|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
JANIO DE FREITAS
O medo que bate
Uma frase-chave, embora
não a única, para se entender o governo de Fernando Henrique Cardoso ajuda, agora, a formular uma explicação para a
postura contraditória do governo
de Luiz Inácio Lula da Silva. E do
próprio presidente em relação ao
candidato.
Já naquele fim de mandato em
que a fisionomia tristonha ficara
indisfarçável, Fernando Henrique comentou as promessas progressistas de Lula, que eram também críticas ao seu governo, com
uma reflexão singela: "Se fosse fácil, eu teria feito". Sem dúvida. Se
fosse fácil, não só Fernando Henrique, mas qualquer um faria.
Seria idiota imaginar que a falta de crescimento econômico e o
consequente agravamento de
problemas sociais, como o desemprego e a criminalidade urbana,
correspondessem em qualquer
medida a desejo de Fernando
Henrique. Mais do que atravessarem os oito anos dois mandatos,
no entanto, agravaram-se ano a
ano sem encontrar reação. E com
sua continuidade amparada na
alegação de uma política antiinflacionária que fechou o último
ano de governo com inflação, segundo as peculiaridades do índice que se escolha, entre 12,5% e
25% no ano.
Explicar os índices com a eleição, como fazem muitos, fica entre proclamar que não se pode
mais ter eleição, sob pena de retorno inflacionário, ou reconhecer que a dita estabilidade, apesar
de seus altos custos para o país, foi
tão inconsistente que não resistiu
nem a uma eleição democrática.
Ataques da especulação financeira, em anos anteriores, também
não justificam a longa retração e
suas consequências, porque países asiáticos os sofreram muito
mais impiedosos e voltaram ao
crescimento econômico e às melhorias sociais, sem relegarem a
ação antiinflacionária.
Ou por temperamento, ou também por inseguranças circunstanciais, Fernando Henrique nada
arriscou. E não só na política econômica. Preferiu, por exemplo,
enodoar-se com o compra-e-vende de parlamentares, para aprovar as privatizações, a reeleição e várias outras medidas, a recusar
o jogo fisiológico ao risco, mesmo
que remoto, de ver um projeto recusado no Congresso.
A política econômica foi deixada toda com Pedro Malan. Ainda
mais timorato do que Fernando
Henrique, Malan ancorou-se no
FMI, de cujas concepções nada
mais é necessário dizer. A dinâmica própria dos governos, sobretudo indispensável nos países
com tantas carências prementes,
foi substituída pelo imobilismo
como regra. O governo ficou desprovido da composição de ousadia e responsabilidade que leva
aos avanços consistentes.
O resultado está resumido nesta
manchete de sexta-feira: "Sem
FMI, país não fechava as contas"
[de 2002]. O governo Lula teve
que começar com a inflação em
alta, desemprego na culminância,
produção industrial estagnada,
dólar esmagando o real e Orçamento ridículo.
Se sobrevivia alguma dúvida de
que, diante disso, o governo se decidira pela continuidade das concepções anteriores de política econômica, a elevação dos juros acabou com as interrogações. Se meio
por cento a mais, em juros já de
25%, contivessem "impulso inflacionário", deter inflação seria
simples. O pequeno aumento dos
juros foi uma grande confirmação emitida pela Fazenda e pelo
Banco Central para o FMI, os
bancos estrangeiros e, não poderia faltar, "o mercado".
Preocupação quase universal,
pelas atenções que exige de tantos
países, no Brasil a inflação foi
transformada em neurose nacional, como resultado do seu uso
para o governo se justificar e para
a imprensa, representando a camada mais fornida da população, apoiá-lo apesar de tudo. As
escolhas do ministro da Fazenda
e do presidente do Banco Central
exprimem o temor de Lula de que
a neurose se volte contra seu governo. Mas não só a linha de ambos reproduz Pedro Malan e Armínio Fraga: é o próprio mecanismo do governo passado que se reproduz.
Ao optar por ou aceitar a política econômica de Antonio Palocci/Henrique Meirelles, Lula também decide recusar qualquer ousadia. E, portanto, a combinação
única da qual podem resultar os
avanços prometidos. A insegurança por "não ser do meio", confrontada com o exibicionismo
tecnicista dos que são, é um fator
poderoso de intimidação, por certo. Mas há os que cedem e, ainda
bem, os que não cedem.
Política econômica é decisão sobretudo política, e não técnica, e
técnicos são para encontrar os
meios de aplicar as decisões de
política. Sem enfrentar os possíveis obstáculos pessoais e os inevitáveis obstáculos circunstanciais a esse entendimento, um
presidente pode passar quatro,
oito e mais anos no imobilismo,
ainda por cima, malsucedido.
Texto Anterior: Doação ao Fome Zero serve de vitrine Próximo Texto: Partidos: Governador do TO deixa o PFL e vai para o PSDB Índice
|