São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 1998.



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DOMINGUEIRA
Boçais

MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo

O diretor abriu a porta da sala de aula e a criançada entrou em pânico. Não pode mais riscar com a caneta o coleguinha da frente, morder a orelha do gordinho ou colocar prego na cadeira da professora, sob o risco de punições severas.
A molecada não gosta de regras, muito menos de castigos. O Brasil nenen não gosta de leis. Não acredita que elas possam ser realmente aplicadas e detesta a idéia de que transgredi-las possa resultar em punições.
O país reage infantilmente ao novo Código de Trânsito. Acostumado com a ausência de rigor, habituado ao vale-tudo da guerra do asfalto, prefere dedicar-se a descobrir truques para burlá-lo e colecionar problemas com a esperança de inviabilizá-lo.
Como crianças na Disneylândia, os brasileiros encantam-se com o que vêem na Europa. Vivem a contar aos amiguinhos que lá no Primeiro Mundo os carros param quando o pedestre pisa na faixa. Que o ônibus não sai correndo com gente pendurada na porta. Que não se disputam grandes prêmios automobilísticos nas ruas e os sinais são respeitados.
Mas cá entre nós, claro, a coisa é diferente. A Europa, como diz a curiosa linguagem local, é "lá fora". E "lá fora" é outro mundo. É quase uma ficção, alguma coisa que se vê nas férias, como um longo filme ou peça de teatro. Depois a cortina fecha e volta-se à esculhambação de nossa vida real.
É claro que o novo código é extenso, com detalhes desnecessários e uma ou outra maluquice. É verdade que a regulamentação nem sempre será simples e a aplicação dificilmente poderá ser integral. Não se discute, também, que os responsáveis pela implantação da nova legislação perdem-se, como de hábito, em trapalhadas.
Mas nada disso deve servir para ocultar o fato de que o trânsito no Brasil é uma barbárie e precisa ser civilizado. Não é apenas essa ruidosa confusão, a napolitana bagunça "cultural" da informalidade: é a estupidez, é a violência, é o abuso, é o permanente risco de morte. São as motos e fuscas que furam os sinais vermelhos e perdem os verdes, que levaram Caetano Veloso a concluir na célebre canção: "Somos uns boçais".



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