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ENTREVISTA DA 2ª
Diretor-geral do Fórum Econômico Mundial compara presidente eleito a Felipe González
Lula deve evitar populismo, diz Figueres
ELIANE CANTANHÊDE
JOSÉ ALAN DIAS
ENVIADOS ESPECIAIS AO RIO
Para o diretor-geral do Fórum
Econômico Mundial, José María
Figueres, o maior desafio do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da
Silva, é "evitar que as pessoas próximas a ele e as circunstâncias o
empurrem ao populismo". Segundo ele, "a verdadeira ameaça
para a democracia na América
Latina vem do populismo".
Ex-presidente da Costa Rica
(94-98), Figueres, 48, considerou
"uma lástima" a recusa de Lula a
comparecer à Cúpula de Negócios da América Latina, vinculada
ao Fórum Econômico, realizada
no Rio na semana passada.
"Seria uma oportunidade de
apresentar algumas de suas diretrizes para a economia e a área social", afirmou Figueres. "Esses
dois fatores se conjugam por
meio da confiança. E confiança só
se cria ao se compartilhar uma
mensagem e expondo claramente
o que se pretende fazer."
Figueres argumenta que "o fato
de Lula vir da esquerda não tem
nada de mais, não é motivo para
medo". "Só se deve evitar a tentação do populismo."
Ele refutou qualquer comparação do futuro presidente brasileiro com o venezuelano Hugo Chávez ou o cubano Fidel Castro.
"Lula tem todas as condições de
se assemelhar a Felipe González,
um homem de um partido de esquerda, que assumiu o país em
condições difíceis e promoveu a
construção da Espanha moderna,
tal como conhecemos hoje."
Sobre os Estados Unidos: ""Se
houver 150 pontos na agenda, a
América Latina será o de número
200 [para o governo George W.
Bush]. Simplesmente não estamos na agenda", disse.
A comentar a formação da Alca
(Área de Livre Comércio das
Américas), Figueres foi irônico e
resumiu da seguinte forma a atitude dos países desenvolvidos:
"Meu mercado é somente meu,
sobretudo na agricultura, e o teu
mercado é nosso. Estou disposto
a dividi-lo com você".
Formado em engenharia em
West Point, a mais importante
academia militar dos EUA, e com
pós-graduação em administração
pública em Harvard, José María
Figueres concedeu a entrevista à
Folha durante a Cúpula.
Folha - O que o sr. achou da decisão do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, de não comparecer à cúpula, apesar de convidado
duas vezes?
José María Figueres - É uma lástima, porque era uma oportunidade para Lula começar a apresentar algumas diretrizes diante da
comunidade internacional, tanto
do seu programa econômico como do social. Imagino que esteja
muito ocupado com tudo o que
diz respeito à transição, de forma
que também precisamos compreender [a ausência].
Folha - Ausente, ele foi o personagem mais discutido e até algumas vezes atacado no encontro,
mas não teve como se defender. O
sr. concorda?
Figueres - Acredito que Lula não
tenha sofrido críticas no sentido
como conhecemos. O que existe é
uma grande expectativa sobre como ele irá lidar com as obrigações
que assumiu.
Por um lado, tem o compromisso do crescimento econômico e,
por outro, tem a dívida social. A
pergunta que se faz é como irá
conjugar esses dois fatores. A verdade é que eles começam a juntar-se por meio da criação de confiança. E a confiança se cria, entre outras coisas, ao compartilhar uma
mensagem e tendo clareza sobre o
que se pretende fazer.
Folha - Uma pesquisa informal
com cerca de 80 homens de negócios durante a Cúpula apontou que
15% não crêem que Lula complete
seu mandato. O que o sr. pensa a
respeito disso?
Figueres - A democracia na
América Latina se fortaleceu muito nos últimos anos. Creio que, se
estivéssemos vivendo não agora,
mas 20 anos atrás, com uma décima parte dos desafios que enfrentamos na Argentina, no Brasil e
outros países, estaríamos já sob
governos militares.
O que percebo é uma mudança
na tolerância dos povos da América Latina acerca do que se promete em campanha e o que se faz
quando se assume o governo.
Até há poucos anos, era mais ou
menos tolerável que um candidato tivesse uma mensagem na
campanha e depois, ao assumir o
governo, ao encarar a realidade,
fosse obrigado a fazer outra coisa.
Essa flexibilidade não existe mais.
Folha - O sr. falou em fortalecimento da democracia. No entanto,
há sinais claros de convulsão na Venezuela, Colômbia, Paraguai...
Figueres - Não vejo ameaças à
democracia que venham dos militares, porque estes estão em seus
quartéis e finalmente compreenderam que governar é excessivamente complicado.
Nem penso que a ameaça à democracia venha nem de governos
ou partidos de esquerda ou de direita. A verdadeira ameaça para a
democracia na América Latina
vem do populismo.
É nesse ponto que precisamos
abrir muito bem os olhos e entender de uma vez por todas que o
desafio do desenvolvimento é
muito complexo. Se desenvolvimento fosse fácil, todos o teríamos alcançado. Não esperemos
soluções mágicas.
As pessoas não estão dispostas a
escutar promessas de soluções
mágicas. O que querem é um claro caminho em direção ao futuro,
que não haja corrupção e que haja
clareza de objetivos.
Folha - Lula fez compromissos vagos durante a campanha e promete
responsabilidade fiscal e combate
à corrupção. Por outro lado, tem o
compromisso de fazer um governo
diferente em uma área chave no
continente, a social...
Figueres - Essas são, obviamente, a grande incógnita e a grande
expectativa que mantemos todos.
Veremos...Como o presidente Lula fará para pagar a dívida econômica e a dívida social ao mesmo
tempo? Como fará para manter o
equilíbrio fiscal e aumentar o investimento social?
Sou otimista, acredito que Lula
fará um bom governo. Ele demonstrou grande habilidade ao
longo de sua trajetória política para compor interesses que aparentemente pareciam divergentes de
forma interna, em seu partido, e
para o público externo também.
Folha - Dissemina-se a impressão
de que Lula possa abrir um caminho, estabelecer um novo modelo
que não seja o do Consenso de Washington. O sr. acredita?
Figueres - Isso é fantástico. Que
mal haveria nisso? Nenhum.
Folha - O fórum não poderia ter
feito sugestões nesse sentido?
Figueres - O fórum não é para
apresentar sugestões. Servimos
como uma plataforma para discutir diferentes posições e para
que as pessoas tirem suas conclusões. A verdade é que o Consenso
de Washington -o qual, penso
eu, não existe mais- deixou como herança um profundo respeito pelo equilíbrio macroeconômico. Pelas contas fiscais, pelas contas monetárias, pelas contas de
comércio. Ninguém mais questiona esses pontos.
No que esse modelo falhou foi a
questão social, porque não logramos os avanços que deveríamos
ter obtido na luta contra a pobreza. Necessitamos buscar a maneira para fazer do desenvolvimento
uma oportunidade empresarial.
Que, em vez de um bilhão de consumidores, o mundo conseguisse
colocar no papel de consumidores quatro bilhões de pessoas, que
participassem das economias de
seus países e de suas regiões.
Acontece que, com uma economia globalizada, como a que temos, há seis bilhões de habitantes,
mas apenas um bilhão de consumidores. Isso não é sustentável. É
uma bomba-relógio. O social já
não pode ser secundário ao econômico. O social, ao lado do ambiental, tem a mesma importância que o econômico.
Folha - O discurso do presidente
Chávez era esse e faliu. O que ocorreu na Venezuela se o discurso era
adequado?
Figueres - Chávez falhou porque
foi limitado na implementação.
Para começar, não vejo na Venezuela nenhum respeito pelos
princípios macroeconômicos.e
tudo indica que caminha para
uma guerra civil.
A capacidade de diálogo e, o
mais importante, a vontade para
o diálogo se perderam.
Folha - Houve setores políticos e
do sistema financeiro que compararam ou seguem comparando Lula a Chávez.
Figueres - A comparação que
precisamos fazer de Lula não é
com Chávez e muito menos com
Fidel [Castro". A comparação a
ser feita é com Felipe González
[premiê da Espanha entre 1982
e 1996".
Um homem que vem de um
partido de esquerda, assume o
poder em um momento complicado e transforma muito mais do
que todos esperavam, convertendo-se no arquiteto da Espanha
moderna. Esse é o modelo a seguir. E o fato de que Lula venha da
esquerda não tem nada de mais.
Nem é motivo para que se tenha
medo dele. O que teremos de evitar é que as pessoas próximas a ele
e as circunstâncias o conduzam
ao populismo.
Folha - Colocado assim, o Fórum
Econômico Mundial não fica bem
parecido com o Fórum Social
Mundial?
Figueres - Se os dois fóruns trabalhassem juntos, se poderia fazer
muito. Dar aos mercados o que é
dos mercados. E acreditamos nos
mercados. Mas é preciso revitalizar e fortalecer as instituições, para que sejam boas, para que os governos sejam bons e respondam
às necessidades. Falhamos também ao não proporcionar uma
melhor distribuição de riquezas
em nossos países.
A América Latina não tem problemas apenas por ser um continente pobre. A América Latina é
também o continente mais desigual de todos. A diferença de renda entre os de cima e os de baixo é
a mais abismal entre os continentes. É uma vergonha. Enquanto
não repartirmos melhor o que
produzimos não vamos sair de
convulsões e não vamos obter um
crescimento sustentável.
Folha - E as relações com os EUA.?
O que é preciso implementar?
Figueres - Reconheço a vitalidade de seus mercados e seu sentido
de empreendedorismo. Depois de
dizer tudo isso, tenho a impressão
de que na agenda do governo norte-americano, se houver 150 prioridades, a América Latina será a
de número 200. Ou seja, não estamos na agenda. A prioridade deles é outra.
Folha - A Alca é um bom negócio
para o Brasil?
Figueres - É um bom negócio
para todos os países, independentemente da etapa de desenvolvimento. É uma expectativa de
abarcar os mercados para colocar
seus produtos. Em acordos de livre mercado, é preciso haver regras mínimas de gradualidade, de
assimetria, para reconhecer diferentes pontos de partida dos países, até que se caminhe para
uma convergência.
Folha - Essa assimetria é possível
na negociação com os EUA?
Figueres - Parece muito difícil. O
que os países desenvolvidos nos
têm dito nos últimos anos é: "Meu
mercado é somente meu, sobretudo na agricultura. E o teu mercado é nosso, estou disposto a dividi-lo com você".
É nesse item que teremos de começar a mudar as coisas. Lula,
por ser de um partido de esquerda, por ser presidente do Brasil,
eleito com maior número de votos no mundo [na realidade, o recordista é o americano Ronald Reagan, com 54.455.075 votos em
1984; Lula teve 52.793.364], por
todas essas condições e pelo entorno mundial, tomara que faça o
Brasil assumir a condição de liderança global para avançar nas
questões de assimetria.
Folha - A maioria dos empresários ouvidos no fórum acredita que
um governo Lula vai representar
uma deterioração das relações com
os EUA. Não é preocupante?
Figueres - Essa percepção pode
ser mudada com os fatos. EUA e
Brasil, por coincidências divinas,
assumiram a liderança das negociações da Alca. Parece-me que há
uma primeira oportunidade para
estabelecer regras de jogo muito
mais justas para os países em desenvolvimento.
Não estou dizendo que seja fácil.
Mas que é absolutamente necessário. A grande vantagem que temos nisso tudo é que a crise não é
da América Latina nem muito
menos do Brasil. A crise é global e
afeta os países desenvolvidos. E,
ao afetá-los, eles estarão dispostos
a buscar soluções.
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