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ANÁLISE
Um choque de Constituição
JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
O que está realmente em jogo
no pedido de intervenção no
DF? Por que é decisão importante, para os brasilienses, e todos os brasileiros também? Por
que o Supremo está agindo com
toda cautela, sem querer tomar
decisão às pressas?
Na democracia, se o governador ou deputado infringir a moralidade administrativa, ou
mesmo o povo não estiver contente com suas administrações,
normalmente são dois os caminhos: ou os destitui na próxima
eleição pelo voto ou então se
abre processo de impeachment
ou processos na Justiça. Mas na
intervenção nem é o povo
quem destitui. Nem o voto.
Quem decide a intervenção é
o Supremo. Mas quem executa
é o presidente da República. É
ele quem escolhe o interventor,
determina o prazo e a extensão
da intervenção, se atinge Executivo e Legislativo, se o interventor vai legislar por decreto.
Mas até que ponto o Supremo quer dar tantos poderes ao
presidente? Como ter certeza
que o interventor será técnico
competente, apartidário, acima
de qualquer suspeita? Capaz de
restaurar a confiança da população no governo do DF? Se o
Supremo vier a tomar esta decisão, provavelmente vai estabelecer padrões mínimos para
a execução de sua ordem.
A intervenção é medida extrema, decisão política mais
grave que o país enfrenta desde
o impeachment de Collor.
Nunca dantes, nem nesta
Constituição nem na de 1946,
se decretou intervenção em
qualquer Estado. Mas a Constituição permite. O que a justifica
é algo maior: restituir à população um sentimento sofrido e
uma esperança perdida. Como
diz Mozart Valadares, da Associação dos Magistrados Brasileiros: "em princípio não deveria haver intervenção, mas o
sentimento pede intervenção".
Que sentimento é este?
O sentimento de que a Constituição existe, as instituições
funcionam e podem servir à
moralidade pública.
O Brasil está sob o impacto
da força plástica das imagens
de internet e televisão. Quando
São Tomé tinha dúvidas, diz a
história, ele tinha que tocar
com as mãos para ter certeza.
Hoje se toca com os olhos. Evidências estimulam sentimentos, e sentimentos geram necessidades. Intervir, hoje, simboliza um choque de constituição contra a corrupção. Será este choque necessário? A defesa
feita pela Procuradoria-Geral
do DF diz que não. Não se esgotou ainda a via normal judicial.
Basta apurar, permitir ampla
defesa e punir os responsáveis.
Para o brasileiro o que mudaria é isto. E não é pouco. É a
possibilidade de se acreditar no
funcionamento da Justiça, da
Constituição e da política, a
tempo e a hora. Para o brasiliense, em específico, o que muda é a normalidade administrativa. O governo volta a funcionar pacificamente, ainda que
de forma diferente.
Por fim, outra grande mudança é que durante a intervenção o Congresso não pode votar
emendas à Constituição. O que
implica diminuir a pressão política sobre os congressistas,
para que votem aumento de salário da polícia, a redução do
horário de trabalho para 40 horas, legalização de interinos de
cartórios sem concurso e muitas outras.
JOAQUIM FALCÃO, é professor de direito constitucional da FGV Direito-Rio
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