São Paulo, domingo, 25 de agosto de 2002

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NO PLANALTO

Jovem destemido ou Bonaparte do sertão

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Autoritário ou enérgico? Arrogante ou determinado? Imprudente ou corajoso? O estilo de liderança a que se propõe Ciro Gomes constitui um enigma.
José Serra apregoa que as primeiras alternativas são as verdadeiras. Ciro seria truculento, aventureiro, "desprovido de equilíbrio mental".
Com um pé no segundo turno, Ciro calibra o discurso. Tenta provar que as segundas opções são as corretas. Seria brioso e arrojado. Mas não insensato.
O embate foi levado ao horário eleitoral por um Serra disposto a travessuras compatíveis com a sua estatura de Garotinho. Mas já havia transbordado do ambiente dos comitês de campanha para rodas mais politizadas do eleitorado.
À falta de coisa melhor para festejar, os marqueteiros de Serra celebram o "estancamento" da trajetória ascendente do rival nas pesquisas. Cautelosos, aliados de Ciro o aconselharam a moderar o linguajar.
O rol de conselheiros inclui de Tasso Jereissati a Antonio Carlos Magalhães. Sim, até ele, o babalorixá da malvadeza, acha que Ciro deve medir os vocábulos, para não submeter a riscos desnecessários a posição que ostenta nas pesquisas.
Abra-se um parêntese para lembrar que ACM se notabilizou pela crítica contumaz ao estilo acomodatício de FHC. Peitou a autoridade presidencial a mais não poder. Até debaixo do teto do Alvorada.
Como em maio de 1999, num encontro testemunhado por Pimenta da Veiga, Jorge Bornhausen e Marco Maciel. FHC cobrava coesão dos aliados. "Tudo bem, mas você precisa se ajudar", alfinetou ACM.
O presidente saltou da cadeira: "Como assim?". E ACM: "O seu estilo está superado. É preciso mais ação". FHC se eriçou: "Com esse meu estilo ganhei duas eleições".
ACM persistiu: "O Getúlio ganhou três e terminou dando um tiro no peito". E FHC: "Eu não tenho o seu jeito. Não sou brigão. Nem por isso fujo da responsabilidade. Combati a Oban em São Paulo. Fui encapuzado, interrogado".
Antes que Bornhausen e Maciel providenciassem panos quentes, ACM ainda disse: "Isso não me impressiona, presidente. Nessa época eu dava tapa em general". Referia-se a entrevero que teve, em 1965, com o general João Costa.
Era deputado federal pela Arena. O general, que comandava a 6ª Região Militar, em Salvador, acusou-o de espalhar boatos sobre um caso extramatrimonial que jurava inverídico. Encontraram-se na sede do governo baiano. Deu-se num pequeno elevador o ápice do sururu. Sob os olhos esbugalhados de Lomanto Júnior, então governador da Bahia.
Enfezado, o general se dirigiu a ACM com o dedo em riste e a voz no teto. ACM golpeou-lhe o quepe, lançando-o ao chão. Minutos depois, isolados numa sala do Palácio da Aclamação, ACM contou ao desafeto que ouvira sobre sua suposta amante dos lábios de outro general: Ernesto Geisel, então chefe do Gabinete Militar de Castelo Branco. Fecha parêntese.
Suponha-se, apenas para efeito de raciocínio, que a cena de 1999, em Brasília, tivesse não FHC, mas Ciro na pele de presidente. Talvez o poder de persuasão de Maciel e Bornhausen fosse insuficiente para evitar que as paredes do Alvorada testemunhassem uma histórica cena de pugilato envolvendo duas almas mercuriais. Almas que, eleito Ciro, estarão condenadas à convivência.
Ao recolher os farrapos do Centrão que FHC foi deixando pelo caminho, Ciro chega às portas de Brasília enrolado numa colcha de apoios que mistura, em tormentosa fraternidade, gregos e baianos, Robertos para todos os gostos -de Jeffersons a Freires. Eleito, terá uma usina particular de conflitos.
De resto, a exposição ao contraditório é indissociável da Presidência da República assim como a ignição instantânea é inseparável do DNA de Ciro. Cabe ao candidato mostrar-se disposto à civilizada fricção de pontos de vista.
Geisel, o último presidente forte que os brasileiros conheceram, dispunha de ferramenta que o eximia da costura de bases congressuais: o AI-5. Fernando Collor, o último a confundir "aquilo roxo" com força, teve fim conhecido.
Ciro leva sobre Collor vantagens que desautorizam comparações fáceis: tem uma biografia a exibir, e dela não consta que seja dado ao furto. Tampouco há em seu histórico os elogios a Hugo Chávez que pendem da ficha de Lula da Silva.
Mas não será chamando fotógrafos de babacas ou mandando às favas o mercado que sedimentará a imagem de um líder confiável. A legítima onda de questionamentos aos candidatos vai aumentar. Nesse jogo, não há perguntas embaraçosas, só respostas constrangedoras. Ciro pode continuar dizendo que a imprensa é governista e conspira a favor de Serra.
Quem acompanha o noticiário de certas publicações talvez lhe dê razão. Mas fica entendido que o lero-lero não o livrará do convívio com a contradita.
Preferindo a bajulação fácil, viverá melhor se voltar para Sobral. Lá, como revelou o repórter César Felício, o prefeito Cid Gomes, seu irmão, patrocinou, a expensas do erário municipal, a edição do livro da estudante Maria Cristina Fernandes Melo.
Chama-se "Ciro Gomes por Excelência - Síntese da Vida Pública do Maior Benfeitor da História Política do Ceará de Minha Geração". Sopa igual não vai ter. A menos que, vitorioso, nomeie El Cid para a vaga de ministro da Cultura.
 
Do fundo do guarda-roupa: Ricardo "no limite da irresponsabilidade" Sérgio, o caixa de campanhas do grão-tucanato, está na bica de virar estrela no palco eleitoral. É como diz Ciro Gomes: "Se é para rasgar roupa, vamos rasgar". Do lado de Serra, buscam-se peças novas de vestuário em Harvard. A campanha promete.


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