São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ OS INTELECTUAIS

Em evento, Francisco de Oliveira cita como saídas para partido separar "petismo" de "lulismo" e afastar dirigentes responsáveis por crise

"Gangues" podem dominar PT, diz sociólogo

LUIZ FERNANDO VIANNA
ENVIADO ESPECIAL A BELO HORIZONTE

Dissociar o "petismo" do "lulismo" e afastar do comando do partido os dirigentes responsáveis pela crise atual são as únicas saídas para o PT continuar existindo. Foi o que afirmou o sociólogo Francisco de Oliveira ontem em palestra, em Belo Horizonte, dentro do seminário "O Silêncio dos Intelectuais".
Oliveira, que rompeu ruidosamente com o PT em 2003, ainda no início do governo Lula, disse que a legenda corre o risco de se transformar em um "partido de gangues".
"É a gangue do ex-tesoureiro, do ex-secretário-geral, dos publicitários. Seria uma tragédia se isso acontecesse", disse ele, acrescentando que, "no limite, o PT pode até desaparecer". "Não é o meu desejo, mas, se continuar com esse tipo de conduta, corre risco de desaparecer."
Para o sociólogo, um péssimo futuro para o PT seria repetir o que houve com o peronismo na Argentina. "Morreu o líder carismático, a cúpula se desligou das bases e virou um vale-tudo. O PT já parece uma luta de vale-tudo."
Ele ressaltou que não espera um expurgo do grupo de José Dirceu, pois é "coisa medieval", mas que os militantes mudem o comando do partido nas próximas eleições internas, programadas para o mês que vem.
Oliveira foi irônico ao falar sobre a responsabilidade de Lula nos casos de corrupção no governo. "Só ele não sabia que membros do PT roubavam? Muita gente sabia e ele não? Ah, não vai dar uma de Adão: "foi Eva"."
Segundo Oliveira, já está na hora de os intelectuais deixarem de ser complacentes com Lula por causa de sua origem operária. "Os únicos erros permitidos em razão dessa origem são os de português. Ele é um homem de Estado, tem 25 anos de PT, não pode dar uma de inocente", declarou.
Esse comentário sucedeu à crítica que Oliveira fez à filósofa Marilena Chaui, expoente da intelectualidade do PT que, na abertura do seminário, segunda-feira, no Rio, disse que há momentos em que o silêncio é o dever de um intelectual, para que não seja irresponsável e leviano.
"Ele [o intelectual] não tem o direito de se calar. Não pode ser inocente útil. Não pode desconsiderar a pesada dívida do século 20. Não estou dizendo que este governo poderá produzir um desastre semelhante ao que outros produziram, mas a tarefa do intelectual é pôr o dedo na ferida", disse Oliveira.
Para ele, a "Carta ao Povo Brasileiro", produzida pela campanha de Lula em junho de 2002, já era um aviso de que o PT viraria um "partido da iniqüidade". "Não é possível pagar o que se paga de juros da dívida pública e da dívida externa", afirmou, referindo-se a duas promessas da carta.
Oliveira disse que foi o PT quem levantou a bandeira da ética na política e seria "uma grande perda" se isso fosse derrotado pela crise. Mas ele acredita ser possível o contrário: "Talvez algo de bom seja a retomada do clamor popular pela ética na política."
Segundo o sociólogo, seu ex-amigo Fernando Henrique Cardoso é o "grande vitorioso" da política brasileira nos últimos anos, já que "o PT adotou como suas as teses do cardosismo das quais era crítico tenaz".
Mesmo ressaltando que é o "movimento social mais importante do país", Oliveira ainda declarou que o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) não tem futuro.
"A reforma agrária não vai mudar o sistema. Não haverá uma re-ruralização do país. Isso é impossível e até indesejável. Os dirigentes do MST sabem disso, o que eles buscam é uma interlocução com movimentos sociais urbanos. Vejo chance nesse diálogo."


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