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São Paulo, sexta-feira, 25 de abril de 2003

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DIVISÃO NO SOCIAL

Iets tem ideólogos do governo responsáveis por diretriz econômica

Instituto financiado pelo Bird inspira política social de Lula

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Formuladores da política econômica e social do governo Luiz Inácio Lula da Silva são sócios no Iets (Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade), entidade sem fins lucrativos financiada por organismos internacionais -como Banco Mundial (Bird) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)- e dinheiro da União.
Marcos Lisboa, secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, além de sócio, é membro do conselho de administração do Iets. Nos dois últimos anos, recebeu por participação em pesquisas. Ricardo Henriques, secretário-executivo do Ministério da Assistência e Promoção Social, não mantém atividade no Instituto há um ano embora ainda seja sócio. Um terceiro sócio integra a equipe de Henriques: Pedro Olinto, secretário de Avaliação do ministério.
Tanto a nova "cara" da política econômica, recentemente divulgada pelo ministro Antonio Palocci Filho em 95 páginas do documento "Políticas Econômicas e Reformas Estruturais", como a "guinada social" em curso na área social têm origem em trabalhos feitos no Iets.
O site do instituto destaca a notícia de que o texto divulgado por Palocci "retoma os princípios da "Agenda Perdida'", documento coordenado por Lisboa em parceria com o economista José Alexandre Scheinkman e apresentado na última campanha eleitoral.
A proposta de coordenação dos programas de transferência de renda aos pobres que Lula deve apresentar no mês que vem está afinada com duas pesquisas em curso no Iets. Uma delas tem por título "Avaliando o grau de focalização da política social brasileira" e é financiada pelo Conselho Britânico. A outra, bancada pelo BID, chama-se "Uma avaliação da fidedignidade das informações do Cadastro Único".
A coordenação dos programas foi atribuída ao Ministério da Assistência e Promoção Social, onde trabalham Henriques e Olinto. Mais do que um possível conflito ético, a sociedade do Iets mostra que a formulação da política econômica e social do governo tem um endereço comum e até aqui desconhecido: a cobertura do nš 100 da Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro, sede do instituto.

Campineiros X cariocas
O documento de Palocci e a direção da "guinada social" são pivôs de uma disputa por hegemonia na formulação de políticas do governo Lula, tornada pública no início da semana por meio de entrevista da economista Maria da Conceição Tavares à Folha.
"O governo Lula tem afinidade histórica com os "campineiros" [economistas da Unicamp, Universidade Estadual de Campinas], mas sua política tende para o grupo de economistas cariocas", avalia Marcelo Neri, outro sócio-fundador do Iets, junto com economistas como Ricardo Paes de Barros e José Márcio Camargo, vinculados respectivamente à Fundação Getúlio Vargas, ao Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e à PUC-Rio.
Tavares mirou em Lisboa, a quem acusou de querer acabar com a "universalização" dos serviços sociais, o que seria uma expressão do pensamento liberal. Mas o grupo de quem a economista foi porta-voz se opõe mais imediatamente ao formato alternativo dos programas de transferência de renda aos pobres comandado por Ricardo Henriques.
Diferentemente do cartão-alimentação criado pelo ministro José Graziano (Combate à Fome), que limita o uso do dinheiro à compra de alimentos, o programa único de transferência de renda dará liberdade de compra às famílias pobres e exigirá contrapartidas, como a frequência às escolas, a cursos de alfabetização e a postos de saúde.
Inspirada na tese de que o gasto social do Brasil não precisa ser maior, mas ter mais qualidade, a equipe do Iets tem propostas como rediscutir o mecanismo de financiamento das universidades públicas gratuitas. "Essas universidades são destinadas às elites", diz André Urani, secretário-executivo do Instituto. Segundo Ricardo Henriques, o tema não consta da pauta do governo.
Henriques pondera que o conjunto de pesquisadores do Iets começou a trabalhar há quase quatro anos em programas de combate à pobreza e inclusão social. "É razoável que essas pessoas estejam num governo progressista do PT", diz o secretário-executivo do Ministério de Assistência e Promoção Social, bastante elogiado por Palocci.

Oscip
O Iets está registrado no Ministério da Justiça como uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público). É uma espécie de prima-irmã das ONGs (organizações não-governamentais). A principal diferença é a transparência na prestação de contas com que as Oscips se comprometem.
Pesquisa feita pela Folha no site do instituto mostra que os balanços de 2001 e 2002 não foram publicados. Segundo o secretário-executivo do Iets, André Urani, os demonstrativos financeiros foram incluídos no site ontem na hora do almoço, mas não estavam disponíveis à tarde.
Ainda segundo Urani, Marcos Lisboa teria recebido "apenas" R$ 11.500 do instituto nos dois últimos anos por participação em pesquisas. Ricardo Henriques não teria tido remuneração.
A União é uma importante financiadora do instituto. Segundo pesquisa feita no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento dos gastos federais), os cofres públicos federais repassaram R$ 3,4 milhões ao Iets em 2001 e 2002.


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