São Paulo, segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

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"Contrabando" no Orçamento dedica R$ 534 mi a emendas

Comissão do Congresso cria anexo de "prioridades" ausente de projetos do governo

Verba para bases eleitorais entra no relatório como "emendas do relator", mas "pais" de propostas são congressistas e bancadas

RUBENS VALENTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

A Comissão Mista do Orçamento no Congresso, formada por 20 deputados federais e sete senadores, fez uma série de manobras, desde setembro do ano passado, para conseguir enxertar um anexo inteiro de "metas e prioridades" no Orçamento da União de 2008 que não constava na proposta enviada pelo governo federal.
O anexo provocará gastos de R$ 534 milhões em obras que atenderão as bases eleitorais dos parlamentares. O valor entrou no relatório final do Orçamento, apresentado na semana passada e prestes a ser votado no Congresso, sob a denominação genérica de "emendas do relator-geral", o deputado federal José Pimentel (PT-CE).
Contudo, documentos obtidos pela Folha revelam que o anexo é formado por emendas parlamentares, que têm como "pais" 96 deputados e senadores e das bancadas partidárias de 16 Estados. O deputado João Leão (PP-BA) confirmou que a maioria das emendas do anexo veio de membros da comissão (leia texto na pág. A5).
Os gastos do anexo não se confundem com as emendas parlamentares propriamente ditas, que neste ano já vão abocanhar R$ 15,2 bilhões, de um total de R$ 99 bilhões previstos em investimentos.
A estratégia da comissão, controlada pelos partidos da base aliada (69,23% dos seus titulares são governistas), livra os parlamentares de eventuais críticas sobre crescimento do valor destinado às emendas -que foi de R$ 15,3 bilhões em 2007- em meio aos pesados cortes provocados pela extinção da CPMF, e elimina os vínculos políticos que podem ser estabelecidos entre as emendas e as obras públicas realizadas na ponta do processo.
A polêmica sobre o anexo surge num trecho do relatório final. "Quanto à compatibilidade entre as leis sobre orçamento, o ponto crítico deste processo dizia respeito às metas e prioridades, que, constantes da LDO/2008, não foram incluídas no projeto do PPA (2008-2011) nem no PLOA/2008. No entanto, o amadurecimento do processo democrático no âmbito do Congresso favoreceu negociações que, representadas por regras aprovadas nos pareceres preliminares relativos a tais projetos, viabilizaram a inclusão de grande parte das metas", escreveu Pimentel.
A reportagem apurou que as "negociações" referidas pelo relator foram intensas pressões de deputados da comissão que insistiram na inclusão do anexo. São deputados que há anos integram a comissão e passaram a exigir do relator-geral mais espaços para verbas para seus projetos e Estados.
O histórico do anexo traz as digitais dos parlamentares.
No relatório, Pimentel afirmou que as "metas e prioridades" já constavam da LDO. A LDO antecede o Orçamento e ambos são analisados na mesma comissão. Pimentel, contudo, não detalhou que a inclusão do anexo à LDO também foi gestada pela mesma comissão.
Em setembro passado, o deputado João Leão era o relator do projeto da LDO e decidiu criar o anexo. Em seu relatório, explicou que as emendas do anexo não haviam passado pelo comitê de admissibilidade da comissão, mas teve uma idéia. "Para a análise da admissibilidade e aplicação das disposições da resolução às emendas apresentadas ao Anexo de Metas e Prioridades, na ausência da designação do Comitê de Admissibilidade das Emendas, previsto no art. 25 da citada resolução, contamos com o apoio do deputado Cláudio Cajado [DEM-BA], da deputada Rose de Freitas [PMDB-ES] e do deputado Wellington Roberto [PR-PB]", escreveu Leão.
Ao enviar a proposta do PPA [Plano Plurianual] para o período 2008-2011, novamente o governo federal deixou de incluir as "metas e prioridades" reivindicadas pelos deputados na LDO. E novamente, por meio de outro relatório, a comissão incluiu as emendas. Como no caso da LDO, o relator do PPA, Cláudio Vignatti (PT-SC), recorreu aos deputados Zé Gerardo (PMDB-CE), Rose de Freitas e Wellington Roberto.
Os precedentes na LDO e no PPA abriram espaço para a decisão de Pimentel de incluir o anexo no seu relatório final.
Para autorizar o relator, a comissão fez novas concessões legais. Um parecer técnico da consultoria de Orçamento do Congresso havia advertido, em nota de outubro passado, que o relator não tinha poderes para apresentar tais emendas como se fossem suas. "Não cabe emenda de relator para incluir no PPA 2008-2011 ou no PLOA/2008 [lei orçamentária] as programações às despesas constantes do anexo de prioridades e metas uma vez que não está caracterizada a hipótese de correção de erro e omissões de ordem técnica ou legal, salvo se houver autorização expressa dos pareceres preliminares."
Mas esse inconveniente também foi eliminado. A comissão autorizou o relator-geral a "atender prioritariamente", entre outros pontos, "as ações constantes do Anexo de Metas e Prioridades da LDO-2008".
Ao criar o anexo, a comissão também passou por cima de uma recomendação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em mensagem para explicar o motivo pelo qual o anexo inexistia na LDO, o presidente afirmou: "É de se destacar que as metas e prioridades socialmente relevantes e altamente aderentes aos objetivos de redução de desigualdades e de aceleração do crescimento econômico receberam incrementos expressivos em relação às metas previstas na LDO".


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