmente. Discutiremos
ainda a união homoafetiva.
Acho que a sociedade está madura para discutir isso, não sei
se contra ou a favor.
FOLHA - Que avaliação o sr. faz do
caso Satiagraha?
MENDES - Terminou da melhor
maneira possível. Tal como eu
afirmava desde o início, a posição correta foi a tomada por
mim durante o período de recesso do STF, que foi confirmada por um escore expressivo no
plenário. Nesta questão, o tema
está cabalmente resolvido e superado. Resolvemos bem um tipo de problema que estava se
desenvolvendo e poderia dar
ensejo a distorções no sistema
policial e no judicial, que era a
possibilidade de tribunais superiores ficarem jungidos a decisões de juízes, de policiais ou
de procuradores. O tribunal fixou com clareza qual deve ser o
norte neste tipo de matéria. O
tribunal constitucional fixa a
interpretação e não se submete
a esse tipo de arreganho.
FOLHA - O que o sr. espera do procedimento aberto no CNJ contra o
juiz Fausto De Sanctis, que decretou
a prisão de Daniel Dantas?
MENDES - Vamos examinar a
questão. Quero deixar claro
que o que se discutiu aqui não
foi só o caso Dantas. Os juízes
se rebelaram contra desembargadores em São Paulo, não
prestaram informações ao próprio relator. Estava se desenhando um novo modelo, que
não sei qual seria porque não
existe no mundo. O conúbio
juiz-delegado-promotor, que
resultava em enfrentamento e
talvez estivesse sendo testado
em grande estilo, foi derrotado.
Não falo só sobre este caso [Satiagraha], mas sobre um modelo que se desenhava com suas
conexões políticas, com envolvimento de polícia, da Abin e
seus direcionamentos.
FOLHA - O sr. recebeu algum comunicado do Gabinete de Segurança
Institucional sobre o arquivamento
da sindicância feita na Abin sobre o
grampo de uma conversa mantida
entre o senhor e um parlamentar?
MENDES - Não. Temos de
aguardar. A PF também está investigando este assunto. Aquilo
que já foi revelado sobre a participação da Abin é suficientemente grave nesse episódio.
FOLHA - A Procuradoria diz que a
parceria Abin-PF é válida pois são
dois órgãos ligados ao Estado.
MENDES - Qualquer sujeito que
tenha passado por um jardim
de infância jurídico sabe que
não há previsão no texto constitucional para que essa função
seja exercida pela Abin. A Abin
presta contas a quem? Ao Executivo. Não presta contas ao
Judiciário, não é polícia judiciária. O mecanismo de controle se distorce por completo. Ela
pode usar isso para outras finalidades. Chegam notícias de
que estavam acumulando informações para finalidades outras, até o uso nas eleições de
2010, sabe-se lá. Quem controla esse processo?
Começamos com a informação de que havia dois ou três colaboradores da Abin. Agora falam em 82 pessoas. Houve esse
tipo de colaboração em outros
episódios? Não sabemos. Como
se fazia a colaboração? Perguntei isso na audiência com o presidente da República e com o
general [Jorge Felix]. [A resposta] foi que isso se deu a pedido do delegado, num plano absolutamente inferior.
Uma colaboração realmente
informal, parece a colaboração
entre o verdureiro e o padeiro
do bairro para que um empreste troco ao outro. É algo chocante. Pode ter colaboração?
Pode, com disciplina.
FOLHA - E para 2010, o senhor tem
pretensões políticas?
MENDES - Eu? Pretensão política? Na verdade, não tenho nenhuma pretensão. Quero ser
um bom presidente do STF, depois eu volto para a bancada e
continuo trabalhando.
FOLHA - Nem em um eventual governo José Serra (PSDB)?
MENDES - Não, não tenho nenhuma pretensão política. Estou aqui bem satisfeito com política judicial mesmo (risos).
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