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FÓRUM SOCIAL MUNDIAL
Para inglesa especialista em sociedade civil, participantes seguem presidente venezuelano de forma "servil"
Idolatria a Chávez ameaça fórum, diz analista
Francesco Spotorno/Reuters
![](../images/n2501200601.jpg) |
Luiz Gómez e Ricardo Alarcón, ministro da Educação e presidente da Assembléia Nacional de Cuba |
DO ENVIADO ESPECIAL A CARACAS
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o Fórum Social
Mundial, que começou ontem e
vai até o dia 29 deste mês, em Caracas, são como água e vinho, diz
a pesquisadora da London School
of Economics (um dos principais
centros de ciências sociais do
mundo) Marlies Glasius, 36.
Especialista em sociedade civil e
em organizações não-governamentais, Glasius não ignora que
sua avaliação -de que Chávez representa a velha prática política
de esquerda e populista que o modelo dos fóruns vem superar-
não é compartilhada por muitos
dos próprios participantes desses
encontros para que "um outro
mundo" seja possível.
E é justamente por isso que vê
no venezuelano um perigo para o
fórum e o que ele traz de práticas
novas. "Essa é uma grande preocupação minha. Fico impressionada ao conversar com brasileiros, e latino-americanos em geral,
que são bastante críticos de seus
próprios líderes de esquerda, mas
que seguem Chávez de maneira
quase servil. Creio que é razoável
ter o bolivarianismo na pauta de
discussões, mas esse deveria ser
um debate crítico."
A seguir, trechos da entrevista.
(RAFAEL CARIELLO)
Folha - Que diferença fizeram os
fóruns sociais desde que foram
criados?
Marlies Glasius - Há indicações
de que eles conseguiram realizar
mudanças, tanto internamente à
sociedade civil, nas organizações
não-governamentais, quanto externamente, ou seja, na agenda
mundial.
Para começar com a influência
externa, o Fórum Social Mundial
começou como contraponto ao
Fórum Econômico Mundial, e, se
você comparar a agenda das discussões desse fórum em 2001
-que consistia basicamente de
líderes econômicos e de negócios
elogiando-se uns aos outros-,
quando não havia agenda social
no encontro, com as discussões
de 2005, você ficará impressionado com os temas -há assuntos
como dívida, mudança climática,
ajuda para países em desenvolvimento etc.
É claro que não é fácil atribuir
essas mudanças exclusivamente
ao Fórum Social Mundial, mas
creio que pode-se dizer que houve
influência na opinião pública, que
por fez pressão sobre seus líderes
para que esses assuntos fizessem
parte das discussões. Isso ocorre
em parte por causa do fórum.
Do ponto de vista "interno", os
encontros permitiram que as organizações da sociedade civil e
seus integrantes se encontrassem
para além de seus campos de ação
estreitos e específicos -por
exemplo, ativistas de direitos humanos conversam com ambientalistas etc. Novas conexões puderam ser feitas a partir dos fóruns.
Folha - Sobre o modo específico
como o fórum se organiza, a sra.
crê que ele poderia ser mais eficiente? Uma das críticas mais comuns ao fórum é a de que o número
caótico de atividades, sem hierarquia, dificulta a sua compreensão.
Glasius - Não, não creio que ele
deveria ser mais eficiente. Um dos
maiores perigos para o fórum social seria tentar se tornar, de alguma maneira, "eficiente". Temos
organizações, ONGs, que são bastante eficientes. Mas o fórum, para mim, é na verdade um local de
debates e de oportunidade de encontros e trocas -para assim fazer política de uma maneira diferente, mais democrática. Na verdade, portanto, eles deveriam se
precaver contra a possibilidade de
se tornarem "eficientes".
E é verdade que eles não trazem
propostas finais e unificadas, mas
essa é a idéia, essa é a força do fórum: não ser uma campanha de
uma organização. De maneira
ampla, sabe-se que eles buscam
alternativas para a globalização
-desde que mantenham as discussões e a busca dessas alternativas num formato bastante aberto.
Várias propostas específicas
também surgem ali. Não se trata
de um grande programa, mas de
várias pequenas coisas.
Folha - É possível explicar por que
o fórum foi criado? A que necessidade ele respondia?
Glasius - A razão, em termos políticos, foi o cansaço com o modo
como se dava a globalização. Mas
o modo como o fórum cresceu,
aquilo em que ele se tornou, de
certa forma foi um enorme acidente. As pessoas que se reuniram
para criá-lo pensaram na verdade
numa grande conferência intelectual de esquerda de tipo tradicional. O que eles talvez não esperassem era que esses milhares de pessoas aparecessem e começassem a
fazer política de sua própria maneira. Não foi organizado de cima
para baixo, mas, se não foi totalmente espontâneo, ao menos o foi
em grande medida.
E isso não tem a ver exclusivamente com o cansaço com a globalização, mas é também fruto do
cansaço com as formas tradicionais de esquerda de fazer política.
Folha - A sra. crê que o fórum continuará a ter, no futuro, a mesma
importância que lhe tem sido atribuída nesses primeiros anos?
Glasius - É possível. Porque não
se trata apenas do fórum, mas sim
de reuniões que em todo o mundo as pessoas começaram a fazer,
em seus próprios fóruns sociais
locais. Esse é um processo que
ainda está crescendo na Europa e
na América Latina.
Folha - Como a sra. vê a realização do fórum em Caracas? Existe algum risco de que se transforme
num grande evento pró-Chávez?
Glasius - Essa é uma grande
preocupação minha. Fico impressionada ao conversar com brasileiros, e latino-americanos em geral, que são bastante críticos de
seus próprios líderes de esquerda,
mas que seguem Chávez de maneira quase servil. Creio que é razoável ter o bolivarianismo na
pauta de discussões, mas esse deveria ser um debate crítico, e não
uma peça de propaganda pró-Chávez. E me preocupa o fato de
que possa se tornar isso.
Não acredito em nenhum tipo
de censura por parte de Chávez,
mas creio que os próprios ativistas poderiam se auto-censurar.
Espero de fato que haja algum debate crítico sobre o governo Chávez. Mas não sei se isso chegará a
acontecer. O fórum deveria ser
exatamente uma crítica e uma rejeição à obediência a líderes.
Folha - Qual é o apelo de Chávez?
Por que ele poderia reverter isso
que a sra. considera a principal característica do fórum?
Glasius - Tem a ver com a esquerda latino-americana. Que,
em grande medida, é bastante interessante em suas noções de participação da sociedade civil, mas
também tem uma tradição de líderes populistas. Há uma espécie
de nostalgia por grandes líderes.
Talvez não creiam mais em Fidel
Castro, mas admiram Chávez.
Folha - Por quê? É mais fácil assim?
Glasius - Sim, creio que sim. As
pessoas se sentem sempre reconfortadas por grandes líderes.
Além disso, é preciso considerar o
momento em que vivemos no
mundo, em que Chávez parece
ser o único que abertamente desafia George W. Bush e o imperialismo. Isso é sempre bem popular.
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