São Paulo, quarta-feira, 25 de outubro de 2000

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ELIO GASPARI
A serpente da desordem

O governador Jarbas Vasconcelos não deveria demitir só os cem PMs que ficaram na linha de frente da greve que vai completar uma semana em Pernambuco. Devia demitir todos. Mais: deve recorrer a todas as formas disponíveis de força militar para impor a autoridade civil.
Na primeira metade de 1997, o governador mineiro Eduardo Azeredo foi desmoralizado por uma greve de PMs. A insubordinação dos policiais militares espalhou-se por Pará, Bahia, Rio Grande do Sul e São Paulo. Em Alagoas, o governador Divaldo Suruagy acabou deposto.
As primeiras fagulhas haviam chegado ao Ceará quando o governador Tasso Jereissati fez uma rápida viagem a Brasília. Chegou numa terça-feira e encontrou a cidade eriçada com uma de suas falsas crises (uma entrevista do ministro Sérgio Motta.) Tasso não achou quem quisesse ouvi-lo, mas voltou para o Ceará com uma decisão tomada: se a tropa fosse para a rua, não passaria do Hotel Esplanada, a dois quarteirões da Secretaria de Segurança. Os grevistas tentaram. Houve tiros, mas do Hotel Esplanada não passaram. Vale lembrar que o presidente do sindicato dos policiais civis, solidário com a manifestação, era um homicida sentenciado a 15 anos, com nove processos nas costas.
A reação de Tasso fez o movimento dos PMs murchar como uma laranja velha. Passados três anos, ele reaparece.
Invasões de prédios federais e de bancos, obstrução de rodovias e greves de policiais militares não têm nada a ver com democracia. São desordem. Em alguns casos é a desordem do atrevimento. Em outros, coisa muito bem pensada. Basta juntar o discurso do MST com meia dúzia de proposições retóricas em defesa da luta armada, para se ver que se até hoje não se fabricou no Brasil um levante supostamente rural à maneira de Chiapas, no México, foi apenas porque os agrupamentos interessados nisso acham que não chegou a hora.
A democracia brasileira vai bem, obrigado. Exatamente por isso, não precisa ser corroída pela mazorca. Sobretudo se ao olho do contribuinte trata-se de uma mazorca seletiva. A Polícia Militar de Pernambuco entra em greve e disparam as estatísticas de furtos de carros. Enquanto isso, FFHH usa o Exército para defender a inviolabilidade do imóvel rural no qual seus filhos são sócios sem suar o rosto.
Essa simpatia light pela bagunça está levando água para formas terroristas e primitivas de exercício da política. A mistura do politicamente correto com o eternamente indeciso, duas patologias tucanas, está alavancando um tipo de violência intelectual que se disfarça de baixaria. Tem o salvacionismo mussoliniano e a virulência fascista que encantou uma parte da Europa na primeira metade do século.
Em plena ditadura, quando um secretário de segurança (nomeado pelos militares) desobedeceu uma ordem banal, o então governador da Bahia, Antonio Carlos Magalhães, demitiu-o. O ministro do Exército telefonou-lhe para tomar satisfações, e ele explicou: General. Hoje, ou eu não dormia governador, ou ele não dormia secretário. Fim de conversa. Não aconteceu nada.
O problema da mazorca não é só do governador Jarbas Vasconcelos. Vem se infiltrando na administração da ordem pública. Reflete-se na segurança individual, nos presos que ficam soltos e nos manifestantes que ofendem os direitos alheios. Só a monumental hipocrisia do discurso politicamente correto é capaz de ignorar a existência, na periferia das cidades, de um sistema de segurança da bandidagem, amparado nos grupos de extermínio. Da mesma maneira, só a mistificação leva a discussão do regime penal brasileiro a se assemelhar à do debate sueco. Faz-se de conta que nas carceragens superlotadas das delegacias não vigora a lei da massa. Estuprador não tem medo da pena que o ministro José Gregori acha razoável impor-lhe. O que ele tem medo mesmo é do que vai lhe acontecer na carceragem. O ministro Gregori sabe disso, e o doutor Paulo Maluf lhe é muito grato pela ajuda temática que dele recebeu nesta campanha eleitoral.
A desordem não reflete crise social, não é consequência da crise econômica e muito menos do Consenso de Washington, ou do ditado do FMI. É produto exclusivo da falta de determinação para manter a ordem. Tasso Jereissati já provou isso.



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