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São Paulo, sábado, 26 de abril de 2003

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ENTREVISTA

Ministro de Ciência e Tecnologia rebate críticos que o acusam de corporativismo e se assume como socialista

Globalização exige Estado forte, diz Amaral

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Ministro que tem causado preocupação ao Planalto devido a suas posições para o setor, Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia), 62, rebate as críticas que vem recebendo dizendo que as pessoas não entenderam que "o governo mudou".
Bacharel em ciências jurídicas e sociais e em filosofia, o ministro afirma ser favorável à cobrança dos inativos, desde que a partir de um valor. Ele afirma ainda que a "base da política brasileira, inegavelmente, é fisiológica", ao comentar a necessidade de votos da oposição para que o governo consiga aprovar as reformas da Previdência e tributária no Congresso.
Amaral se diz nacionalista e defende que o Estado seja indutor de políticas. Em sua área, afirma que vai trabalhar uma política voltada à pequena e média empresa e à formação de doutores. Desde que assumiu, suas posições têm incomodado acadêmicos e técnicos, até empresários e o próprio governo. O estilo Amaral, nomeado para acomodar seu partido -o PSB- no governo, levou o Planalto a pensar na possibilidade de "intervenção branca" na pasta.
A seguir a entrevista concedida à Folha anteontem.
 

Folha - Qual sua análise sobre as críticas que vem recebendo?
Roberto Amaral
- Quem critica muitas mudanças não percebeu que o governo mudou. Estou fazendo as mudanças necessárias, nomeando pessoas de minha confiança, fiéis à política do governo e dos partidos da base. As pessoas se habituaram com a continuidade dos governos passados. Houve troca de visão, governo, mundo e projetos.

Folha - Criticam o sr. dizendo que é nacionalista, ligado ao corporativismo. E dizem que isso poderia significar um retrocesso nos avanços de modernidade.
Amaral
- Se modernidade é empreguismo, eu vou atrasar. Sou nacionalista? Sou. Mas sou anticorporativista.

Folha - É estadista?
Amaral
- Sou socialista.

Folha - É estadista?
Amaral
- Não. Mas o Estado, num país com as nossas condições, tem de ter um papel indutor. E ele teve. Se não fosse o Estado, não teríamos a Petrobras, a Embraer, a Chesf, a empresa privada ganhando dinheiro na indústria automobilística.

Folha - Os tempos não são outros? Há a globalização.
Amaral
- A globalização exige cada vez mais Estados fortes. A começar pelos exemplos recentes dos Estados Unidos.

Folha - As críticas do físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite ajudaram?
Amaral
- Ajudaram muito a compreender o corporativismo. A compreender que o intelectual é um ser como qualquer outro. A comunidade universitária é igual às outras. Reflete os mesmos apelos, interesses, choque de idéias, defesa de direitos adquiridos.

Folha - Outro ponto de crítica ao sr. é relacionado ao CGEE (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos). Como ele ficará?
Amaral
- O CGEE foi criado no governo passado e tem um papel -o de centro de estudo- que eu respeito, apesar de entre ele e uma universidade pública eu preferir essa última. Não concordo que transfira para o CGEE funções de Estado, o que foi feito.

Folha - Por exemplo?
Amaral
- Decidir a política dos fundos setoriais. Isso é função de Estado. O ministério tem Finep, CNPq, colaboração da Fapesp, de fundações estaduais e de universidades públicas. Por que preciso constituir um grupo para ditar a política de fundos setoriais? Deve funcionar com o objetivo que deveria ter quando foi criado -a promoção de estudos.

Folha - Integrantes do CGEE dizem que não formulam políticas, mas sim estudos a partir de pedidos do governo?
Amaral
- Se eles não exerciam funções de Estado, por que estão reclamando? Então vai continuar a mesma coisa. Se isso for verdade, não entendo o motivo de estarem alvoroçados.

Folha - E os fundos setoriais?
Amaral
- A política dos fundos é de Estado. Administramos 13 dos 14 fundos. Constituímos uma comissão, da qual fazem parte representantes do empresariado, que fará um estudo com a nova regulamentação desses fundos. O estudo será apresentado dia 15 de maio. Será avaliado por mim e depois encaminharei à Casa Civil.

Folha - Quais são os principais problemas detectados?
Amaral
- É necessário mais transparência do julgamento. O pretendente precisa conhecer e ter o direito de contestar os pareceres, que não podem ser terminativos. Precisa ser mais ágil, seguir uma política e não pode demorar o que está demorando. Queremos uma política que prestigie a pequena e média empresa. Encontramos na Finep financiamento de funerárias.

Folha - Sob que argumento?
Amaral
- Sei lá. Apressar a morte. Há também a falta do cumprimento do dispositivo que determinava 30% para aplicação no Nordeste. A legislação estava frouxa. Queremos saber como assegurar essa aplicação.

Folha - O sr. quer intervenção maior do governo nos fundos?
Amaral
- O governo brasileiro entende que é fundamental investir em pequena e média empresa. Quero ter esse direito.

Folha - O governo Fernando Henrique Cardoso também falava isso?
Amaral
- Falava? E daí? Financiava funerária. Falava isso e nós encontramos a Finep com índice de inadimplência de 68%.

Folha - O sr. fala em investir em pequena e média empresa. Haverá integração com o Ministério do Desenvolvimento e com o BNDES?
Amaral
- Com o BNDES vamos identificar o que chamamos de prateleira científica. Levantaremos o que tem de inovação parada em universidades e institutos de pesquisa e faremos avaliação da viabilidade. Constituiremos um banco de dados operado pelo BNDES, que vai selecionar produtos e viabilizar a linha de produção. O outro projeto envolve o Ministério do Desenvolvimento e Estados. Vamos mapear empresas nacionais, centros de pesquisas -universitários e privados- e, ao identificar a necessidade de um bem ou serviço, iremos atrás de quem pode investir e financiar.

Folha - O sr. recebeu orientação do Planalto para limitar a atuação das Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)?
Amaral
- O governo tem uma visão diferente de Estado. Nós ganhamos as eleições. A social-democracia vem ganhando o discurso político. Nesse caso estão as Oscips. A tese é bonita -transferir responsabilidades para a sociedade. Não estou denunciando as Oscips. Só chamando a atenção para alguns aspectos. Se não tomarmos cuidado, termina pura e simplesmente em uma forma de burlar a legislação.

Folha - Essa não seria uma espécie de transição para dar dinâmica, já que muita gente reclama de burocracia no setor público?
Amaral
- A burocracia emperra, mas a Oscip não pode ser só isso. Não posso transformar a agilidade da administração em uma forma de furar as burras da Viúva.

Folha - Essa política com as Oscips é uma convicção sua ou do Palácio do Planalto?
Amaral
- É uma convicção minha, do Palácio do Planalto, de governo. Não ocorre apenas no nosso ministério. No nosso foi mais agudo porque aqui a social-democracia foi mais competente.

Folha - As Oscips estão com os dias contados?
Amaral
- Não. Vão trabalhar dentro das normas. Quero que, quando alguém viajar com recursos do Estado por meio de uma Oscip, siga as regras.

Folha - O sr. está entre os ministros que querem mais verba?
Amaral
- Não. Os recursos são suficientes. Precisamos trazer o empresariado para investir. No Brasil, 80% dos investimentos em ciência e tecnologia são públicos. Nos Estados Unidos, 90% são privados. Lá, 97% dos doutores engenheiros estão trabalhando na iniciativa privada. No Brasil, 87% estão na universidade.

Folha - Mas nos EUA não há discurso nacionalista, estatizante como existe no atual governo.
Amaral
Nos Estados Unidos não sei o que é estatizante ou não. Pode haver algo mais estatal nos EUA que a economia de guerra?

Folha - O sr. parece cada vez mais próximo ao nacionalismo, estatismo e corporativismo do PDT de Leonel Brizola do que ao novo PT do Lula. O sr. concorda?
Amaral
- Sou fiel ao programa do meu partido, do governo e do partido do presidente. Não há nada estatizante. O que não sou é favorável à apropriação do Estado por interesses privados, e isto não tem nada a ver com estatizante.

Folha - Em algum momento essas divergências ideológicas entre PPS, PDT, PSB, PC do B e PT, que não são novas e só ficam mais agudas, podem prejudicar o governo Lula?
Amaral
- Nós temos diferenças, sim, e cada vez mais acentuadas. Se não fosse assim, estaríamos fazendo fusão de partidos, e não estamos. Mas isso é que enriquece a base do governo, que comporta um leque diversificado da esquerda brasileira.

Folha - Na hora de votar as reformas, haverá disputa e quem vai ter que garantir os votos não serão PSDB e PFL?
Amaral
- Não sei. Às vezes, o número não é a qualidade, e o que vai ser fundamental é o discurso que levarmos à sociedade.

Folha - Mas, no Congresso, não é o número que faz a diferença, que aprova ou não?
Amaral
- A base da política brasileira, inegavelmente, é fisiológica, mas eu acho que temos todas as condições de ganhar o debate ideológico.

Folha - O sr. é a favor da cobrança dos inativos?
Amaral
- A favor a partir de um determinado índice. Quem ganha um ou dois salários mínimos não deve contribuir. Agora, só deve valer para os novos.

Folha - Então, o sr. é a favor do polêmico direito adquirido?
Amaral
- Sou. Isso é cláusula pétrea da Constituição.

Folha - O sr. é representante do PSB no governo, mas a governadora Rosinha Matheus (RJ) e o ex-governador Anthony Garotinho são expressivos líderes do partido e vivem criticando o governo que o sr. serve. Isso o deixa desconfortável?
Amaral
- Eu luto para que o partido tenha posição uniforme. O partido decidiu por unanimidade a presença no governo. A nossa presença no governo não é o preço do apoio. Apoiaríamos de qualquer forma e ainda hoje.

Folha - A tendência será Rosinha e Garotinho partirem para outra opção partidária?
Amaral
- Acho que não. Acho que o Garotinho tem tradição no campo da esquerda, sabe que é preciso romper com o isolamento. Precisamos fortalecer a administração do Rio de Janeiro, fundamental para o PSB e para o país. Ninguém pode jogar no pior.

Folha - Nesse caso, a situação não caminha mais para um confronto do que negociação?
Amaral
- O Garotinho está assumindo um risco extraordinário, notável na Secretaria da Segurança. Ele precisa da contribuição federal. Se Estados e União não marcharem de mãos dadas, não resolveremos o problema da violência do Rio.

Folha - Qual a política de governo para transgênicos?
Amaral
- Garantir a segurança do consumidor. Exatamente tudo o contrário do que o governo passado fez. Ele se omitiu, não regulou, não montou sistema de fiscalização nem padrões de consumo.

Folha - A proposta é liberar para consumo?
Amaral
- A proposta é só permitir o consumo, direto ou indireto, quando tivermos condições de dizer ao consumidor o que ele consome. O governo anterior não se preocupou com a política de rotulagem.


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