São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997.



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Legislação defasada provoca desigualdade, diz procuradora

da Reportagem Local

"A legislação está defasada, criminaliza condutas que não são tão perigosas e outras, perigosas, não são consideradas crime."
A avaliação é da subprocuradora da República Ela Wiecko Wolkner de Castilho, autora de tese de doutorado em Direito sobre a impunidade dos crimes financeiros.
A pedido da Folha, ela analisou as súmulas de processos julgados pelo "conselhinho" e selecionados pelo jornal (isto é, casos julgados na esfera administrativa).
Para elaborar a sua tese de doutorado, Castilho fez um rastreamento de casos enquadrados na lei do "colarinho branco" durante o período de 1986 a 1995.
De 682 casos comunicados pelo BC ao Ministério Público, apenas 77 haviam sido julgados e somente 5 tinham resultado em condenação, na data final da coleta, segundo o rastreamento de Castilho.
Situação desigual
O levantamento de Castilho envolve crimes contra o sistema financeiro nacional (Lei nš 7.492, de 1986); o da Folha alcança principalmente os definidos na lei bancária (Lei nš 4.595, de 1964).
Ao comparar os dois rastreamentos, ela identificou -numa leitura preliminar- uma situação de desigualdade: "Fatos graves são apenas infrações administrativas e outros, não tão graves, são punidos penalmente", diz Castilho.
"Os temas dos recursos ao conselho também estão presentes nas ações criminais, mas eu não consigo saber por que alguns ficaram no conselho, e não foram encaminhados ao Ministério Público, e por que outros foram (para eventual instauração de inquérito ou ação penal)", observa.
Filtro generoso
Castilho diz que gostaria de investigar "por que, nos casos de empréstimo de um banco a uma empresa ligada, algumas vezes o BC encaminha ao Ministério Público e outras vezes não. E por que, algumas vezes, impõe uma multa e, em outras, apenas adverte".
Castilho responsabiliza o BC pelo elevado grau de impunidade dos crimes financeiros, embora aponte deficiências na fase de apuração e no trabalho do Ministério Público e do Poder Judiciário.
"É o BC quem decide, fundamentalmente, quais são os fatos que geram prejuízo ao sistema financeiro e que pessoas deverão se submeter à repressão penal", diz.
"A seleção básica é feita mediante o uso de parâmetros pouco transparentes e dificilmente questionáveis em face do sigilo bancário". "A filtragem é generosa", afirma a subprocuradora.
Ela lista os mecanismos que explicariam o reduzido número de casos comunicados pelo BC: a) falta de fiscalização ou fiscalização ineficiente das instituições financeiras; b) a demora, deficiência ou ausência na comunicação das infrações constatadas e c) o acordo com o infrator.
Ela diz que "os funcionários graduados do Banco Central agem com alto grau de discricionariedade, justificando as soluções adotadas como as únicas possíveis para evitar prejuízos ao sistema financeiro ou ao mercado cambial".
Boa vontade
"Provavelmente, em nenhum outro setor da criminalidade há tanta boa vontade dos agentes estatais de buscar soluções negociadas e alternativas menos traumáticas para os infratores, invocando-se o interesse público", diz.
"Não dispomos de qualquer investigação séria sobre a criminalidade econômica", afirma Castilho. No censo penitenciário de 1994 não consta registro de presos cumprindo pena pela prática de crimes contra o sistema financeiro, diz.
O BC não comentou a tese de Castilho. (FV)



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