São Paulo, segunda, 26 de maio de 1997.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ENTREVISTA DA SEGUNDA
Coronel diz que PM não acata ordens do governo

CRISPIM ALVES
da Reportagem Local

O coronel da reserva da Polícia Militar de São Paulo José Vicente da Silva Filho, ex-coordenador de Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública, cargo que ocupou até o dia 24 de março, resolveu -após os episódios de Diadema (PMs flagrados espancando e matando em favela do ABC paulista) e da Fazenda da Juta (morte de três pessoas durante conflito com a PM na zona leste de SP)- se voltar contra o governo no qual trabalhou por dois anos.
Um dos principais mentores do programa de governo para a área de segurança do então candidato Mário Covas, foi Silva Filho quem indicou o nome do coronel Claudionor Lisboa para assumir o comando geral da PM.
Chocado com os recentes episódios, disse que sentiu vergonha de ter sido um policial militar, por causa do caso de Diadema, e de ter feito parte do governo Covas, se referindo ao conflito da Juta.
Em entrevista à Folha, afirmou que a PM "faz o que bem entende" e é insolente, que o secretário da Segurança Pública, José Afonso da Silva, é um amador e que o governador Mário Covas não dá a devida atenção a áreas como segurança, saúde e educação.
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O que levou o sr. a fazer críticas contra o governo Covas?
José Vicente da Silva Filho
- Estou revoltado com essa palhaçada toda. Por causa desse tipo de coisa pedi exoneração. Uma polícia sem comando é uma tragédia.
Folha - A PM é insubordinada?
Silva Filho
- A PM não aceita praticamente nada. A autonomia da PM é uma coisa assustadora. Uma polícia não pode fazer o que bem entende. É uma loucura.
Eu vejo também um gesto insolente. Em toda organização militar, você tem que cumprir, goste ou não, a decisão de um chefe. Se o governador adotou uma posição, de encaminhar aquela desastrada e muito malfeita proposta de reformulação da polícia (diminuindo os poderes da PM), a polícia tem que se calar. Aqueles que se opõem têm que pedir para ir embora.
Além disso, a PM resolveu afrontar o governador por meio dessa campanha "Somos muitos, não somos alguns", que é uma frase insolente, é uma frase de quem está rejeitando o comando do governo. O governo deveria ter feito algo.
Folha - Por que o sr. diz que essa proposta é desastrada e malfeita?
Silva Filho
- No Brasil, se confunde polícia com segurança. Em Nova York não tem secretário da Segurança, tem o chefe da polícia, alguém que entende da área.
Quando o secretário (da Segurança, José Afonso da Silva) faz uma proposta em que o policiamento fardado é um complemento da polícia judiciária, quando no mundo é o contrário, ele inverte a direção do funcionamento da polícia. Por que? Porque ele é um amador e não entende disso. Costumo dizer que pior do que aquela pessoa que não entende é aquela pessoa que pensa que entende.
Folha - O secretário da Segurança tem controle sobre a PM?
Silva Filho
- A PM faz o que bem entende. Ela mostra uma aceitação de subordinação, mas na verdade segue o seu próprio caminho.
Folha - O sr. teria exemplos?
Silva Filho
- O secretário pediu, em 95, que a PM reformulasse o regulamento disciplinar. Em novembro de 95, a PM disse que estava terminando a reformulação. Até hoje não encaminhou.
Outro exemplo, o Comando de Policiamento de Choque tem 3.200 homens, mais efetivo e mais carros que toda a zona sul de São Paulo, e faz um policiamento onde bem entende, no horário que bem entende, com quantos homens quiser fazer, e isso está praticamente fora do controle da secretaria.
Folha - Como o sr. analisa o episódio da Fazenda da Juta?
Silva Filho
- Aquela reintegração foi marcada por falhas humana e profissional da corporação. Eu já trabalhei com isso. Quem trabalhou com reintegração de posse sabe o que pode acontecer.
Morte de inocentes envolvendo a polícia é uma coisa que me comove profundamente. Não consigo aceitar desculpas como as que governador deu, ao dizer que não viu nada de errado no vídeo. Ele tinha de ver que eram três cadáveres.
Folha - O governador agiu corretamente nesse caso?
Silva Filho
- Ele estava tentando defender uma posição indefensável da polícia. Houve erro da PM sim. Não era para a polícia local estar cuidando de uma questão de reintegração de posse.
Existe uma tropa especializada, que é o choque, que dispõe de tempo, tem treinamento e equipamento para fazer esse tipo de coisa.
Quando você tem uma operação com alto grau de risco, como é o caso de toda reintegração de posse, você tem que tomar todas as precauções necessárias.
Ficou muito claro que o comando geral da PM abandonou o comando do batalhão local à sua própria sorte. Deu um minguado reforço, quando deveria assumir, na verdade, toda aquela questão.
A tropa que não é preparada tende a reagir de uma forma que a tropa treinada não reagiria. Eu vi a nota (da PM) que foi divulgada, de que a PM reagiu aos tiros, revidou. Nenhuma tropa treinada revida quando do outro lado do cano do revólver existem inocentes.
Você se abriga, você se esconde para não ser ferido, mas você não revida. Não estamos em guerra. Eram pobres miseráveis que estavam do outro lado.
Folha - Como o sr. avalia as atitudes do governo nos episódios de Diadema e da Fazenda da Juta?
Silva Filho
- Em Diadema, era uma questão, simplesmente, de se esclarecer por meio de inquérito e remeter para a Justiça. Não tinha muito o que fazer, e todas essas providências foram tomadas.
Com relação à reintegração, era um problema que estava nas mãos da PM. O governador não tinha a menor idéia do que estava acontecendo. O que eu critico muito é que a PM vinha emitindo sinais de que não estava dando a devida atenção ao policiamento.
O fato de abandonar um batalhão, por exemplo, para ele resolver uma questão que o comando deveria ter assumido por meio de sua unidade de choque, é um sinal de que não há uma preocupação com policiamento preventivo.
Folha - O que levou o sr. a deixar a Secretaria da Segurança Pública?
Silva Filho
- A razão principal foi perceber que de tudo aquilo que a gente estava analisando, e criticando, quando dos estudos da proposta de reformulação da segurança, nada tinha acontecido. Apesar dos discursos, o policiamento continua em segundo plano. A polícia faz o que quer.
Folha - Qual avaliação o sr. faz do secretário José Afonso da Silva?
Silva Filho
- É um notável jurista, um grande cavalheiro e tem excelente caráter, mas não está preparado para o comando, e isso é fundamental para conduzir uma polícia. São os únicos reparos que faço, a inexperiência e o fato de o governador estar sacrificando esse tão dedicado amigo em uma função que não cabe a ele tocar.
Folha - E o governador?
Silva Filho
- Ele confia muito nos seus subordinados. Existem algumas áreas de prioridade do governo, como é o caso de segurança, saúde e educação, que o governador tem que marcar em cima. Acho que ele deveria considerar a importância dessas áreas.
Folha - Qual era o principal ponto do programa de segurança do então candidato Mário Covas?
Silva Filho
- Prevenção, e isso nunca foi feito. Muito pouco do programa foi aplicado.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright 1997 Empresa Folha da Manhã