Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA
Ministro de Ciência e Tecnologia rebate críticos que o acusam de corporativismo e se assume como socialista
Globalização exige Estado forte, diz Amaral
ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Ministro que tem causado preocupação ao Planalto devido a suas
posições para o setor, Roberto
Amaral (Ciência e Tecnologia),
62, rebate as críticas que vem recebendo dizendo que as pessoas
não entenderam que "o governo
mudou".
Bacharel em ciências jurídicas e
sociais e em filosofia, o ministro
afirma ser favorável à cobrança
dos inativos, desde que a partir de
um valor. Ele afirma ainda que a
"base da política brasileira, inegavelmente, é fisiológica", ao comentar a necessidade de votos da
oposição para que o governo consiga aprovar as reformas da Previdência e tributária no Congresso.
Amaral se diz nacionalista e defende que o Estado seja indutor de
políticas. Em sua área, afirma que
vai trabalhar uma política voltada
à pequena e média empresa e à
formação de doutores. Desde que
assumiu, suas posições têm incomodado acadêmicos e técnicos,
até empresários e o próprio governo. O estilo Amaral, nomeado
para acomodar seu partido -o
PSB- no governo, levou o Planalto a pensar na possibilidade de
"intervenção branca" na pasta.
A seguir a entrevista concedida
à Folha anteontem.
Folha - Qual sua análise sobre as
críticas que vem recebendo?
Roberto Amaral - Quem critica
muitas mudanças não percebeu
que o governo mudou. Estou fazendo as mudanças necessárias,
nomeando pessoas de minha
confiança, fiéis à política do governo e dos partidos da base. As
pessoas se habituaram com a continuidade dos governos passados.
Houve troca de visão, governo,
mundo e projetos.
Folha - Criticam o sr. dizendo que
é nacionalista, ligado ao corporativismo. E dizem que isso poderia
significar um retrocesso nos avanços de modernidade.
Amaral - Se modernidade é empreguismo, eu vou atrasar. Sou
nacionalista? Sou. Mas sou anticorporativista.
Folha - É estadista?
Amaral - Sou socialista.
Folha - É estadista?
Amaral - Não. Mas o Estado,
num país com as nossas condições, tem de ter um papel indutor.
E ele teve. Se não fosse o Estado,
não teríamos a Petrobras, a Embraer, a Chesf, a empresa privada
ganhando dinheiro na indústria
automobilística.
Folha - Os tempos não são outros? Há a globalização.
Amaral - A globalização exige
cada vez mais Estados fortes. A
começar pelos exemplos recentes
dos Estados Unidos.
Folha - As críticas do físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite ajudaram?
Amaral - Ajudaram muito a
compreender o corporativismo.
A compreender que o intelectual
é um ser como qualquer outro. A
comunidade universitária é igual
às outras. Reflete os mesmos apelos, interesses, choque de idéias,
defesa de direitos adquiridos.
Folha - Outro ponto de crítica ao
sr. é relacionado ao CGEE (Centro
de Gestão e Estudos Estratégicos).
Como ele ficará?
Amaral - O CGEE foi criado no
governo passado e tem um papel
-o de centro de estudo- que eu
respeito, apesar de entre ele e uma
universidade pública eu preferir
essa última. Não concordo que
transfira para o CGEE funções de
Estado, o que foi feito.
Folha - Por exemplo?
Amaral - Decidir a política dos
fundos setoriais. Isso é função de
Estado. O ministério tem Finep,
CNPq, colaboração da Fapesp, de
fundações estaduais e de universidades públicas. Por que preciso
constituir um grupo para ditar a
política de fundos setoriais? Deve
funcionar com o objetivo que deveria ter quando foi criado -a
promoção de estudos.
Folha - Integrantes do CGEE dizem que não formulam políticas,
mas sim estudos a partir de pedidos do governo?
Amaral - Se eles não exerciam
funções de Estado, por que estão
reclamando? Então vai continuar
a mesma coisa. Se isso for verdade, não entendo o motivo de estarem alvoroçados.
Folha - E os fundos setoriais?
Amaral - A política dos fundos é
de Estado. Administramos 13 dos
14 fundos. Constituímos uma comissão, da qual fazem parte representantes do empresariado,
que fará um estudo com a nova
regulamentação desses fundos. O
estudo será apresentado dia 15 de
maio. Será avaliado por mim e depois encaminharei à Casa Civil.
Folha - Quais são os principais
problemas detectados?
Amaral - É necessário mais
transparência do julgamento. O
pretendente precisa conhecer e
ter o direito de contestar os pareceres, que não podem ser terminativos. Precisa ser mais ágil, seguir uma política e não pode demorar o que está demorando.
Queremos uma política que prestigie a pequena e média empresa.
Encontramos na Finep financiamento de funerárias.
Folha - Sob que argumento?
Amaral - Sei lá. Apressar a morte. Há também a falta do cumprimento do dispositivo que determinava 30% para aplicação no
Nordeste. A legislação estava
frouxa. Queremos saber como assegurar essa aplicação.
Folha - O sr. quer intervenção
maior do governo nos fundos?
Amaral - O governo brasileiro
entende que é fundamental investir em pequena e média empresa.
Quero ter esse direito.
Folha - O governo Fernando Henrique Cardoso também falava isso?
Amaral - Falava? E daí? Financiava funerária. Falava isso e nós encontramos a Finep com índice de
inadimplência de 68%.
Folha - O sr. fala em investir em
pequena e média empresa. Haverá
integração com o Ministério do Desenvolvimento e com o BNDES?
Amaral - Com o BNDES vamos
identificar o que chamamos de
prateleira científica. Levantaremos o que tem de inovação parada em universidades e institutos
de pesquisa e faremos avaliação
da viabilidade. Constituiremos
um banco de dados operado pelo
BNDES, que vai selecionar produtos e viabilizar a linha de produção. O outro projeto envolve o
Ministério do Desenvolvimento e
Estados. Vamos mapear empresas nacionais, centros de pesquisas -universitários e privados-
e, ao identificar a necessidade de
um bem ou serviço, iremos atrás
de quem pode investir e financiar.
Folha - O sr. recebeu orientação
do Planalto para limitar a atuação
das Oscips (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público)?
Amaral - O governo tem uma visão diferente de Estado. Nós ganhamos as eleições. A social-democracia vem ganhando o discurso político. Nesse caso estão as
Oscips. A tese é bonita -transferir responsabilidades para a sociedade. Não estou denunciando as
Oscips. Só chamando a atenção
para alguns aspectos. Se não tomarmos cuidado, termina pura e
simplesmente em uma forma de
burlar a legislação.
Folha - Essa não seria uma espécie de transição para dar dinâmica,
já que muita gente reclama de burocracia no setor público?
Amaral - A burocracia emperra,
mas a Oscip não pode ser só isso.
Não posso transformar a agilidade da administração em uma forma de furar as burras da Viúva.
Folha - Essa política com as Oscips
é uma convicção sua ou do Palácio
do Planalto?
Amaral - É uma convicção minha, do Palácio do Planalto, de
governo. Não ocorre apenas no
nosso ministério. No nosso foi
mais agudo porque aqui a social-democracia foi mais competente.
Folha - As Oscips estão com os
dias contados?
Amaral - Não. Vão trabalhar
dentro das normas. Quero que,
quando alguém viajar com recursos do Estado por meio de uma
Oscip, siga as regras.
Folha - O sr. está entre os ministros que querem mais verba?
Amaral - Não. Os recursos são
suficientes. Precisamos trazer o
empresariado para investir. No
Brasil, 80% dos investimentos em
ciência e tecnologia são públicos.
Nos Estados Unidos, 90% são privados. Lá, 97% dos doutores engenheiros estão trabalhando na
iniciativa privada. No Brasil, 87%
estão na universidade.
Folha - Mas nos EUA não há discurso nacionalista, estatizante como existe no atual governo.
AmaralNos Estados Unidos não
sei o que é estatizante ou não. Pode haver algo mais estatal nos
EUA que a economia de guerra?
Folha - O sr. parece cada vez mais
próximo ao nacionalismo, estatismo e corporativismo do PDT de
Leonel Brizola do que ao novo PT
do Lula. O sr. concorda?
Amaral - Sou fiel ao programa
do meu partido, do governo e do
partido do presidente. Não há nada estatizante. O que não sou é favorável à apropriação do Estado
por interesses privados, e isto não
tem nada a ver com estatizante.
Folha - Em algum momento essas
divergências ideológicas entre
PPS, PDT, PSB, PC do B e PT, que
não são novas e só ficam mais agudas, podem prejudicar o governo
Lula?
Amaral - Nós temos diferenças,
sim, e cada vez mais acentuadas.
Se não fosse assim, estaríamos fazendo fusão de partidos, e não estamos. Mas isso é que enriquece a
base do governo, que comporta
um leque diversificado da esquerda brasileira.
Folha - Na hora de votar as reformas, haverá disputa e quem vai ter
que garantir os votos não serão
PSDB e PFL?
Amaral - Não sei. Às vezes, o número não é a qualidade, e o que
vai ser fundamental é o discurso
que levarmos à sociedade.
Folha - Mas, no Congresso, não é
o número que faz a diferença, que
aprova ou não?
Amaral - A base da política brasileira, inegavelmente, é fisiológica, mas eu acho que temos todas
as condições de ganhar o debate
ideológico.
Folha - O sr. é a favor da cobrança
dos inativos?
Amaral - A favor a partir de um
determinado índice. Quem ganha
um ou dois salários mínimos não
deve contribuir. Agora, só deve
valer para os novos.
Folha - Então, o sr. é a favor do
polêmico direito adquirido?
Amaral - Sou. Isso é cláusula pétrea da Constituição.
Folha - O sr. é representante do
PSB no governo, mas a governadora Rosinha Matheus (RJ) e o ex-governador Anthony Garotinho são
expressivos líderes do partido e vivem criticando o governo que o sr.
serve. Isso o deixa desconfortável?
Amaral - Eu luto para que o partido tenha posição uniforme. O
partido decidiu por unanimidade
a presença no governo. A nossa
presença no governo não é o preço do apoio. Apoiaríamos de
qualquer forma e ainda hoje.
Folha - A tendência será Rosinha
e Garotinho partirem para outra
opção partidária?
Amaral - Acho que não. Acho
que o Garotinho tem tradição no
campo da esquerda, sabe que é
preciso romper com o isolamento. Precisamos fortalecer a administração do Rio de Janeiro, fundamental para o PSB e para o país.
Ninguém pode jogar no pior.
Folha - Nesse caso, a situação não
caminha mais para um confronto
do que negociação?
Amaral - O Garotinho está assumindo um risco extraordinário,
notável na Secretaria da Segurança. Ele precisa da contribuição federal. Se Estados e União não
marcharem de mãos dadas, não
resolveremos o problema da violência do Rio.
Folha - Qual a política de governo
para transgênicos?
Amaral - Garantir a segurança
do consumidor. Exatamente tudo
o contrário do que o governo passado fez. Ele se omitiu, não regulou, não montou sistema de fiscalização nem padrões de consumo.
Folha - A proposta é liberar para
consumo?
Amaral - A proposta é só permitir o consumo, direto ou indireto,
quando tivermos condições de dizer ao consumidor o que ele consome. O governo anterior não se
preocupou com a política de rotulagem.
Texto Anterior: Debate complica vida de Palocci, diz economista Próximo Texto: Frases Índice
|