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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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JANIO DE FREITAS

O medo que bate

Uma frase-chave, embora não a única, para se entender o governo de Fernando Henrique Cardoso ajuda, agora, a formular uma explicação para a postura contraditória do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. E do próprio presidente em relação ao candidato.
Já naquele fim de mandato em que a fisionomia tristonha ficara indisfarçável, Fernando Henrique comentou as promessas progressistas de Lula, que eram também críticas ao seu governo, com uma reflexão singela: "Se fosse fácil, eu teria feito". Sem dúvida. Se fosse fácil, não só Fernando Henrique, mas qualquer um faria.
Seria idiota imaginar que a falta de crescimento econômico e o consequente agravamento de problemas sociais, como o desemprego e a criminalidade urbana, correspondessem em qualquer medida a desejo de Fernando Henrique. Mais do que atravessarem os oito anos dois mandatos, no entanto, agravaram-se ano a ano sem encontrar reação. E com sua continuidade amparada na alegação de uma política antiinflacionária que fechou o último ano de governo com inflação, segundo as peculiaridades do índice que se escolha, entre 12,5% e 25% no ano.
Explicar os índices com a eleição, como fazem muitos, fica entre proclamar que não se pode mais ter eleição, sob pena de retorno inflacionário, ou reconhecer que a dita estabilidade, apesar de seus altos custos para o país, foi tão inconsistente que não resistiu nem a uma eleição democrática. Ataques da especulação financeira, em anos anteriores, também não justificam a longa retração e suas consequências, porque países asiáticos os sofreram muito mais impiedosos e voltaram ao crescimento econômico e às melhorias sociais, sem relegarem a ação antiinflacionária.
Ou por temperamento, ou também por inseguranças circunstanciais, Fernando Henrique nada arriscou. E não só na política econômica. Preferiu, por exemplo, enodoar-se com o compra-e-vende de parlamentares, para aprovar as privatizações, a reeleição e várias outras medidas, a recusar o jogo fisiológico ao risco, mesmo que remoto, de ver um projeto recusado no Congresso.
A política econômica foi deixada toda com Pedro Malan. Ainda mais timorato do que Fernando Henrique, Malan ancorou-se no FMI, de cujas concepções nada mais é necessário dizer. A dinâmica própria dos governos, sobretudo indispensável nos países com tantas carências prementes, foi substituída pelo imobilismo como regra. O governo ficou desprovido da composição de ousadia e responsabilidade que leva aos avanços consistentes.
O resultado está resumido nesta manchete de sexta-feira: "Sem FMI, país não fechava as contas" [de 2002]. O governo Lula teve que começar com a inflação em alta, desemprego na culminância, produção industrial estagnada, dólar esmagando o real e Orçamento ridículo.
Se sobrevivia alguma dúvida de que, diante disso, o governo se decidira pela continuidade das concepções anteriores de política econômica, a elevação dos juros acabou com as interrogações. Se meio por cento a mais, em juros já de 25%, contivessem "impulso inflacionário", deter inflação seria simples. O pequeno aumento dos juros foi uma grande confirmação emitida pela Fazenda e pelo Banco Central para o FMI, os bancos estrangeiros e, não poderia faltar, "o mercado".
Preocupação quase universal, pelas atenções que exige de tantos países, no Brasil a inflação foi transformada em neurose nacional, como resultado do seu uso para o governo se justificar e para a imprensa, representando a camada mais fornida da população, apoiá-lo apesar de tudo. As escolhas do ministro da Fazenda e do presidente do Banco Central exprimem o temor de Lula de que a neurose se volte contra seu governo. Mas não só a linha de ambos reproduz Pedro Malan e Armínio Fraga: é o próprio mecanismo do governo passado que se reproduz.
Ao optar por ou aceitar a política econômica de Antonio Palocci/Henrique Meirelles, Lula também decide recusar qualquer ousadia. E, portanto, a combinação única da qual podem resultar os avanços prometidos. A insegurança por "não ser do meio", confrontada com o exibicionismo tecnicista dos que são, é um fator poderoso de intimidação, por certo. Mas há os que cedem e, ainda bem, os que não cedem.
Política econômica é decisão sobretudo política, e não técnica, e técnicos são para encontrar os meios de aplicar as decisões de política. Sem enfrentar os possíveis obstáculos pessoais e os inevitáveis obstáculos circunstanciais a esse entendimento, um presidente pode passar quatro, oito e mais anos no imobilismo, ainda por cima, malsucedido.


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