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MERCADO
Rastreamento de 719 processos mostra que fiscalização é deficiente
Lei prevê punição irrisória
para fraudes financeiras
FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local
Investigação realizada pela Folha nos últimos quatro meses demonstra que o sistema financeiro é
mal fiscalizado e sofre punições irrisórias quando viola a lei.
Infrações à legislação que regula
os bancos -como maquiagem de
balanços e concessão de empréstimos vedados por lei- tem resultado em multas de, no máximo, R$
3.253 (ou 27 salários mínimos).
A Folha rastreou 719 processos
administrativos julgados entre
1994 e 1997 pelo Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional, em Brasília (conhecido no
mercado como o "conselhinho").
Órgão paritário, formado por
quatro representantes do governo
e quatro da iniciativa privada, o
conselho julga recursos contra punições aplicadas pelo BC (Banco
Central) e pela CVM (Comissão de
Valores Mobiliários).
O levantamento mostra que, em
sua grande maioria, as multas originais são diminuídas ou transformadas em meras advertências.
Letras miúdas
Embora suas decisões afetem até
mesmo os bancos de grande porte
-e haja casos isolados de inabilitação de dirigentes de corretoras-, elas não chegam ao conhecimento da sociedade, pois são publicadas em letras miúdas no
"Diário Oficial da União".
Os vícios detectados pela reportagem -fiscalização ineficiente,
apuração lenta e punições inócuas- estão na raiz dos fatos que
provocaram a quebra de bancos
como o Econômico e Nacional.
No momento, o Congresso discute projeto de regulamentação do
sistema financeiro, prevendo
maior eficácia dos órgãos de fiscalização e punições mais rigorosas.
Devido à defasagem da legislação, irregularidades graves hoje
são tratadas como meras falhas administrativas, enquanto erros em
procedimentos internos podem
ganhar a dimensão de ilícitos.
A seguir, exemplos de irregularidades apuradas pela reportagem:
Caso nš 1: O novo presidente da
ABBC (Associação Brasileira dos
Bancos Comerciais), Antônio Carlos Castrucci, assumiu a entidade
defendendo a auto-regulação do
mercado (a tese de que os bancos
podem ter menos controles).
Em 1989, quando presidia o Digibanco, do grupo Machline, ele
autorizou um empréstimo à corretora do grupo, o que a legislação
proíbe.
O dinheiro servia para alimentar
a corrente de felicidade de Naji Nahas e outros investidores.
Por coincidência, o cheque sem
fundos de Nahas, que desencadeou o episódio que quase quebrou as Bolsas de Valores, era do
Digibanco.
Castrucci foi condenado a pagar
R$ 3.253,00.
Caso nš 2: Joubert Furtado, chefe
do Departamento de Operações
das Reservas Internacionais do BC
até setembro último, e diretor de
administração do banco oficial em
1990 e 1991, também foi multado
em R$ 3,253 mil pelo próprio banco oficial, por infração semelhante
à de Castrucci. Recorreu e perdeu.
Diretor do Banco Boavista até
1987, Furtado autorizou empréstimo para capital de giro da corretora do mesmo grupo, o que é ilegal.
Caso nš 3: Pedro Henrique Mariani Bittencourt, presidente da
Anbid (Associação Nacional dos
Bancos de Investimento), foi representante da entidade no "conselhinho" e considerado um julgador independente.
Bittencourt foi multado por concessão de empréstimo pelo Banco
da Bahia Investimentos -que ele
preside- a uma empresa de cujo
capital o banco participa com mais
de 10% (operação vedada).
Também teve seu recurso rejeitado, mas continuou no conselho.
Caso nš 4: Em setembro último,
o Bradesco teve confirmada pelo
conselho uma multa de cerca de
R$ 1 milhão por operação cambial
irregular em 1980 (a legislação
cambial prevê multas maiores que
as da lei bancária).
O processo envolvia guias de importação falsas em transação da
Chrysta Comércio, Importação e a
corretora Célio Pelágio, do Rio. A
multa original alcançava três vezes
o valor da operação (que foi de
US$ 1,7 milhão). O representante
da Febraban no conselho propunha uma multa de apenas R$ 3,253
mil, alegando que não houve intenção dolosa (teria havido apenas
negligência do banco, que responde pela identidade do cliente).
Apesar da penalidade alta, o fato
não veio a público e o valor da
multa sequer foi divulgado no
"Diário Oficial".
Caso nš 5: O Unibanco foi multado em R$ 2,456 mil sob acusação
de empréstimo vedado a empresas
ligadas e artifício de operações
"casadas", com outros grupos financeiros, "a taxas discrepantes
em relação ao mercado". O BC
suspeitou de "troca de chumbo",
por meio de triangulação.
O Unibanco também teve multa
transformada em advertência por
elevação de depósitos no último
dia de cada mês, "mediante operações casadas". O BC suspeitou
de elevação artificial dos balanços.
Caso nš 6: O "conselhinho" arquivou recentemente processo
contra o Banco Nacional e Clarimundo José de Sant'Anna (diretor
acusado de ter mantido longe dos
fiscais do BC, por muitos anos, 652
contas fantasmas). Por unanimidade, o conselho considerou que
não havia nos autos "indícios que
caracterizassem embaraço à fiscalização do Banco Central".
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