São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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GOVERNO
Mudança na equipe integra estratégia sucessória, que passa pelo ministro da Fazenda, Pedro Malan
FHC reformará ministério após eleições

JOSIAS DE SOUZA
Diretor da Sucursal de Brasília
Aconteceu há cerca de um mês. Era sábado à tarde. Um inquieto Pedro Malan cruzou os portões do Palácio da Alvorada. Fernando Henrique Cardoso recebeu-o na biblioteca. O ministro da Fazenda estava incomodado com a migração de seu nome das seções de economia para as páginas de política dos jornais. Súbito, virara presidenciável.
Isso vai prejudicar a condução da economia, disse Malan a FHC. Ele achava crucial preservar a imagem de xerife do ajuste fiscal. Um perfil incompatível com o de um candidato, sujeito a generosidades que o distanciam do vocábulo "austeridade".
Sossegue, aconselhou FHC. A menção de seu nome é algo inevitável, prosseguiu. Por uma razão simples: não haveria, por ora, candidatos naturais à sua sucessão dentro do PSDB.
Malan levou da conversa um conselho e um compromisso de FHC, além de uma forte sensação.
O conselho: continue trabalhando, trabalhe muito.
O compromisso: o presidente faria algo para tentar desviar as atenções da imprensa para outras pastas da Esplanada.
A sensação: seu nome não está excluído do jogo sucessório. Bem ao contrário.


Despiste


Nos dias que se seguiram ao diálogo do Alvorada, desgrudou-se de outro palácio, o do Planalto, um conveniente balão-de-ensaio: se dependesse de FHC, o candidato do PSDB emergiria de um ministério social. Leia-se José Serra (Saúde) e Paulo Renato Souza (Educação).
Puro despiste. Na intimidade, FHC desdenha as chances de Serra. Não parece, de resto, muito afeito à idéia de vir a apoiá-lo. Quanto a Paulo Renato, o presidente o considera um neófito em política.
Ele costuma ser implacável também com o governador do Ceará, Tasso Jereissati. Diz que deixou-se superar pela cria. Refere-se a Ciro Gomes, amigo e aliado de Tasso. Na última sondagem do Datafolha, divulgada na quinta-feira, Ciro (18%) reluzia na segunda posição, atrás apenas de Lula (28%). Tasso amargava constrangedores 3%.
O presidente acha que Tasso ficou demasiadamente preso à política cearense. Não conseguiu firmar-se como personagem de estatura nacional. Embora não o diga abertamente, FHC deixa escapar, nos desvãos de suas afirmações, a suspeita de que Tasso pode agarrar-se, de uma hora para outra, à canoa de Ciro.
Também Mário Covas começa a inviabilizar-se como candidato, acredita FHC. Nos últimos meses, o governador paulista embrenhou-se na guerra fiscal com outros Estados. Não é, na opinião do presidente, a melhor estratégia para quem precisa de votos também fora do Estado de São Paulo.


Reforma ministerial
Animado com a atmosfera de calmaria econômica, o presidente diz já não ter dúvidas do papel que desempenhará na própria sucessão. Acha que irá virar um importante cabo eleitoral. Está convencido disso. Se for preciso, construirá um candidato.
É incensado pelos amigos. Paulo Renato, por exemplo, costuma dizer que o chefe chegará a 2002 em condições de impor ao PSDB o candidato que quiser.
De concreto, por ora, FHC revelou a alguns poucos confidentes uma decisão: irá reformar, uma vez mais, o seu ministério. Formará, depois das eleições municipais deste ano, o que um de seus auxiliares chama de equipe "puro-sangue".
Acha-se livre da dependência em relação aos partidos. Argumenta que, exceto pela Lei de Responsabilidade Fiscal, seu governo já não tem nenhum projeto importante na fila de votação do Congresso. Logo poderá, segundo a sua avaliação, dar de ombros para os partidos. Ou pelo menos agir com maior autonomia.
O PFL observa a movimentação de FHC com vivo interesse. Sobretudo Antonio Carlos Magalhães. Chegou aos ouvidos de ACM uma avaliação feita pelo próprio presidente da República. FHC acha que o presidente do Senado é uma estrela cadente, uma liderança próxima de seu ocaso.

Rapapés
ACM começaria a perder importância, na opinião de FHC, já no meio do ano. O Congresso deve esvaziar-se a partir de junho, por conta da campanha municipal. No início de 2001 haverá eleições para a presidência do Senado. ACM terá de deixar o cargo.
Embora troque figurinhas com o senador Jorge Bornhausen e com Marco Maciel, contrapontos à liderança de ACM no PFL, FHC segue cercando o presidente do Senado de rapapés.
Mesmo na recente questão do salário mínimo, em que impôs ao senador uma derrota, FHC cuidou para que seu inimigo cordial saísse do episódio apenas com ferimentos leves.
Na última segunda-feira, despachou para a casa de ACM, à beira do lago Paranoá, o ministro-chefe do Gabinete Civil, Pedro Parente. A missão de Parente era a de informar a ACM que o governo não aumentaria o mínimo para R$ 180, como queria o senador. Mas abriria espaço para que os Estados o fizessem.
Na quarta-feira, Parente voltou à casa de ACM. Mostrou-lhe o texto da medida provisória do mínimo. Em homenagem ao senador, o governo anotaria no texto que os Estados que dispusessem de recursos poderiam elevar o mínimo até o limite de R$ 180, justamente o valor defendido por ACM.

Armas e munição
Depois, achou-se melhor não mencionar os R$ 180 no documento. Cada Estado ficou livre para adotar o adicional que for capaz de pagar. FHC discou pessoalmente para ACM. Explicou-lhe os motivos, eminentemente técnicos. O senador assentiu.
Na sexta-feira, já em seu Estado, ACM acertou com o governador César Borges os detalhes para a fixação na Bahia do mínimo de R$ 180, pelo qual tanto se bateu o PFL. Quer que seu Estado seja o primeiro a adotar um valor acima do piso.
Escaldado, ACM afia as armas. Aos amigos, diz que não deseja romper com FHC. Mas acrescenta: se necessário, está disposto a virar feroz oposicionista. Insinua que munição não lhe falta.
A exemplo de FHC, ACM também deseja fazer o seu sucessor. E espera contar com o auxílio do governo. Seu predileto para a presidência do Senado é o ex-presidente José Sarney. Comprará briga com Jader Barbalho (PMDB), postulante ao cargo. Espera para ver de que lado ficará FHC.
ACM divide com expoentes do PSDB uma suspeita. Ao desdenhar de todos os demais candidatos, o presidente estaria, na verdade, preparando o terreno para postular, ele próprio, a terceira recondução ao posto.

Empate técnico
FHC rechaça a hipótese. Tudo o que desejo é influir na escolha, repete. Além de apostar num bom desempenho de Malan e sua equipe, o presidente enxerga problemas na seara oposicionista. Acha que o governador carioca Anthony Garotinho, às voltas com uma crise no setor de segurança, perde terreno.
Classifica a candidatura de Lula como uma armadilha para o PT. Lula dificilmente sairá vitorioso de uma disputa presidencial. Mas, com seu prestígio, costuma puxar votos para candidatos do PT aos governos estaduais, à Câmara e ao Senado. Por isso os petistas não se animariam a lançar outro nome.
Sobre Ciro, diz que faltam partidos que lhe dêem sustentação. Não irá longe, acredita, com o tempo de TV de que disporá o PPS numa campanha.
Em meio a tantas críticas, o presidente reservou um elogio para Malan, na última semana. Gabou-lhe a coragem de ter ido à Bahia, para debater com ACM, em solenidade pública, a questão do salário mínimo.
Saiu-se muito bem, avaliou o chefe. Ao cutucar o lobo em sua toca, demonstrou invejável cintura política. FHC e Malan nunca estiveram tão próximos.
A quem interessar possa: na pesquisa Datafolha presidencial que veio à luz na quinta-feira, Malan obteve 2%. Está tecnicamente empatado com Serra e Tasso, ambos com 3%.


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