São Paulo, sábado, 25 de julho de 1998

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OS CANDIDATOS
Eleito senador e governador com votações expressivas, candidato tenta se reabilitar após derrota em 94
Após escândalos, Quércia tenta mudar sua imagem


"Levei muita patada. Mas provei que era tudo mentira", afirma candidato, que ficou em quarto lugar na última eleição presidencial, com 4,38% dos votos, atrás de Enéas Carneiro (Prona)


EMANUEL NERI
da Reportagem Local

Após uma ascensão fulminante, de prefeito de Campinas a governador de São Paulo, Orestes Quércia (PMDB), 59, está agora diante de um desafio -mostrar que seu futuro político não está sepultado.
Quércia entrou em decadência política com a enxurrada de acusações de irregularidades que teve de responder judicialmente e com um quarto lugar na última eleição à Presidência da República.
Em outubro, Quércia tentará recuperar o Palácio dos Bandeirantes. Se ganhar a eleição, possibilidade hoje remota, fará renascer sua liderança no país. Se perder, pode sepultar seu futuro político.
Ao longo de toda a sua atividade política, Quércia viveu mais momentos de vitórias do que de derrotas. Senador e governador de São Paulo, eleito sempre com votações expressivas, experimentou seu primeiro grande tropeço na eleição presidencial de 1994.
Quarto colocado naquela eleição, com apenas 4,38% dos votos, atrás de Enéas Carneiro (Prona), Quércia não se aprumou mais de lá para cá. Na atual campanha, segundo o Datafolha, é o quinto colocado, com 9% dos votos.
Se voltar a perder em outubro, será seu terceiro tropeço eleitoral. Além da eleição presidencial de 94, perdeu sua primeira disputa eleitoral -para vereador de Campinas, em 1959, aos 21 anos.
Foi eleito vereador de Campinas em 1963 e deputado estadual em 1966, já pelo MDB, que ajudou a fundar em São Paulo. Dois anos depois, elegeu-se prefeito de Campinas e, em 1974, deu o grande pulo eleitoral, elegendo-se senador.
O grande favorito era o ex-governador Carvalho Pinto, da Arena, apoiado pelos militares. Quércia saiu praticamente do anonimato para se eleger com 4.630.182 votos, quase três milhões a mais do que seu adversário.
Apesar das acusações de desmandos administrativos, que já começavam a grudar na sua imagem política, elegeu-se em 1982 vice-governador paulista, na chapa de Franco Montoro.
Mesmo sem contar com a simpatia de Montoro e de uma parcela significativa do PMDB, entre os quais se encontrava Fernando Henrique Cardoso, conseguiu se eleger governador em 1986.
Quatro anos mais tarde, obteve outra façanha -eleger o desconhecido Luiz Antonio Fleury como seu sucessor. Em 1989, em alta nas pesquisas, seu nome foi cogitado para presidente.
Na época, preferiu permanecer no governo, apoiou sem muito entusiasmo a campanha presidencial de Ulysses Guimarães e aguardou a próxima peleja presidencial. Ajudado por um bom esquema publicitário, achou que sua popularidade duraria para sempre.
Saiu do governo em alta, com 50% da população julgando ótima ou boa sua administração, contra 12% de ruim e péssimo, mas mergulhou logo depois em seu inferno eleitoral. Sua imagem foi abalada por acusações de corrupção.
Algumas dessas acusações começaram quando ainda era prefeito de Campinas, mas o grosso ocorreu em sua passagem pelo Palácio dos Bandeirantes. Parte dessas irregularidades foi protagonizada por amigos e parentes.
É o caso do escândalo "Banespa/Ceccato", em que o banco estadual perdeu US$ 55 milhões em operações financeiras. Na época, o presidente do Banespa era Otávio Ceccato, amigo e homem de confiança do então governador.
Outro escândalo, conhecido por "Raspadinha", suposto privilégio a uma empresa para explorar a loteria instantânea, estourou na Caixa Econômica Estadual, dirigida por Flávio Chaves, outro amigo.
As acusações continuaram vindo à tona mesmo depois que Quércia deixou o governo. Envolviam a venda da Vasp, a construção do Memorial da América Latina e superfaturamento em obras. Um dos envolvidos era o seu primo Alfredo Almeida Júnior.
Mas o caso mais explosivo, revelado pela Folha, foi a compra de equipamentos israelenses por US$ 310 milhões para as universidades estaduais e as Polícias Civil e Militar. O negócio, feito sem licitação, representou perdas de US$ 40 milhões para os cofres paulistas.
Apesar da enxurrada de acusações, saiu ileso de praticamente todas as ações que enfrentou na Justiça. No caso dos equipamentos de Israel, restam processos na área cível -os criminais foram arquivados. "Levei muita patada. Mas provei que era tudo mentira."
Para amigos e correligionários, a campanha eleitoral deste ano é uma boa oportunidade para Quércia tentar mudar sua imagem. "Se eu não fosse candidato em São Paulo, o PMDB teria seus dias contados", afirma.
Ao disputar uma eleição com reduzidas chances de êxito, segundo ex-aliados, Quércia segue o modelo adotado por Paulo Maluf. A exemplo de Quércia, Maluf foi alvo de inúmeras acusações de desmandos públicos. Por causa delas, Maluf perdeu seguidas eleições, mas investiu em marketing político e se reabilitou eleitoralmente.
A exemplo de Maluf, Quércia parece ter obsessão por cargos públicos. Rico, pai de cinco filhos -um deles com a ex-cabeleireira Santa Corssini, antes de seu casamento com a médica Alaíde Barbosa Ulson-, não enfrenta problemas de dinheiro na campanha.
De origem pobre, Quércia vendia pedaços de melancia na estação de trem de Pedregulho (435 km a norte de São Paulo), onde nasceu. Depois, comprava bicicletas velhas para recuperá-las e revendê-las mais tarde.
Sua vida mudou em Campinas (SP), para onde foi aos 17 anos com os pais e os dois irmãos - Vicente, um ano mais velho, e Maria Alice, quatro anos mais nova.
Começou com uma pequena mercearia, depois montou uma fábrica de fubá e outra de compotas de manga. Mais tarde, comprou um consórcio e vendeu 3.000 carros. Com o dinheiro, comprou uma fazenda em Pedregulho.
Mas a fortuna de Quércia, avaliada em mais de R$ 20 milhões, só começou a crescer quando, prefeito de Campinas, comprou sua primeira imobiliária e investiu na venda de loteamentos. Quércia diz que seu patrimônio cresceu entre 1974 e 1982. "Na época em que eu era senador da oposição."
A versão dada por seus adversários é a de que ele comprou terrenos em áreas da periferia que seriam beneficiadas mais tarde por projetos de melhoria urbana da prefeitura administrada por ele. "Isso não existe", disse Quércia.
O fato é que hoje, além de empreendimentos imobiliários, é dono de uma fazenda em Pedregulho, em que cria gado, planta café e laranja. É dono de rede de comunicação que conta com rádios, emissoras de TV e jornais, como o "Diário Popular", de São Paulo.
Afável com amigos e correligionários, Quércia é duro no trato com adversários, principalmente quando se trata de ex-aliados. Seu rompimento com Fernando Henrique começou na disputa pelo governo paulista em 1986.
"Quem for traidor e não quiser me apoiar, que vá para o diabo que o carregue", afirmou naquele ano, ao perceber que FHC, então no PMDB, emitia sinais de simpatia pela candidatura de Antonio Ermírio de Moraes, do PTB. Eleito, barrou a tentativa de FHC de indicar Sérgio Motta para presidir a Eletropaulo em seu governo.
Um de seus grandes êxitos foi a eleição de seu sucessor Luiz Antonio Fleury Filho, totalmente desconhecido até ser lançado a governador. Nega ter dito uma frase atribuída a ele: "Quebrei o Estado, mas elegi meu sucessor".
Rompeu depois com Fleury. O motivo teria sido o apoio por baixo do pano que Fleury deu à candidatura FHC. "Traidor", "canalha" -foram os adjetivos mais suaves dirigidos ao ex-amigo.
No campo ideológico, já sinalizou à esquerda e à direita. Compareceu a atos de apoio aos grevistas metalúrgicos do ABC, em 1979, e à missa pela morte do jornalista Vladimir Herzog, em 1975.
No Senado, foi o primeiro parlamentar a propor a aprovação de um Congresso constituinte. Defendeu a criação de uma CPI para apurar violações de direitos humanos, mas não se empenhou na defesa de presos políticos.
No lado oposto, elogiou atos do regime militar, que chegou a bloquear seus bens em 1977 por suspeita de enriquecimento ilícito. Em São Paulo, não move uma pedra para evitar que vereadores ligados a ele se aliem a blocos conservadores, como o malufismo.
Chamado por Tancredo Neves de o "mais mineiro dos políticos paulistas", ele é devoto de São Pedro e de Nossa Senhora Aparecida, vai a missa aos domingos e carrega um crucifixo no pescoço, que costuma beijar em horas difíceis.
Bem conservado, com 1,83 m de altura, gosta de correr todas as manhãs. Vaidoso, usa produtos nos cabelos para evitar os fios brancos. Em 1977, fez uma cirurgia plástica para corrigir o nariz.
Soube no ano passado que sofria de câncer na próstata. Foi submetido a um tratamento de radioterapia que manteve a doença sob controle. "Foi um choque impressionante, terrível", disse. "Vou trabalhar mais 30 anos."



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