São Paulo, segunda-feira, 25 de setembro de 2000

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SÃO PAULO
Diretor da Dersa afirma que vice-governador paulista foi informado de indícios de irregularidades nas licitações para privatização de rodovias paulistas em 1998, mas nada fez
Alckmin ignorou indícios de fraude

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Vice-governador e responsável pelo programa de privatização de São Paulo em 1998, Geraldo Alckmin foi informado de que havia indícios de que as licitações para a privatização de cinco estradas teriam sido fraudadas e não fez nada, segundo Celson Ferrari, diretor da Dersa (Desenvolvimento Rodoviário S/A).
Os indícios de fraude são dois documentos, com firma reconhecida em cartório, que antecipavam os vencedores da disputa.
A suspeita de fraude não é nova: a própria Folha e a revista "IstoÉ" noticiaram o caso em 1998. A novidade é que um diretor da Dersa, representante dos funcionários, diz que fez as informações chegarem a Alckmin, por intermédio de um conhecido comum cujo nome prefere não revelar, antes de a suspeita ter sido remetida ao Ministério Público. Segundo Ferrari, o então vice-governador teria dito que o caso não era com ele porque havia deixado o programa de privatização.
Alckmin saiu da presidência do conselho do PED (Programa Estadual de Desestatização) no dia 2 de abril de 1998. Afirma não se recordar de ter sido avisado sobre a suspeita de fraude (leia texto nesta página).

Investigações
O Ministério Público Estadual não tem a data exata em que começou a averiguar as suspeitas de fraude. O único dado preciso é que, em 7 de maio de 1998, o caso foi encaminhado ao então procurador-geral de Justiça do Estado, Luiz Antonio Marrey, porque havia a suspeita de que o governador Mário Covas (PSDB) estaria envolvido -só o procurador-geral pode investigar o governador.
"Antes de enviar ao procurador-geral, fiz uma pré-avaliação que demorou mais de 30 dias. Mas não lembro com precisão da data que recebi a denúncia", afirma o promotor Clilton Guimarães, que iniciou a investigação.
Como não ficou provado o suposto envolvimento do governador, o caso retornou à promotoria da Cidadania em abril deste ano.
"Vamos fazer uma investigação cuidadosa porque isso é uma bomba atômica", diz o promotor Fernando Capez, que investiga a suspeita.
As cinco estradas atingem 1.105 km, o equivalente à distância que separa São Paulo de Porto Alegre. Para permitir que empresas explorem as praças de pedágio delas, o governo receberá R$ 2,36 bilhões até 2018.

Resultado antecipado
Assinado em 10 de dezembro de 1997 e com firma reconhecida em cartório dois dias depois, o primeiro desses documentos declarava quais seriam os consórcios vencedores da privatização de duas das principais rodovias paulistas (o sistema Bandeirantes-Anhanguera e a Castelo Branco) e duas estradas de menor movimento (veja no quadro ao lado).
Todos os nomes dos consórcios vencedores estavam corretos -havia algumas omissões dos integrantes dos consórcios e uma previsão errada, de que um banco integraria o grupo que administra a rodovia Castello Branco.
No caso do sistema Bandeirantes-Anhanguera, o resultado da licitação foi registrado 59 dias antes da abertura das propostas financeiras e 87 dias antes de o vencedor ter sido homologado.
Só por esse contrato, o consórcio vencedor, a Autoban, pagará US$ 1,551 bilhão ao governo num período de 20 anos em troca do direito de explorar o pedágio nessas duas rodovias.
O segundo dos documentos, datado de 9 de janeiro de 1998 e com firma reconhecida em cartório no mesmo dia, cravava que a Primav ganharia a concessão do sistema Anchieta-Imigrantes. No dia 1º de abril (81 dias depois de o documento ter sido registrado), a Primav foi apresentada como a vencedora da concorrência.
O diretor da Dersa diz que, se não tivesse havido fraude, o Estado receberia mais pelas concessões das rodovias (leia texto nesta página). "Houve um conluio entre empreiteiras para pagar o menor valor possível", afirma.

Informante
Ferrari afirma que ficou sabendo do resultado das licitações por meio de um informante da Secretaria de Transportes.
Antes de entregar os documentos ao Ministério Público, Ferrari diz que tentou falar com o governador Mário Covas e passou a informação a um conhecido de Alckmin.
"Eu não queria fazer uma exploração política do caso. Tentei falar com o Covas e com o Alckmin, mas o Alckmin me mandou falar com o secretário de Transportes", conta Ferrari.
Em 1998, Covas, em quem Ferrari votara em 1994, era candidato à reeleição, e o diretor do Dersa temia que a suspeita de fraude fosse explorada politicamente.
"Se eu quisesse que o caso fosse explorado, teria entregado os documentos para o Paulo Maluf", ilustra, referindo-se ao principal adversário de Covas em 1998. Ferrari procurou o então presidente da Dersa, Antônio Jamil Cury.
Cury encaminhou a suspeita de fraude ao secretário de Transportes, Michael Zeitlin. A primeira providência de Zeitlin foi tentar esvaziar a suspeita.
Convocou uma entrevista coletiva na qual insinuou que o diretor da Dersa poderia ter registrado várias probabilidades de resultado das licitações e uma delas, inevitavelmente, estaria certa.
Segundo Zeitlin, um diretor da Dersa, poderia "deduzir, com razoável margem de acerto, os vencedores" (leia texto nesta página).
Ferrari, porém, fez os cálculos de quantos documentos teria que ter criado para registrar todos os resultados possíveis: seriam mais de 6.000.


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