São Paulo, sexta-feira, 25 de maio de 2001

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Eletricidade chega a município na era do apagão

DO ENVIADO ESPECIAL AO VALE DO CARIRI

Os 30 alunos do curso noturno de alfabetização de adultos da Escola Municipal Valdemar de Alencar Lima, na serra da Perua, a 35 km da sede do município de Araripe (CE), já estavam acostumados com as aulas iluminadas por lampiões a gás. Agora, a partir de 8 de junho, uma semana depois de o país entrar na era do racionamento, tudo vai mudar.
Nesse dia, vai ser acionado o "Mané Magro", como é conhecido um gafanhoto da região, apelido dado pelos alunos ao catavento de alumínio que gerará energia eólica (produzida pelo vento) suficiente não só para iluminar a sala de aula, mas também para ligar um aparelho de TV.
"Já fizemos uma revoluçãozinha aqui", diz a diretora Maria das Graças Parente Almeida, 51, que chegou a Araripe há três anos, quando a escola só tinha 20 alunos. Hoje, tem quase 200.
Foi uma revolução bem caseira. Quem desenvolveu e montou o catavento foi o marido de Maria das Graças, Adauto Manoel de Paula Almeida, 49, ex-executivo de multinacional e ex-empresário de informática, que se apaixonou pela serra do Araripe, largou tudo e resolveu criar bodes.
Há um ano, ele comprou um catavento para puxar água na sua casa. Observando seu funcionamento, resolveu adaptá-lo para conseguir energia eólica. Como funcionou bem na casa do casal, gastou mais R$ 1.300 para montar outro catavento e o instalou na escola, ligado a uma bateria de carro de 12 volts. Deu certo.
Mas Adauto, que montou o primeiro microcomputador no Nordeste há 15 anos e chegou a ter mais de 300 empregados na sua empresa, a Corisco, nem pensa em patentear o engenho, montar uma fábrica e começar tudo de novo. "Quem quiser fazer igual que faça, eu até ajudo."
Formada em pedagogia, com especialização em orientação educacional, Maria das Graças não vê a hora de aposentar os lampiões e instalar o monitor de televisão. "Agora, vamos ter o telecurso aqui para ajudar os professores nas aulas. Além disso, vou abrir a escola aos domingos para que a comunidade toda possa ver futebol e filmes na TV."
Assistir à televisão por aqui ainda é um luxo. Mas, a poucos quilômetros da escola, às margens da estrada da Taboquinha, entre Araripe e Exu, ninguém se queixa da falta de energia elétrica.
Na vizinha serra da Ingá, 50 famílias habituaram-se a desenvolver energias alternativas. Na casa de Francisco Raimundo Gomes, por exemplo, os aparelhos de som e de TV funcionam ligados numa bateria de carro.
A cada semana, a bateria é recarregada na feira de sábado em Exu, a 28 km dali, ao módico preço de R$ 2. Na casa de farinha, o motor é movido a gás.
Há um ano, o professor Raimundo Nogueira Soares, 47, ilumina a casa com energia solar. A placa instalada diante da casa, que alimenta uma bateria de caminhão, custou cerca de R$ 1.500.
"Agora, só falta juntar dinheiro para comprar uma televisão", sonha Raimundo, que ganha R$ 180 para dar quatro horas e meia de aula por dia. Na estrada da Taboquinha, pelo menos, o racionamento de energia não mete medo.



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