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São Paulo, segunda-feira, 26 de maio de 2003

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ENTREVISTA DA 2ª

GLACI ZANCAN

Presidente da SBPC prevê que pesquisadores-bolsistas de alto nível tentarão antecipar aposentadoria

Reforma deve apressar saída de 1.500 cientistas do CNPq

MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA

A reforma da Previdência pode apressar a ida para a inatividade de cerca de 1.500 pesquisadores-bolsistas de estágio mais avançado do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). O dado é da cientista Glaci Zancan, 68, presidente da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência).
Glaci diz que esse número tende a crescer se incluídos pesquisadores na faixa dos 50 anos de idade que atuam na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz) e na Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária).
No geral, a "debandada" pode alcançar até 13% dos 42.000 professores das universidades federais e criar vazios de difícil reposição, estima a SBPC.
Prestes a deixar a presidência da SBPC depois de dois mandatos de discreta atuação -a eleição que renova o comando da entidade será em 12 de junho-, Zancan tem se envolvido na tentativa de evitar a debandada para a inatividade dos cérebros das instituições de ensino e pesquisa. "O que a mim preocupa é um pesquisador de 55 anos, extremamente produtivo, se aposentar", diz.
Na reforma da Previdência, Zancan defende a manutenção dos direitos adquiridos pela massa científica do país. Ela diz que "um pesquisador que dedica 12 horas do seu dia à ciência não é diferente (em dedicação) de um militar ou juiz".
Ainda segundo ela, a fase pós-reforma exigirá um programa de estímulo à formação de novos cientistas, para que o Estado brasileiro garanta diálogo internacional na área científica.
Nos parâmetros de ganhos que estão sendo discutidos agora, considera Zancan, a reposição de cientistas pode não ocorrer.
A seguir, trechos da entrevista que ela concedeu na sexta-feira, em Curitiba:
 

Agência Folha - A reforma da Previdência está provocando uma corrida de pesquisadores pela aposentadoria proporcional?
Glaci Zancan -
Produzi um documento analisando a perda que a comunidade científica do país terá se a gente não tomar os cuidados de garantir os direitos adquiridos. Ele mostra que as aposentadorias podem somar aproximadamente 50% dos pesquisadores nível 1 (último estágio) do CNPq. Hoje há cerca de 8.000 bolsistas, 3.041 estão nos níveis mais elevados. Na faixa etária de 55 a 64 anos, estão 41% dos pesquisadores mais produtivos do país.

Agência Folha - Mas a SBPC tem informações de que está havendo uma corrida às aposentadorias por tempo de serviço?
Zancan -
Não diria que há uma corrida, mas que o pessoal está muito assustado.

Agência Folha - O que a sra. pretendeu com o documento?
Zancan -
Sensibilizar o governo sobre o direito adquirido. O documento diz que a aposentadoria em massa provocada pela discussão de uma legislação indefinida diminuirá, de maneira significativa, a competência dos quadros do Estado e será desastrosa para as melhores universidades públicas brasileiras.

Agência Folha - A sra. é a favor da aposentadoria por idade mínima?
Zancan -
O que a mim preocupa é um pesquisador extremamente produtivo se aposentar aos 55 anos.

Agência Folha - Em fevereiro, a sra. foi ao encontro do ministro da Previdência, Ricardo Berzoini, defender a manutenção de conquistas da área de educação. O projeto que o governo mandou para o Congresso considerou esses pleitos?
Zancan -
Não foi só a SBPC. A Andifes (entidade que reúne as instituições federais de ensino superior) e o Conselho das Universidades Paulistas também foram discutir compensações. Acho que elas estão contempladas na proposta de acréscimo de 17% (para homens) e de 20% (para mulheres) nos salários, desde que se ajustem ao tempo da nova lei. Também há compensação, na proposta de bônus, no valor da contribuição que seria cobrada dos inativos para os servidores que tenham completado todas as exigências, mas optarem por permanecer na ativa até a aposentadoria compulsória (aos 70 anos).

Agência Folha - A SBPC planeja fazer uma campanha de esclarecimento para que esse pesquisador permaneça?
Zancan -
A SBPC não pode fazer campanha. Cada cabeça é uma cabeça. O que podemos fazer é instruir, informar. Você não pode tirar das pessoas a insegurança provocada por mudança de regras a cada governo. Que bom seria se a gente pudesse fazer a cabeça de todo mundo.

Agência Folha - Então, que tipo de ação concreta a SBPC está tomando para minimizar a insegurança?
Zancan -
Estamos veiculando informações no site da SBPC (www.sbpcnet.org.br) e orientando que o pessoal estude seu caso. O assunto é complexo e tem de ser tratado caso a caso. Os professores já passaram por muitos regimes previdenciários, inclusive nos últimos governos, então não há uma regra só.

Agência Folha - A entidade já está acompanhando o projeto de reforma no Congresso Nacional?
Zancan -
Ainda não. Vamos começar agora, que o projeto já chegou lá. Não adianta queimar etapas. Mantemos uma professora de ciências políticas como assessora parlamentar no Congresso, que começa a atuar agora que o projeto passou pela Comissão de Constituição e Justiça.

Agência Folha - O pesquisador teria de ser enquadrado em situação especial, na sua opinião?
Zancan -
Um pesquisador que dedica 12 horas à pesquisa não vai saber fazer outra coisa quando se aposentar e, portanto, não é diferente de um militar ou um juiz, em sua dedicação. Vejo por mim: só sei pesquisar.

Agência Folha - Qual sua posição sobre a contribuição de inativos?
Zancan -
Taxar ou não o inativo não é o problema. Cobrar 11% de todo mundo agora vai penalizar quem já está aposentado, mas, se vai taxar daqui para a frente, tem que ter uma proteção social, e defendo que o índice de contribuição seja progressivo e proporcional às aposentadorias, se elas vão até R$ 17 mil.

Agência Folha - E quanto ao teto de R$ 2.400 para futuras aposentadorias no serviço público?
Zancan -
Acho que o valor é baixo. Se você não tiver um complemento de aposentadoria, não vai viver só com isso. Então é preciso a implantação de um fundo público complementar, que está previsto no projeto do governo. A nossa defesa é que todo sistema de Previdência deveria ser público e que o sistema previdenciário teria de sofrer revisão geral, incluindo o regime jurídico do INSS.

Agência Folha - Como estimular a formação de novos cientistas dentro das novas regras?
Zancan -
O ponto é que o teto de R$ 2.400 para aposentadoria dos que estão ingressando no serviço público cria um problema que precisa ser equacionado na carreira de ciência e tecnologia. O jovem precisa de estímulo (salários atraentes) para seguir esse caminho, do contrário ele não optará pela carreira. Esse é o problema que considero mais grave: o daqui para a frente. Nesse processo, há o risco de o país não renovar sua massa científica e, se o conhecimento não for preservado, vamos perder a capacidade de diálogo internacional.

Agência Folha - A sra. diria que o Brasil está acompanhando o desenvolvimento tecnológico e científico internacional?
Zancan -
Temos cientistas competentes no Brasil em quase todas as áreas do conhecimento.

Agência Folha - A iniciativa privada também está contribuindo?
Zancan -
Não. A iniciativa privada faz tecnologia, não investe em desenvolvimento tecnológico e é preciso que isso aconteça.

Agência Folha - Na sua opinião, a ciência pura é responsabilidade exclusiva do Estado?
Zancan -
Isso e a formação de recursos humanos de alto nível. A não ser que tivéssemos universidades privadas de alto nível como Harvard (nos EUA).

Agência Folha - Pelo seu ponto de vista, de preservação dos direitos adquiridos, ou a reforma pretendida pelo governo Lula não sai ou só surtirá os efeitos desejados a longo prazo.
Zancan -
Acredito que será uma reforma para surtir efeitos a longo prazo.

Agência Folha - A sra. está se aposentando?
Zancan -
Pedi para contar meu tempo. Esse processo foi iniciado em 1994, quando deixei os papéis prontos para aposentadoria, mas decidi adiar. Estou com 43 anos de serviço e a menos de dois da aposentadoria compulsória (aos 70 anos). Espero que o governo não explore o meu caso para se contrapor às defesas que faço.

Agência Folha - A sra. está deixando a SBPC depois de dois mandatos (quatro anos) em que adotou o estilo "low profile", como define. A entidade não se afastou demais do debate nacional?
Zancan -
Eu acho que a gente tem que trabalhar para o coletivo e não para cultuar a personalidade e aparecer na mídia. Se você consegue contribuir para que as coisas andem bem, não tem nenhuma necessidade de estar aparecendo no sistema de comunicação. Você tem que buscar a mídia quando esgotou todos os caminhos anteriores.

Agência Folha - Um dos candidatos a substituí-la, o físico Rogério Cezar de Cerqueira Leite, professor da Unicamp, diz que a sra. teve o mérito de equilibrar as contas da entidade, mas não teve atuação na discussão com a comunidade científica, e que a entidade perdeu prestígio e importância.
Zancan -
Ah, tive (atuação). Fiz tudo o que julguei que deveria fazer. Inclusive discutimos permanentemente com todas as áreas de governo. Temos trabalhado incessantemente no Congresso Nacional para a elaboração de leis o mais corretas e adequadas possíveis na área de ciência e tecnologia. E com independência. Acho que as políticas públicas no país seriam diferentes se a gente não estivesse permanentemente atuando. Nosso diálogo não se limitou ao Ministério da Ciência e Tecnologia.

Agência Folha - Mas a sra. admite que, durante os governos militares, a SBPC tinha muito mais visibilidade na defesa dos direitos da sociedade do que hoje. Atualmente, a entidade não precisa tomar a frente do debate social?
Zancan -
Estamos numa democracia e todo mundo tem o direito de se posicionar. Por que a SBPC deveria tomar o lugar de outros interlocutores?

Agência Folha - A sra. compartilha das críticas de muitos dos interlocutores da comunidade científica ao ministro Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia?
Zancan -
Foi composta ao lado do ministro uma excelente equipe. O ministro é um político e não é da "hard science". Vai ter, então, de contar com essa competente equipe para tocar o trabalho. A crítica que se pode fazer é que a área de ciência e tecnologia não ficou no coração do poder; ficou num partido que não é o PT (Amaral pertence aos quadros do PSB).

Agência Folha - A sra. quer dizer que o PT de Lula desprezou a área? Abriu mão de conduzir as políticas de ciência e tecnologia?
Zancan -
Acho que o PT não considerou a importância da área no conjunto do governo.


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