São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

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DIÁRIO DE DAVOS

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL

O Big Brother global

Davos são duas, digamos, avenidas, uma porção de ruazinhas estreitas, 13 mil habitantes e a Montanha Mágica.
Mas essa descrição vale para 360 dias do ano, menos para os cinco últimos dias de janeiro, em que a cidadezinha encravada nos Alpes suíços se transforma em uma espécie de Big Brother global: a maior coleção de personalidades reunidas em um só aquário, à vista de câmeras e microfones do mundo inteiro.
É a época dos encontros anuais do Fórum Econômico Mundial, que pomposamente se define como "uma organização internacional independente dedicada a aperfeiçoar o estado do mundo por meio do engajamento de líderes em parcerias para moldar as agendas global, regional e da indústria".
Neste ano, o Fórum anuncia a presença de 2.340 participantes de 89 países, que vão de Pelé a Angela Merkel, a recém-eleita chanceler da Alemanha; de Paulo Coelho a Ellen Johnson-Sirleaf, a nova presidente da Libéria, de Angelina Jolie a George Soros.
Por quê levar essa gente toda para uma pequena cidade que, a rigor, só tem um hotel verdadeiramente de luxo? A lógica é simples: não há o que fazer em Davos, salvo esquiar ou patinar no gelo, esportes que não são exatamente de massa. Logo, as mentes se concentram nos debates, discursos, mesas redondas, "brainstormings" -no total, 243 sessões em cinco dias, incluindo o almoço de despedida no Hotel Schatzalp, ao qual só se chega de elevador.
A graça de Davos é transformar personalidades em cidadãos quase comuns. Os ricos e/ou poderosos verdadeiramente ricos e/ou poderosos, que todos sabem que são ricos e/ou poderosos, andam a pé, de ônibus ou, no máximo, de Audi, que fornece a frota oficial dos encontros anuais.Os novos ricos, que, eles sim, precisam demonstrar que são ricos (e poderosos), andam de limusine, mas ninguém em Davos presta atenção. Afinal, é a Suíça, país de renda per capita entre as mais altas do mundo.
Um dia, anos atrás, o enviado especial da Folha estava se preparando para descer do ônibus, perto do Centro de Congressos, onde se realizam os encontros do Fórum, quando um senhor de capote cinza ficou atrapalhando a passagem do, digamos, coletivo. Caminhava pelo meio da rua (a Promenade, uma das duas, digamos, avenidas de Davos), para evitar a neve acumulada nas calçadas.
O motorista buzinou de leve. Nada. Buzinou mais forte. O senhor de capote cinza pulou para a calçada. Era George Soros. Se o conhecesse e acelerasse em vez de buzinar, o motorista teria se transformado em herói da classe operária, pelo menos para os que acham que Soros é a mais perfeita encarnação do capitalismo predador.

PELÉ NO BANDEJÃO
Para os mortais comuns, se é que há mortais comuns em Davos, o almoço (grátis) de hoje é no estilo que, em qualquer outro lugar do mundo, seria chamado bandejão (aqui, é bufê).
Para quem tem convite, o almoço é com Pelé. E no Belvedere, justamente o único hotel de luxo da cidade. Ocorre que o Fórum decidiu introduzir o esporte no temário deste ano. Mas sempre com pompa. O tema do debate (amanhã) é "Pode uma bola mudar o mundo? O papel do esporte no desenvolvimento".

ESTRELA DA VEZ
No ano passado, Sharon Stone roubou a cena em debate de que participava o presidente Lula. Levantou US$ 1 milhão em poucos minutos para comprar mosquiteiros para países africanos de modo a evitar a malária. Neste ano, a estrela é a atriz Angelina Jolie. Debaterá migrações.

CASSANDRA
O encontro anual 2006 começa, todos os anos, com uma atualização sobre a economia global. Nos últimos anos, presença obrigatória de Stephen Roach, economista-chefe da Morgan Stanley, o conglomerado financeiro dos EUA.
Roach é a Cassandra de plantão. Ano após ano, prevê uma baita crise da economia norte-americana e, por extensão, da economia mundial.
Algum ano, vai acabar acertando.

FHC NA MONTANHA
PS - "Montanha Mágica" é a novela do alemão Thomas Mann, ambientada justamente em Davos. Os turistas e personalidades que são ou se crêem mais intelectualizados fazem questão de posar no pico da montanha. Fernando Henrique, claro, foi um deles, na sua única participação em Davos, ainda na primeira Presidência.


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