UOL

São Paulo, domingo, 25 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

REGIME MILITAR

Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos vai pedir ajuda da Promotoria para retomar exumações

Famílias planejam novas buscas em Perus

MÁRIO MAGALHÃES
DA SUCURSAL DO RIO

Uma das feridas mais profundas que o regime militar (1964-85) deixou sem cicatrização, o sumiço dos corpos de pelo menos 152 oposicionistas, vai ganhar novo capítulo. A Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos pedirá ajuda ao Ministério Público para retomar as exumações no cemitério Dom Bosco, em Perus (zona norte paulistana).
A decisão foi tomada depois que uma equipe de médicos-legistas da USP (Universidade de São Paulo) concluiu que três ossadas, das quais uma se presumia ser do guerrilheiro Hiroaki Torigoe (1944-72), têm dados discordantes com o corpo do militante.
Ou seja: são incompatíveis com as características antropométricas de Torigoe e, portanto, não devem ser dele. Integrante do Molipo (Movimento de Libertação Popular), Torigoe morreu sob tortura no dia 5 de janeiro de 1972, no DOI-Codi paulista, o mais violento centro repressivo mantido pelos militares. No Molipo militava o hoje ministro José Dirceu (Casa Civil).
Numerosos presos testemunham que um dos nove torturadores que assassinaram Torigoe foi o delegado Aparecido Laerte Calandra, que atuava nos porões com o codinome de Capitão Ubirajara. Hoje Calandra, que nega ter sido Ubirajara, é o principal assessor do chefe do Departamento de Inteligência da Polícia Civil paulista. Procurado, disse não poder dar entrevista.
A versão oficial foi de que Torigoe morreu em tiroteio. Seu corpo foi comprovadamente enterrado em Perus com a identificação falsa de Massahiro Nakamura. Seus supostos restos foram descobertos em 1992.
Uma equipe da Unicamp (Universidade de Campinas) exumou as três ossadas que os registros do cemitério indicavam ser, uma delas, de Torigoe.
Duas integrantes da comissão de parentes, Suzana Lisboa e Maria Amélia de Almeida Teles, dizem que o legista da Unicamp Fortunato Badan Palhares relatou reiteradas vezes que o esqueleto seria de um homem de origem oriental, como Torigoe.
Suzana Lisboa representa as famílias na comissão do Ministério da Justiça criada por lei de 1995 que julga a responsabilidade do Estado e o pagamento de eventuais indenizações pecuniárias por mortes e desaparecimentos ocorridos na ditadura.
Por unanimidade, a comissão considerou a União responsável pela morte de Torigoe. Por intermédio de advogado, Palhares assegura que sustentou o contrário: que as três ossadas não tinham características morfológicas de Torigoe. Não poderiam ser dele.
Colega de Palhares, o legista José Eduardo Bueno Zappa diz, pelo mesmo advogado, que nunca afirmou que os restos talvez fossem do guerrilheiro.
O pedido de novas buscas será feito ao Ministério Público Federal, que precisaria requisitar à Justiça autorização para exumações.
O advogado Luís Francisco Carvalho Filho, presidente da comissão do Ministério da Justiça, afirmou que apóia a iniciativa das famílias. "Há uma série de problemas de localização no cemitério. Todos os esforços para uma identificação mais precisa serão bem-vindos. Cabe à comissão apoiar as medidas importantes para a identificação de pessoas."
Maria Amélia Teles diz que é necessário "um investimento mais contundente do Estado". "Se dependesse só dos familiares, já teríamos encontrado todos que temos procurado."


Texto Anterior: Vôo cego: Controladores da Varig são destituídos
Próximo Texto: Perus abrigou cadáveres sem identificação
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.