UOL

São Paulo, sábado, 25 de outubro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GOVERNO MINADO

Apesar de titulares de pastas não usarem verba federal, assessores que os acompanham são bancados pelo Tesouro

Ministros "camuflam" gastos de viagens

ANDRÉA MICHAEL
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Os ministros Tarso Genro (Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência) e Benedita da Silva (Assistência Social) criaram uma nova modalidade de viagem no âmbito da administração pública.
Ela foi a Lisboa para comemorar o Dia da África. Ele esteve em Barcelona para receber um prêmio. Ao indicar as viagens, ambos colocaram o termo "sem ônus" para os cofres públicos. Mas cada um levou consigo um assessor "com ônus" ao erário.
As viagens, que, segundo o próprio presidente Luiz Inácio Lula da Silva, são fundamentais para alavancar o desenvolvimento e colocar o Brasil na vitrine do mundo globalizado, transformaram-se na mais nova dor de cabeça do governo petista.
O ministro Agnelo Queiroz (Esporte) decidiu anteontem devolver metade do dinheiro que recebeu do governo para pagar despesas dos Jogos Pan-Americanos. Ocorre que as despesas do ministro já haviam sido pagas pelo Comitê Olímpico Brasileiro. Queiroz só tomou a decisão quando a imprensa soube do caso.
Flagrada em viagem "com ônus" para participar de um encontro religioso em Buenos Aires, Benedita, depois de relutar por mais de 20 dias, sofrer pressões, ter recebido um pedido de explicações da Comissão de Ética Pública e ser vaiada em um evento em Brasília, também devolveu aos cofres públicos R$ 4.670, valor correspondente às passagens que usou -inclusive para levar consigo a assessora Ellen Peres.
Em setembro, Peres também foi a escolhida para acompanhar a ministra a Lisboa, entre os dias 29 de maio e 1º de junho, em uma de suas oito viagens internacionais.
Conforme levantamento no Siafi (sistema de acompanhamento de gastos federais) feito pela liderança do PFL na Câmara dos Deputados, Benedita recebeu neste ano R$ 28.650 em diárias, incluídas aí as referentes a compromissos nacionais.
Para acompanhá-lo à cerimônia de "Los Prêmios Ciudad de L'Hospitalet", em Barcelona, o ministro Tarso Genro convocou seu subsecretário, José Henrique Fernandes, que ficou na Espanha de 22 a 26 de abril por conta do Tesouro.
Em resposta à Folha, o próprio ministro admite que contou com a assessoria de Fernandes na viagem, ressalvando, no entanto, que o subsecretário "desenvolveu agenda de trabalho" de "interesse do governo brasileiro".

"Equívoco"
Questionado sobre as viagens, o ministro Guido Mantega (Planejamento) afirmou que seria um "equívoco" um colega de ministério viajar com uma agenda de interesse particular levando consigo um assessor pago pelo Tesouro.
"Se houve [isso], é um equívoco e precisa ser corrigido. Mas, no atacado, estamos sendo bem-sucedidos", afirmou Mantega, referindo-se à redução dos gastos do atual governo com passagens e diárias, em comparação com os gastos que foram realizados na gestão anterior.
Segundo Mantega, tomando como base o mês de outubro do ano passado, o governo petista gastou, projetando despesas até o dia 31 e descontando a inflação, R$ 451 milhões -61,5% do que usou a equipe tucana de Fernando Henrique Cardoso no mesmo período (de janeiro a outubro).

Genéricos
Os termos genéricos representam jargão recorrente nas "exposições de motivos" que justificam as viagens das autoridades, conforme levantamento feito pela Folha em todas as edições da seção dois do "Diário Oficial" da União, desde 1º de janeiro.
Em sua sétima viagem internacional, o ministro José Fritsch (Aquicultura e Pesca) -que já percorreu 25 Estados brasileiros e recebeu R$ 32,84 mil em diárias- agora está na Coréia, "com ônus", "para tratar de questões relacionadas ao fortalecimento da atividade de pesca e aquicultura no cenário internacional" -conforme publicado no "Diário Oficial" de 16 de outubro.
O ministro Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) passou três dias em Buenos Aires, em fevereiro, "a fim de cumprir visita oficial destinada a fortalecer e aprofundar o intercâmbio científico entre o Brasil e a Argentina".
O ministro disse à Folha, por meio de sua assessoria de imprensa, que "a publicação do "Diário Oficial" é satisfatória".
Além do caráter genérico das justificativas de viagem, o levantamento da Folha também revelou que não há critérios na divulgação das informações, o que pesa na hora de garantir a transparência da administração pública.
Nenhuma das "exposições de motivos" das oito viagens internacionais do ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda), publicadas desde janeiro no "Diário Oficial", revelou o responsável pelas despesas.
Os termos-padrão -"com ônus", "sem ônus" ou "com ônus limitado"- não aparecem. Saíram todas por conta do Tesouro, que pagou R$ 33,11 mil em diárias ao ministro. Outro ponto de confusão: conforme o "Diário Oficial", Palocci viajou 12 vezes. Na verdade, em quatro delas, ele não decolou, mas não houve retificação na publicação oficial.
Em meio aos atropelos da burocracia, o levantamento também revelou a força da amizade. No dia 22 de setembro, o presidente Lula informou aos brasileiros, via "Diário Oficial", sua comitiva para a viagem a Cuba, nos dias 26 e 27 daquele mês. No dia 25, a publicação incluiu mais um nome na lista: o prefeito de Aracaju, Marcelo Déda (PT), conhecido amigo da cúpula petista.


Texto Anterior: Dança da Benedita: Programa nasceu em escola de samba
Próximo Texto: Outro lado: Assessor foi a várias reuniões de trabalho, diz Tarso
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.