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DIÁRIO DE DAVOS
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL
O Big Brother global
Davos são duas, digamos, avenidas, uma porção de ruazinhas estreitas, 13 mil habitantes e a Montanha Mágica.
Mas essa descrição vale para 360
dias do ano, menos para os cinco
últimos dias de janeiro, em que a
cidadezinha encravada nos Alpes
suíços se transforma em uma espécie de Big Brother global: a
maior coleção de personalidades
reunidas em um só aquário, à vista
de câmeras e microfones do mundo inteiro.
É a época dos encontros anuais
do Fórum Econômico Mundial,
que pomposamente se define como "uma organização internacional independente dedicada a aperfeiçoar o estado do mundo por
meio do engajamento de líderes
em parcerias para moldar as agendas global, regional e da indústria".
Neste ano, o Fórum anuncia a
presença de 2.340 participantes de
89 países, que vão de Pelé a Angela
Merkel, a recém-eleita chanceler
da Alemanha; de Paulo Coelho a
Ellen Johnson-Sirleaf, a nova presidente da Libéria, de Angelina Jolie a George Soros.
Por quê levar essa gente toda para uma pequena cidade que, a rigor, só tem um hotel verdadeiramente de luxo? A lógica é simples:
não há o que fazer em Davos, salvo
esquiar ou patinar no gelo, esportes que não são exatamente de
massa. Logo, as mentes se concentram nos debates, discursos, mesas redondas, "brainstormings"
-no total, 243 sessões em cinco
dias, incluindo o almoço de despedida no Hotel Schatzalp, ao qual
só se chega de elevador.
A graça de Davos é transformar
personalidades em cidadãos quase comuns. Os ricos e/ou poderosos verdadeiramente ricos e/ou
poderosos, que todos sabem que
são ricos e/ou poderosos, andam a
pé, de ônibus ou, no máximo, de
Audi, que fornece a frota oficial
dos encontros anuais.Os novos ricos, que, eles sim, precisam demonstrar que são ricos (e poderosos), andam de limusine, mas ninguém em Davos presta atenção.
Afinal, é a Suíça, país de renda per
capita entre as mais altas do mundo.
Um dia, anos atrás, o enviado especial da Folha estava se preparando para descer do ônibus, perto do Centro de Congressos, onde
se realizam os encontros do Fórum, quando um senhor de capote cinza ficou atrapalhando a passagem do, digamos, coletivo. Caminhava pelo meio da rua (a Promenade, uma das duas, digamos,
avenidas de Davos), para evitar a
neve acumulada nas calçadas.
O motorista buzinou de leve.
Nada. Buzinou mais forte. O senhor de capote cinza pulou para a
calçada. Era George Soros. Se o conhecesse e acelerasse em vez de
buzinar, o motorista teria se transformado em herói da classe operária, pelo menos para os que acham
que Soros é a mais perfeita encarnação do capitalismo predador.
PELÉ NO BANDEJÃO
Para os mortais comuns, se
é que há mortais comuns em
Davos, o almoço (grátis) de
hoje é no estilo que, em qualquer outro lugar do mundo,
seria chamado bandejão
(aqui, é bufê).
Para quem tem convite, o
almoço é com Pelé. E no Belvedere, justamente o único
hotel de luxo da cidade.
Ocorre que o Fórum decidiu
introduzir o esporte no temário deste ano. Mas sempre
com pompa. O tema do debate (amanhã) é "Pode uma
bola mudar o mundo? O papel do esporte no desenvolvimento".
ESTRELA DA VEZ
No ano passado, Sharon
Stone roubou a cena em debate de que participava o
presidente Lula. Levantou
US$ 1 milhão em poucos minutos para comprar mosquiteiros para países africanos
de modo a evitar a malária.
Neste ano, a estrela é a atriz
Angelina Jolie. Debaterá migrações.
CASSANDRA
O encontro anual 2006 começa, todos os anos, com
uma atualização sobre a economia global. Nos últimos
anos, presença obrigatória
de Stephen Roach, economista-chefe da Morgan Stanley, o conglomerado financeiro dos EUA.
Roach é a Cassandra de
plantão. Ano após ano, prevê
uma baita crise da economia
norte-americana e, por extensão, da economia mundial.
Algum ano, vai acabar
acertando.
FHC NA MONTANHA
PS - "Montanha Mágica" é
a novela do alemão Thomas
Mann, ambientada justamente em Davos. Os turistas
e personalidades que são ou
se crêem mais intelectualizados fazem questão de posar
no pico da montanha. Fernando Henrique, claro, foi
um deles, na sua única participação em Davos, ainda na
primeira Presidência.
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