São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997.



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MERCADO
Rastreamento de 719 processos mostra que fiscalização é deficiente
Lei prevê punição irrisória para fraudes financeiras

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

Investigação realizada pela Folha nos últimos quatro meses demonstra que o sistema financeiro é mal fiscalizado e sofre punições irrisórias quando viola a lei.
Infrações à legislação que regula os bancos -como maquiagem de balanços e concessão de empréstimos vedados por lei- tem resultado em multas de, no máximo, R$ 3.253 (ou 27 salários mínimos).
A Folha rastreou 719 processos administrativos julgados entre 1994 e 1997 pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, em Brasília (conhecido no mercado como o "conselhinho").
Órgão paritário, formado por quatro representantes do governo e quatro da iniciativa privada, o conselho julga recursos contra punições aplicadas pelo BC (Banco Central) e pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários).
O levantamento mostra que, em sua grande maioria, as multas originais são diminuídas ou transformadas em meras advertências.

Letras miúdas
Embora suas decisões afetem até mesmo os bancos de grande porte -e haja casos isolados de inabilitação de dirigentes de corretoras-, elas não chegam ao conhecimento da sociedade, pois são publicadas em letras miúdas no "Diário Oficial da União".
Os vícios detectados pela reportagem -fiscalização ineficiente, apuração lenta e punições inócuas- estão na raiz dos fatos que provocaram a quebra de bancos como o Econômico e Nacional.
No momento, o Congresso discute projeto de regulamentação do sistema financeiro, prevendo maior eficácia dos órgãos de fiscalização e punições mais rigorosas.
Devido à defasagem da legislação, irregularidades graves hoje são tratadas como meras falhas administrativas, enquanto erros em procedimentos internos podem ganhar a dimensão de ilícitos.
A seguir, exemplos de irregularidades apuradas pela reportagem:
Caso nš 1: O novo presidente da ABBC (Associação Brasileira dos Bancos Comerciais), Antônio Carlos Castrucci, assumiu a entidade defendendo a auto-regulação do mercado (a tese de que os bancos podem ter menos controles).
Em 1989, quando presidia o Digibanco, do grupo Machline, ele autorizou um empréstimo à corretora do grupo, o que a legislação proíbe.
O dinheiro servia para alimentar a corrente de felicidade de Naji Nahas e outros investidores.
Por coincidência, o cheque sem fundos de Nahas, que desencadeou o episódio que quase quebrou as Bolsas de Valores, era do Digibanco.
Castrucci foi condenado a pagar R$ 3.253,00.
Caso nš 2: Joubert Furtado, chefe do Departamento de Operações das Reservas Internacionais do BC até setembro último, e diretor de administração do banco oficial em 1990 e 1991, também foi multado em R$ 3,253 mil pelo próprio banco oficial, por infração semelhante à de Castrucci. Recorreu e perdeu.
Diretor do Banco Boavista até 1987, Furtado autorizou empréstimo para capital de giro da corretora do mesmo grupo, o que é ilegal.
Caso nš 3: Pedro Henrique Mariani Bittencourt, presidente da Anbid (Associação Nacional dos Bancos de Investimento), foi representante da entidade no "conselhinho" e considerado um julgador independente.
Bittencourt foi multado por concessão de empréstimo pelo Banco da Bahia Investimentos -que ele preside- a uma empresa de cujo capital o banco participa com mais de 10% (operação vedada).
Também teve seu recurso rejeitado, mas continuou no conselho.
Caso nš 4: Em setembro último, o Bradesco teve confirmada pelo conselho uma multa de cerca de R$ 1 milhão por operação cambial irregular em 1980 (a legislação cambial prevê multas maiores que as da lei bancária).
O processo envolvia guias de importação falsas em transação da Chrysta Comércio, Importação e a corretora Célio Pelágio, do Rio. A multa original alcançava três vezes o valor da operação (que foi de US$ 1,7 milhão). O representante da Febraban no conselho propunha uma multa de apenas R$ 3,253 mil, alegando que não houve intenção dolosa (teria havido apenas negligência do banco, que responde pela identidade do cliente).
Apesar da penalidade alta, o fato não veio a público e o valor da multa sequer foi divulgado no "Diário Oficial".
Caso nš 5: O Unibanco foi multado em R$ 2,456 mil sob acusação de empréstimo vedado a empresas ligadas e artifício de operações "casadas", com outros grupos financeiros, "a taxas discrepantes em relação ao mercado". O BC suspeitou de "troca de chumbo", por meio de triangulação.
O Unibanco também teve multa transformada em advertência por elevação de depósitos no último dia de cada mês, "mediante operações casadas". O BC suspeitou de elevação artificial dos balanços.
Caso nš 6: O "conselhinho" arquivou recentemente processo contra o Banco Nacional e Clarimundo José de Sant'Anna (diretor acusado de ter mantido longe dos fiscais do BC, por muitos anos, 652 contas fantasmas). Por unanimidade, o conselho considerou que não havia nos autos "indícios que caracterizassem embaraço à fiscalização do Banco Central".



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