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"Contrabando" no Orçamento dedica R$ 534 mi a emendas
Comissão do Congresso cria anexo de "prioridades" ausente de projetos do governo
Verba para bases eleitorais entra no relatório como "emendas do relator", mas "pais" de propostas são congressistas e bancadas
RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
A Comissão Mista do Orçamento no Congresso, formada
por 20 deputados federais e sete senadores, fez uma série de
manobras, desde setembro do
ano passado, para conseguir
enxertar um anexo inteiro de
"metas e prioridades" no Orçamento da União de 2008 que
não constava na proposta enviada pelo governo federal.
O anexo provocará gastos de
R$ 534 milhões em obras que
atenderão as bases eleitorais
dos parlamentares. O valor entrou no relatório final do Orçamento, apresentado na semana
passada e prestes a ser votado
no Congresso, sob a denominação genérica de "emendas do
relator-geral", o deputado federal José Pimentel (PT-CE).
Contudo, documentos obtidos pela Folha revelam que o
anexo é formado por emendas
parlamentares, que têm como
"pais" 96 deputados e senadores e das bancadas partidárias
de 16 Estados. O deputado João
Leão (PP-BA) confirmou que a
maioria das emendas do anexo
veio de membros da comissão
(leia texto na pág. A5).
Os gastos do anexo não se
confundem com as emendas
parlamentares propriamente
ditas, que neste ano já vão abocanhar R$ 15,2 bilhões, de um
total de R$ 99 bilhões previstos
em investimentos.
A estratégia da comissão,
controlada pelos partidos da
base aliada (69,23% dos seus titulares são governistas), livra
os parlamentares de eventuais
críticas sobre crescimento do
valor destinado às emendas
-que foi de R$ 15,3 bilhões em
2007- em meio aos pesados
cortes provocados pela extinção da CPMF, e elimina os vínculos políticos que podem ser
estabelecidos entre as emendas e as obras públicas realizadas na ponta do processo.
A polêmica sobre o anexo
surge num trecho do relatório
final. "Quanto à compatibilidade entre as leis sobre orçamento, o ponto crítico deste processo dizia respeito às metas e
prioridades, que, constantes da
LDO/2008, não foram incluídas no projeto do PPA (2008-2011) nem no PLOA/2008. No
entanto, o amadurecimento do
processo democrático no âmbito do Congresso favoreceu
negociações que, representadas por regras aprovadas nos
pareceres preliminares relativos a tais projetos, viabilizaram
a inclusão de grande parte das
metas", escreveu Pimentel.
A reportagem apurou que as
"negociações" referidas pelo
relator foram intensas pressões de deputados da comissão
que insistiram na inclusão do
anexo. São deputados que há
anos integram a comissão e
passaram a exigir do relator-geral mais espaços para verbas
para seus projetos e Estados.
O histórico do anexo traz as
digitais dos parlamentares.
No relatório, Pimentel afirmou que as "metas e prioridades" já constavam da LDO. A
LDO antecede o Orçamento e
ambos são analisados na mesma comissão. Pimentel, contudo, não detalhou que a inclusão
do anexo à LDO também foi
gestada pela mesma comissão.
Em setembro passado, o deputado João Leão era o relator
do projeto da LDO e decidiu
criar o anexo. Em seu relatório,
explicou que as emendas do
anexo não haviam passado pelo
comitê de admissibilidade da
comissão, mas teve uma idéia.
"Para a análise da admissibilidade e aplicação das disposições da resolução às emendas
apresentadas ao Anexo de Metas e Prioridades, na ausência
da designação do Comitê de
Admissibilidade das Emendas,
previsto no art. 25 da citada resolução, contamos com o apoio
do deputado Cláudio Cajado
[DEM-BA], da deputada Rose
de Freitas [PMDB-ES] e do deputado Wellington Roberto
[PR-PB]", escreveu Leão.
Ao enviar a proposta do PPA
[Plano Plurianual] para o período 2008-2011, novamente o
governo federal deixou de incluir as "metas e prioridades"
reivindicadas pelos deputados
na LDO. E novamente, por
meio de outro relatório, a comissão incluiu as emendas. Como no caso da LDO, o relator
do PPA, Cláudio Vignatti (PT-SC), recorreu aos deputados Zé
Gerardo (PMDB-CE), Rose de
Freitas e Wellington Roberto.
Os precedentes na LDO e no
PPA abriram espaço para a decisão de Pimentel de incluir o
anexo no seu relatório final.
Para autorizar o relator, a comissão fez novas concessões
legais. Um parecer técnico da
consultoria de Orçamento do
Congresso havia advertido, em
nota de outubro passado, que o
relator não tinha poderes para
apresentar tais emendas como
se fossem suas. "Não cabe
emenda de relator para incluir
no PPA 2008-2011 ou no
PLOA/2008 [lei orçamentária]
as programações às despesas
constantes do anexo de prioridades e metas uma vez que não
está caracterizada a hipótese
de correção de erro e omissões
de ordem técnica ou legal, salvo
se houver autorização expressa
dos pareceres preliminares."
Mas esse inconveniente também foi eliminado. A comissão
autorizou o relator-geral a
"atender prioritariamente",
entre outros pontos, "as ações
constantes do Anexo de Metas
e Prioridades da LDO-2008".
Ao criar o anexo, a comissão
também passou por cima de
uma recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Em mensagem para explicar o
motivo pelo qual o anexo inexistia na LDO, o presidente
afirmou: "É de se destacar que
as metas e prioridades socialmente relevantes e altamente
aderentes aos objetivos de redução de desigualdades e de
aceleração do crescimento econômico receberam incrementos expressivos em relação às
metas previstas na LDO".
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