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ELEIÇÕES 2006/PUBLICIDADE SUSPEITA
Documentos mostram que órgãos ligados a deputados foram agraciados com propaganda da Nossa Caixa a mando do Palácio dos Bandeirantes
Banco estatal beneficiou aliados de Alckmin
FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O governo Geraldo Alckmin
(PSDB) direcionou recursos da
Nossa Caixa para favorecer jornais, revistas e programas de rádio e televisão mantidos ou indicados por deputados da base aliada na Assembléia Legislativa.
Documentos obtidos pela Folha
confirmam que o Palácio dos
Bandeirantes interferiu para beneficiar com anúncios e patrocínios os deputados estaduais Wagner Salustiano (PSDB), Geraldo
"Bispo Gê" Tenuta (PTB), Afanázio Jazadji (PFL), Vaz de Lima
(PSDB) e Edson Ferrarini (PTB).
A cúpula palaciana pressionou
o banco oficial para patrocinar
eventos da Rede Vida e da Rede
Aleluia de Rádio. Autorizou a veiculação de anúncios mensais na
revista "Primeira Leitura", publicação criada por Luiz Carlos
Mendonça de Barros, ministro
das Comunicações no governo
Fernando Henrique Cardoso. Ele
é cotado para assessorar Alckmin
na área econômica. Recentemente, a Quest Investimentos, empresa de Mendonça de Barros, foi escolhida para gerir um novo fundo
da Nossa Caixa.
O banho de ética anunciado pelo candidato tucano à Presidência
da República torna-se uma ducha
de água fria com o resultado de
uma auditoria na área de publicidade da Nossa Caixa, que revela o
descontrole nas contas, e com a
investigação, pelo Ministério Público do Estado, a partir de denúncia anônima, sobre o uso político-partidário do banco oficial.
Entre setembro de 2003 e julho
de 2005, as agências de propaganda Full Jazz Comunicação e Propaganda Ltda. e Colucci Propaganda Ltda. continuaram prestando serviços sem amparo legal,
pois o banco não renovara os contratos, conforme a Folha revelou
em reportagem de dezembro último. O caso está sendo apurado
pelo promotor de Justiça da Cidadania Sérgio Turra Sobrane.
Ao analisar 278 pagamentos às
duas agências no período em que
operaram sem contrato -no total de R$ 25 milhões-, a auditoria interna apontou irregularidades em 255 operações (91,73%).
Não foram localizados documentos autorizando pagamentos
que somavam R$ 5,1 milhões. Em
35% dos casos, não havia comprovantes da realização dos serviços. Em 62,23%, os pagamentos
não respeitaram o prazo mínimo
legal de 30 dias. O patrocínio de
campanhas de marketing direto
era autorizado verbalmente.
A responsabilidade por esses
pagamentos é atribuída ao ex-gerente de marketing Jaime de Castro Júnior, 48, ex-auditor do banco, com 28 anos de casa. Ele admitiu ter liberado pagamentos em
valores acima dos limites que podia autorizar e, a partir de 2002,
sem ter procuração para tal. "Reafirmo que assumi a responsabilidade pela liberação dos pagamentos, dados sua urgência e os interesses da instituição", afirmou à
comissão de sindicância.
Ele foi demitido por justa causa,
em dezembro, pelo presidente do
banco, Carlos Eduardo Monteiro,
sob a acusação de "mau procedimento", "desídia" e "indisciplina". O ex-presidente do banco
Valdery Frota de Albuquerque
também foi responsabilizado.
Pressões
Por entender que a comissão de
sindicância poupou outros envolvidos, inclusive o presidente do
banco, o ex-gerente preparou um
relatório de 42 páginas em que revela outras irregularidades e as
pressões que recebeu do Palácio
dos Bandeirantes. "Houve atendimentos a solicitações de patrocínio e mídia, de deputados estaduais da base aliada, nas ocasiões
de votação de projetos importantes para o governo do Estado",
afirma Castro Júnior nessa peça.
O ex-gerente explicitou: "Por
ser um órgão do governo do Estado, a pressão de cunho político
para liberação de anúncios, verbas para eventos e patrocínios
sempre foi muito forte. Fosse
através da Secretaria da Comunicação, diretamente por deputados, vereadores, secretarias de Estado, do gabinete do governador,
para atendimentos de natureza
política, para sustentação da base
política do governo do Estado".
Há suspeitas de que o esquema
envolve outras empresas do Estado. Consultadas, Sabesp, Prodesp, CDHU e Dersa não responderam questionário da Folha.
O direcionamento da publicidade pelo Palácio dos Bandeirantes
veio à tona com a quebra de sigilo
da correspondência (e-mails) de
Castro Júnior, autorizada pela direção do banco nas investigações.
Essa troca de mensagens indica
que as determinações para a veiculação de interesse dos tucanos
partiram do assessor especial de
Comunicação do governo do Estado, jornalista Roger Ferreira.
Ele atuou nas equipes de marketing das campanhas presidenciais
de Fernando Henrique Cardoso e
José Serra. Foi chefe da Assessoria
de Comunicação da Caixa Econômica Federal, entre 1999 e 2002,
na gestão de Valdery Frota de Albuquerque, que o levou para assessorá-lo na Nossa Caixa.
Jornada dupla
Antes de trabalhar com Alckmin no Palácio dos Bandeirantes,
Ferreira foi assessor da presidência da Nossa Caixa, entre março e
outubro de 2003. Recebia R$ 17
mil mensais, salário superior ao
do presidente do banco. O jornalista foi contratado pela agência
Full Jazz, empresa cujos serviços
deveria controlar. A agência pagava a Ferreira, que fornecia nota
fiscal da RF Produções e Editora
Ltda., com sede em São Lourenço
da Serra (SP). A agência cobrava
esses "serviços" do banco, com
acréscimo de 10% a título de honorários. Trata-se de forma de
driblar a legislação que veda a
contratação sem licitação de serviços de publicidade e divulgação.
Segundo Castro Júnior, "a partir
de sua contratação, o sr. Roger
Ferreira passou a manter estreito
relacionamento com as duas
agências de propaganda, por ordem da presidência, coordenando as ações de marketing, notadamente aquelas pertinentes a campanhas e anúncios na mídia".
"Ele não poderia jamais ser contratado pela agência. Houve uma
ilegalidade", diz o advogado Toshio Mukai, especialista em contratos e licitações públicas. Com a
saída de Ferreira, Monteiro determinou a contratação da jornalista
Shirley Emerich, para substituí-lo, no mesmo esquema da Full
Jazz e o mesmo salário. Ela deixou
a Nossa Caixa em julho de 2005,
com o rompimento do contrato
com a agência. Castro Júnior diz
que não havia rubricas contábeis
específicas para os pagamentos
mensais dessas contratações.
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