São Paulo, sexta-feira, 25 de outubro de 2002

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Exportação vai puxar volta ao crescimento

Os preços relativos de alimentos caíram ao longo dos anos FHC, aumentando o poder de compra dos salários. Os senhores acreditam que é possível baratear os alimentos, transferindo a carga de impostos para outro tipo de bens?
A redução dos preços de alimentos jogou papel essencial nas políticas sociais do governo FHC, permitindo uma evolução real do salário mínimo de cerca de 50%. Isso não foi fruto do acaso, mas de políticas governamentais, dentre as quais podemos destacar: a renegociação da dívida dos agricultores, a prefixação das taxas de juros, os novos instrumentos de garantia de preços, o financiamento do investimento em máquinas e implementos (Moderfrota), o apoio à agricultura familiar e as melhorias nos sistemas de transportes. O resultado de tudo isso foi o aumento de 62% na produtividade agrícola entre 1994 e 2000.
Desonerar os produtos alimentares da tributação sempre será um objetivo de nossas políticas. A cesta básica já tem uma alíquota de ICMS de 7%, por acordo entre os Estados, no âmbito do Confaz. Uma redução adicional exigirá forte capacidade de articulação, dada a amplitude dos interesses em jogo. O mesmo processo de desoneração terá que ser realizado no âmbito das contribuições (PIS e Cofins). No entanto, não há por que depender disso para seguir no barateamento dos preços de alimentos. É mais eficaz seguir aprofundando as políticas de apoio, como o fundo de aval e o microcrédito.

Consta do programa dos candidatos o aumento imediato dos salários e o aumento do consumo popular e do mercado interno. Como conciliar o aumento do consumo interno, a necessidade de exportar mais e a necessidade de manter baixa a inflação, objetivos no curto prazo contraditórios?
Todo o programa de governo de José Serra está desenhado para mudar o estilo de crescimento da economia brasileira, no sentido da melhoria da redistribuição de renda e redução da pobreza.
Aumentar o salário mínimo vai muito além da transferência de renda a segmentos menos favorecidos. O compromisso com o salário mínimo de R$ 300 é uma indicação ao mercado de que há uma meta social, cuja posição hierárquica, dentre as políticas governamentais, está no mesmo patamar da meta de inflação ou da obtenção do superávit primário.
Para que o aumento do salário nominal promova a melhoria do poder de compra da população, é necessário preparar a economia para ofertar os bens de consumo assalariado. As indicações em nível macro, como o anúncio de uma meta salarial, devem ser complementadas com a utilização dos instrumentos de política que o Estado possui, desde o apoio à agricultura familiar na produção de alimentos até a viabilização de crédito para investimento em setores industriais produtores de bens de consumo assalariado. Essa é a única via para aumentar os salários sem que a inflação esterilize a política governamental.
Não há incompatibilidade entre o aumento do consumo interno e a necessidade de exportar mais. Ao contrário, o tamanho de mercado é uma arma competitiva na maioria dos segmentos industriais.
No entanto, temos uma questão de estratégia da retomada do crescimento. Ela tem que se dar pela via do aumento das exportações e pela substituição competitiva de importações, dado que a tendência de melhoria do déficit em transações correntes, que já vem ocorrendo, tem que se firmar nas expectativas do mercado, colaborando no controle dos fluxos especulativos. Se o crescimento começar pelo consumo interno, a deterioração das contas externas se encarregará de abortá-lo, jogando o país em nova crise cambial.

Certos economistas propõem que o real deva se manter depreciado de modo a estimular as exportações. Mas tal taxa de câmbio encarece alguns bens de consumo popular (trigo, por exemplo) e insumos importantes em toda a economia (eletrônicos e químicos, por exemplo). É possível conciliar uma taxa de câmbio de exportação com melhoria do padrão de consumo?
Qualquer alteração cambial afeta os preços relativos, mas os agentes econômicos já inseriram em suas estruturas de custos e preços uma taxa de câmbio ao redor de R$ 3 por US$ 1. Por isso, a manutenção desta paridade cambial não é impeditiva à melhoria do padrão de consumo da população. Vale lembrar que a agressividade na política de comércio exterior possibilitará a redução das taxas de juros, que terão impacto generalizado sobre os custos do setor produtivo.


Geraldo Biasoto Junior, 41, doutor em economia, professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-secretário de Gestão de Investimentos do Ministério da Saúde, é colaborador do programa de José Serra e respondeu às questões pelo candidato


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