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ELIO GASPARI
A serpente da desordem
O governador Jarbas Vasconcelos não deveria demitir
só os cem PMs que ficaram na linha de frente da greve que vai
completar uma semana em Pernambuco. Devia demitir todos.
Mais: deve recorrer a todas as formas disponíveis de força militar
para impor a autoridade civil.
Na primeira metade de 1997, o
governador mineiro Eduardo
Azeredo foi desmoralizado por
uma greve de PMs. A insubordinação dos policiais militares espalhou-se por Pará, Bahia, Rio
Grande do Sul e São Paulo. Em
Alagoas, o governador Divaldo
Suruagy acabou deposto.
As primeiras fagulhas haviam
chegado ao Ceará quando o governador Tasso Jereissati fez uma
rápida viagem a Brasília. Chegou
numa terça-feira e encontrou a
cidade eriçada com uma de suas
falsas crises (uma entrevista do
ministro Sérgio Motta.) Tasso
não achou quem quisesse ouvi-lo,
mas voltou para o Ceará com
uma decisão tomada: se a tropa
fosse para a rua, não passaria do
Hotel Esplanada, a dois quarteirões da Secretaria de Segurança.
Os grevistas tentaram. Houve tiros, mas do Hotel Esplanada não
passaram. Vale lembrar que o
presidente do sindicato dos policiais civis, solidário com a manifestação, era um homicida sentenciado a 15 anos, com nove processos nas costas.
A reação de Tasso fez o movimento dos PMs murchar como
uma laranja velha. Passados três
anos, ele reaparece.
Invasões de prédios federais e
de bancos, obstrução de rodovias
e greves de policiais militares não
têm nada a ver com democracia.
São desordem. Em alguns casos é
a desordem do atrevimento. Em
outros, coisa muito bem pensada.
Basta juntar o discurso do MST
com meia dúzia de proposições
retóricas em defesa da luta armada, para se ver que se até hoje não
se fabricou no Brasil um levante
supostamente rural à maneira de
Chiapas, no México, foi apenas
porque os agrupamentos interessados nisso acham que não chegou a hora.
A democracia brasileira vai
bem, obrigado. Exatamente por
isso, não precisa ser corroída pela
mazorca. Sobretudo se ao olho do
contribuinte trata-se de uma mazorca seletiva. A Polícia Militar
de Pernambuco entra em greve e
disparam as estatísticas de furtos
de carros. Enquanto isso, FFHH
usa o Exército para defender a inviolabilidade do imóvel rural no
qual seus filhos são sócios sem
suar o rosto.
Essa simpatia light pela bagunça está levando água para formas
terroristas e primitivas de exercício da política. A mistura do politicamente correto com o eternamente indeciso, duas patologias
tucanas, está alavancando um tipo de violência intelectual que se
disfarça de baixaria. Tem o salvacionismo mussoliniano e a virulência fascista que encantou
uma parte da Europa na primeira metade do século.
Em plena ditadura, quando um
secretário de segurança (nomeado pelos militares) desobedeceu
uma ordem banal, o então governador da Bahia, Antonio Carlos
Magalhães, demitiu-o. O ministro do Exército telefonou-lhe para tomar satisfações, e ele explicou: General. Hoje, ou eu não
dormia governador, ou ele não
dormia secretário. Fim de conversa. Não aconteceu nada.
O problema da mazorca não é
só do governador Jarbas Vasconcelos. Vem se infiltrando na administração da ordem pública.
Reflete-se na segurança individual, nos presos que ficam soltos e
nos manifestantes que ofendem
os direitos alheios. Só a monumental hipocrisia do discurso politicamente correto é capaz de ignorar a existência, na periferia
das cidades, de um sistema de segurança da bandidagem, amparado nos grupos de extermínio.
Da mesma maneira, só a mistificação leva a discussão do regime
penal brasileiro a se assemelhar à
do debate sueco. Faz-se de conta
que nas carceragens superlotadas
das delegacias não vigora a lei da
massa. Estuprador não tem medo
da pena que o ministro José Gregori acha razoável impor-lhe. O
que ele tem medo mesmo é do
que vai lhe acontecer na carceragem. O ministro Gregori sabe disso, e o doutor Paulo Maluf lhe é
muito grato pela ajuda temática
que dele recebeu nesta campanha
eleitoral.
A desordem não reflete crise social, não é consequência da crise
econômica e muito menos do
Consenso de Washington, ou do
ditado do FMI. É produto exclusivo da falta de determinação para
manter a ordem. Tasso Jereissati
já provou isso.
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