São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 2000

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QUESTÃO AGRÁRIA
Novo laudo da Unicamp contesta versão da Polícia Militar
PMs atiraram primeiro em Carajás, revela laudo

RAQUEL LIMA
DA FOLHA CAMPINAS

ANA PAULA MARGARIDO
FREE-LANCE PARA A FOLHA CAMPINAS

A Polícia Militar do Pará atirou primeiro no massacre de Eldorado dos Carajás (PA), quando 19 sem-terra foram mortos, em 17 de abril de 1996. Essa é a conclusão do Laboratório de Fonética Forense e Processamento de Imagens da Universidade Estadual de Campinas, que analisou a única fita de vídeo do conflito, a pedido do Ministério Público do Pará.
A dúvida foi levantada durante julgamento popular que absolveu três militares e foi anulado posteriormente pela Justiça do Pará.
A fita, com 9 minutos e 11 segundos, foi desmembrada em 33 frames dos quais pelo menos 7 comprovam que a polícia não atirou como forma de advertência. Os tiros de advertência foram usados como argumento no júri.
As cenas mostram integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra atingidos por disparos dos policiais na altura do abdômen, das pernas e da cabeça. O laudo revela que, antes do conflito, dois sem-terra foram feridos e pelo menos um manifestante foi morto pelas costas depois que a estrada foi liberada.
A assessoria da Polícia Militar do Pará não foi localizada para comentar o laudo: ninguém atendeu os telefonemas. A Agência Folha deixou recado com Américo Leal, advogado do comandante do coronel Mário Pantoja, mas ele não respondeu às ligações.
A perícia foi concluída no último dia 14 pelos peritos Ricardo Molina de Figueiredo e Donato Pasqual Júnior e contesta o laudo feito pelo médico-legista Fortunato Badan Palhares, realizado a pedido da Secretaria de Estado da Segurança Pública do Pará.
O laudo de Badan Palhares concluiu que a maioria dos sem-terra morreu vítima de armas brancas, o que leva a crer que manifestantes mataram os próprios companheiros. "O laudo de Badan não tinha relevância", afirmou o promotor de Curionópolis (PA) e Eldorado (PA), Marco Aurélio Lima do Nascimento, que não utilizou o laudo de Badan Palhares.
A Folha não conseguiu localizar ontem Badan Palhares. Seu advogado Nivaldo Doro disse que o médico-legista foi designado pela Unicamp para realizar um trabalho em Franco da Rocha e não poderia ser interrompido. Sobre o massacre de Eldorado do Carajás, Doro afirmou que Badan apenas forneceu um parecer, porque, à época, não teria elementos suficientes para fazer um laudo.
O Ministério Público pretende usar as imagens da fita e as informações de Molina no novo julgamento dos policiais envolvidos. "O novo julgamento deverá acontecer ainda este ano", disse o promotor Nascimento. Segundo ele, a fita digitalizada mostra um fato novo: um homem com um tiro nas costas dentro do acampamento. A cena é posterior aos tiros enfocados pelo julgamento.
Para Molina, a discussão sobre quem atirou primeiro é inócua. Segundo ele, o conflito começou antes, só que não foi gravado. A cena começa com sons de metralhadoras. "Quando começou o tiroteio, a câmara estava no acampamento, mas dá para ouvir rajadas de metralhadora", afirmou.
Molina disse que, mesmo na cena enfocada no julgamento, não há dúvida de que foi o policial quem deu o primeiro tiro. O trabalho de edição de imagens mostra que o sem-terra atirou dois segundos depois. O primeiro tiro foi dado com um minuto e 35 segundos de gravação. Antes do tiro, já existe um sem-terra caído.
A testemunha Maria Abadia Barbosa, que foi desqualificada como testemunha, foi identificada na fita. A polícia alegou que Maria Abadia tinha problemas mentais e não estava no local.


Colaborou a Agência Folha

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