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ENTREVISTA DA SEGUNDA
Coronel diz que PM não
acata ordens do governo
CRISPIM ALVES
da Reportagem Local
O coronel da reserva da Polícia
Militar de São Paulo José Vicente
da Silva Filho, ex-coordenador de
Análise e Planejamento da Secretaria da Segurança Pública, cargo
que ocupou até o dia 24 de março,
resolveu -após os episódios de
Diadema (PMs flagrados espancando e matando em favela do
ABC paulista) e da Fazenda da Juta
(morte de três pessoas durante
conflito com a PM na zona leste de
SP)- se voltar contra o governo
no qual trabalhou por dois anos.
Um dos principais mentores do
programa de governo para a área
de segurança do então candidato
Mário Covas, foi Silva Filho quem
indicou o nome do coronel Claudionor Lisboa para assumir o comando geral da PM.
Chocado com os recentes episódios, disse que sentiu vergonha de
ter sido um policial militar, por
causa do caso de Diadema, e de ter
feito parte do governo Covas, se
referindo ao conflito da Juta.
Em entrevista à Folha, afirmou
que a PM "faz o que bem entende"
e é insolente, que o secretário da
Segurança Pública, José Afonso da
Silva, é um amador e que o governador Mário Covas não dá a devida atenção a áreas como segurança, saúde e educação.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que levou o sr. a fazer
críticas contra o governo Covas?
José Vicente da Silva Filho - Estou revoltado com essa palhaçada
toda. Por causa desse tipo de coisa
pedi exoneração. Uma polícia sem
comando é uma tragédia.
Folha - A PM é insubordinada?
Silva Filho - A PM não aceita
praticamente nada. A autonomia
da PM é uma coisa assustadora.
Uma polícia não pode fazer o que
bem entende. É uma loucura.
Eu vejo também um gesto insolente. Em toda organização militar, você tem que cumprir, goste
ou não, a decisão de um chefe. Se o
governador adotou uma posição,
de encaminhar aquela desastrada e
muito malfeita proposta de reformulação da polícia (diminuindo
os poderes da PM), a polícia tem
que se calar. Aqueles que se opõem
têm que pedir para ir embora.
Além disso, a PM resolveu afrontar o governador por meio dessa
campanha "Somos muitos, não
somos alguns", que é uma frase insolente, é uma frase de quem está
rejeitando o comando do governo.
O governo deveria ter feito algo.
Folha - Por que o sr. diz que essa
proposta é desastrada e malfeita?
Silva Filho - No Brasil, se confunde polícia com segurança. Em
Nova York não tem secretário da
Segurança, tem o chefe da polícia,
alguém que entende da área.
Quando o secretário (da Segurança, José Afonso da Silva) faz
uma proposta em que o policiamento fardado é um complemento da polícia judiciária, quando no
mundo é o contrário, ele inverte a
direção do funcionamento da polícia. Por que? Porque ele é um
amador e não entende disso. Costumo dizer que pior do que aquela
pessoa que não entende é aquela
pessoa que pensa que entende.
Folha - O secretário da Segurança tem controle sobre a PM?
Silva Filho - A PM faz o que bem
entende. Ela mostra uma aceitação
de subordinação, mas na verdade
segue o seu próprio caminho.
Folha - O sr. teria exemplos?
Silva Filho - O secretário pediu,
em 95, que a PM reformulasse o
regulamento disciplinar. Em novembro de 95, a PM disse que estava terminando a reformulação.
Até hoje não encaminhou.
Outro exemplo, o Comando de
Policiamento de Choque tem 3.200
homens, mais efetivo e mais carros
que toda a zona sul de São Paulo, e
faz um policiamento onde bem entende, no horário que bem entende, com quantos homens quiser
fazer, e isso está praticamente fora
do controle da secretaria.
Folha - Como o sr. analisa o episódio da Fazenda da Juta?
Silva Filho - Aquela reintegração foi marcada por falhas humana e profissional da corporação.
Eu já trabalhei com isso. Quem
trabalhou com reintegração de
posse sabe o que pode acontecer.
Morte de inocentes envolvendo a
polícia é uma coisa que me comove profundamente. Não consigo
aceitar desculpas como as que governador deu, ao dizer que não viu
nada de errado no vídeo. Ele tinha
de ver que eram três cadáveres.
Folha - O governador agiu corretamente nesse caso?
Silva Filho - Ele estava tentando
defender uma posição indefensável da polícia. Houve erro da PM
sim. Não era para a polícia local estar cuidando de uma questão de
reintegração de posse.
Existe uma tropa especializada,
que é o choque, que dispõe de tempo, tem treinamento e equipamento para fazer esse tipo de coisa.
Quando você tem uma operação
com alto grau de risco, como é o
caso de toda reintegração de posse, você tem que tomar todas as
precauções necessárias.
Ficou muito claro que o comando geral da PM abandonou o comando do batalhão local à sua
própria sorte. Deu um minguado
reforço, quando deveria assumir,
na verdade, toda aquela questão.
A tropa que não é preparada tende a reagir de uma forma que a tropa treinada não reagiria. Eu vi a
nota (da PM) que foi divulgada, de
que a PM reagiu aos tiros, revidou.
Nenhuma tropa treinada revida
quando do outro lado do cano do
revólver existem inocentes.
Você se abriga, você se esconde
para não ser ferido, mas você não
revida. Não estamos em guerra.
Eram pobres miseráveis que estavam do outro lado.
Folha - Como o sr. avalia as atitudes do governo nos episódios de
Diadema e da Fazenda da Juta?
Silva Filho - Em Diadema, era
uma questão, simplesmente, de se
esclarecer por meio de inquérito e
remeter para a Justiça. Não tinha
muito o que fazer, e todas essas
providências foram tomadas.
Com relação à reintegração, era
um problema que estava nas mãos
da PM. O governador não tinha a
menor idéia do que estava acontecendo. O que eu critico muito é
que a PM vinha emitindo sinais de
que não estava dando a devida
atenção ao policiamento.
O fato de abandonar um batalhão, por exemplo, para ele resolver uma questão que o comando
deveria ter assumido por meio de
sua unidade de choque, é um sinal
de que não há uma preocupação
com policiamento preventivo.
Folha - O que levou o sr. a deixar
a Secretaria da Segurança Pública?
Silva Filho - A razão principal
foi perceber que de tudo aquilo
que a gente estava analisando, e
criticando, quando dos estudos da
proposta de reformulação da segurança, nada tinha acontecido.
Apesar dos discursos, o policiamento continua em segundo plano. A polícia faz o que quer.
Folha - Qual avaliação o sr. faz do
secretário José Afonso da Silva?
Silva Filho - É um notável jurista, um grande cavalheiro e tem excelente caráter, mas não está preparado para o comando, e isso é
fundamental para conduzir uma
polícia. São os únicos reparos que
faço, a inexperiência e o fato de o
governador estar sacrificando esse
tão dedicado amigo em uma função que não cabe a ele tocar.
Folha - E o governador?
Silva Filho - Ele confia muito
nos seus subordinados. Existem
algumas áreas de prioridade do
governo, como é o caso de segurança, saúde e educação, que o governador tem que marcar em cima. Acho que ele deveria considerar a importância dessas áreas.
Folha - Qual era o principal ponto do programa de segurança do
então candidato Mário Covas?
Silva Filho - Prevenção, e isso
nunca foi feito. Muito pouco do
programa foi aplicado.
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