São Paulo, Sábado, 25 de Dezembro de 1999


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ANÁLISE

Economia revelou resistência

ANTÔNIO DELFIM NETTO
especial para a Folha

Ao iniciar-se o governo Figueiredo, em março de 1979, a economia mundial vivia o sexto ano de enormes turbulências produzidas pela alta nos preços do petróleo. Para as gerações mais jovens, que não viveram (felizmente) essa experiência, é importante conhecer o que ocorreu naquele período para que melhor entendam as consequências que se abateram sobre a economia brasileira. Nós éramos, então, um país fortemente dependente das importações petrolíferas. Produzíamos apenas 140 mil barris/dia. Entre 1973 e 1979, os preços do barril de petróleo aumentaram 600%, passando de US$ 1,65 para US$ 12. As despesas com petróleo importado subiram de US$ 500 milhões para mais de US$ 3 bilhões anuais.

Nos cinco anos de governo, país enfrentou a pior fase da maior crise da história econômica mundial


A economia brasileira, que vinha crescendo a taxas de 11% ao ano (em 1973 o PIB chegou a crescer 14%!), teve que se ajustar, e em 1978 já crescíamos 6%. Nos demais países importadores de petróleo, incluindo-se os industrializados, o ajuste foi mais feroz ainda. As mais fortes economias do mundo entraram em recessão: nos Estados Unidos e na Europa, a crise do petróleo foi enfrentada com racionamento de energia e o desemprego de 35 milhões de trabalhadores.
O Brasil enfrentou os primeiros anos do choque petrolífero por outros caminhos: em lugar de cortar radicalmente postos de trabalho, tomou empréstimos nos bancos estrangeiros para comprar petróleo e para financiar um programa de substituição de importações, procurando produzir aqui máquinas, equipamentos e matérias-primas que não podia mais importar. Manteve parcialmente o crescimento e acumulou uma dívida externa de US$ 50 bilhões. Até 1979 essa estratégia funcionou razoavelmente. Mas, a partir desse ano, a situação mundial se deteriorou ainda mais rapidamente: os cartéis petrolíferos impuseram novos aumentos de preços, com o preço do barril subindo de US$ 12 para US$ 34! As taxas de juros dos empréstimos externos passaram de 8% ao ano, em média, para 21%! Países começaram a declarar falência (Polônia, México etc.), e o crédito mundial foi cortado.
Nos dois primeiros anos do governo Figueiredo, ainda foi possível manter a economia brasileira em crescimento (em torno de 8% ao ano). A partir de 1981, no entanto, foi preciso um novo programa de ajuste da economia para enfrentar o agravamento da crise mundial. Definiu-se uma nova estratégia, com os seguintes objetivos:
a) construir uma nova matriz energética de modo a reduzir a dependência externa, principalmente de combustíveis. Foram privilegiados os investimentos para quadruplicar a produção interna de petróleo, monopolizada pela Petrobrás; acelerou-se o programa de produção de álcool derivado da cana (Proálcool); realizou-se um grande esforço de conservação de energia, com substituição de óleo combustível pela energia do carvão; e foram concluídas as grandes usinas geradoras de energia elétrica, entre as quais Itaipu e Tucuruí, duas das maiores do mundo;
b) reorientar o setor industrial para dar prioridade às exportações. Com o agravamento da crise da dívida externa e o aumento das despesas com as compras externas de petróleo (que já estavam chegando a US$ 10 bilhões anuais), era questão de sobrevivência ampliar rapidamente as exportações para pagar as importações e honrar o serviço da dívida. As taxas de câmbio foram ajustadas com as maxidesvalorizações de 79 e 82, e as exportações cresceram de US$ 13 bilhões para US$ 25 bilhões ao ano;
c) aumentar a produção agropecuária, garantindo a auto-suficiência interna em alimentos e a produção de excedentes exportáveis. A agricultura recebeu financiamento e garantia de preços, e as safras foram suficientes, eliminando-se as importações;
d) recolocar nos trilhos o setor público que estava superdimensionado e produzia déficits imensos. As despesas com pessoal e o custeio nos três níveis de governo (federal, estaduais e municipais) foram reduzidos para o equivalente a 8% do PIB. Para efeito de comparação, anote-se que elas hoje atingem 17% do PIB;
A história registra que os objetivos estratégicos foram atingidos e, em alguns casos, até superados e, o que é mais importante, impondo custos sociais bem menores do que nos demais países afetados pelos choques do petróleo ou da dívida externa. A agricultura cresceu e garantiu o abastecimento interno de alimentos; a produção doméstica de petróleo passou de 200 mil para 460 mil barris/dia; o Proálcool deu certo, garantindo uma oferta adicional de 100 mil barris/dia de combustíveis; e as exportações brasileiras passaram a US$ 25 bilhões anuais, produzindo saldos na balança comercial.
Em resumo, nos cinco anos do governo Figueiredo, a economia brasileira enfrentou a pior fase da maior crise da história econômica mundial. Pagou o preço, tendo que absorver uma inflação que chegou a 11% ao mês e tendo que conviver com dois anos e meio de queda na produção industrial. As taxas de desemprego subiram em 1982 e 1983, mas começaram a se recuperar em 1984, quando a economia voltou a crescer mais de 5%. Os salários das classes de menor poder aquisitivo (de 1 a 3 SM) foram corrigidos para reduzir os efeitos da inflação. Por conta da alta internacional dos juros e dos financiamentos para manter o abastecimento de petróleo, a dívida externa chegou a US$ 95 bilhões. Mas o país não perdeu o crédito e manteve abertos os canais de renegociação dos débitos.

Foram impostos custos sociais bem menores do que nos demais países afetados pelos choques do petróleo


A economia brasileira revelou, assim, uma extraordinária capacidade de resistência, superando a crise. Enfrentou as pressões externa e chegou ao final do período (1985) em situação de relativo equilíbrio nas suas contas internas e em condições de honrar os compromissos externos, graças aos saldos de sua balança comercial.
E insisto: com menor custo social do que o de quaisquer das políticas que foram implementadas na década que se seguiu, quando as taxas de juros externas e os preços do petróleo desabaram, não mais exercendo pressões negativas sobre a economia brasileira.


Antônio Delfim Netto, 71, economista, é deputado federal pelo PPB de São Paulo. Foi ministro da Fazenda (governos Costa e Silva e Médici), da Agricultura e do Planejamento (governo Figueiredo).


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