Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA DA 2ª
GLACI ZANCAN
Presidente da SBPC prevê que pesquisadores-bolsistas de alto nível tentarão antecipar aposentadoria
Reforma deve apressar saída de 1.500 cientistas do CNPq
MARI TORTATO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CURITIBA
A reforma da Previdência pode
apressar a ida para a inatividade
de cerca de 1.500 pesquisadores-bolsistas de estágio mais avançado do CNPq (Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico). O dado é da cientista Glaci Zancan, 68, presidente da
SBPC (Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência).
Glaci diz que esse número tende
a crescer se incluídos pesquisadores na faixa dos 50 anos de idade
que atuam na Fiocruz (Fundação
Oswaldo Cruz) e na Embrapa
(Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária).
No geral, a "debandada" pode
alcançar até 13% dos 42.000 professores das universidades federais e criar vazios de difícil reposição, estima a SBPC.
Prestes a deixar a presidência da
SBPC depois de dois mandatos de
discreta atuação -a eleição que
renova o comando da entidade será em 12 de junho-, Zancan tem
se envolvido na tentativa de evitar
a debandada para a inatividade
dos cérebros das instituições de
ensino e pesquisa. "O que a mim
preocupa é um pesquisador de 55
anos, extremamente produtivo, se
aposentar", diz.
Na reforma da Previdência,
Zancan defende a manutenção
dos direitos adquiridos pela massa científica do país. Ela diz que
"um pesquisador que dedica 12
horas do seu dia à ciência não é diferente (em dedicação) de um militar ou juiz".
Ainda segundo ela, a fase pós-reforma exigirá um programa de
estímulo à formação de novos
cientistas, para que o Estado brasileiro garanta diálogo internacional na área científica.
Nos parâmetros de ganhos que
estão sendo discutidos agora, considera Zancan, a reposição de
cientistas pode não ocorrer.
A seguir, trechos da entrevista
que ela concedeu na sexta-feira,
em Curitiba:
Agência Folha - A reforma da Previdência está provocando uma corrida de pesquisadores pela aposentadoria proporcional?
Glaci Zancan - Produzi um documento analisando a perda que a
comunidade científica do país terá
se a gente não tomar os cuidados
de garantir os direitos adquiridos.
Ele mostra que as
aposentadorias
podem somar
aproximadamente
50% dos pesquisadores nível 1 (último estágio) do
CNPq. Hoje há
cerca de 8.000 bolsistas, 3.041 estão
nos níveis mais
elevados. Na faixa
etária de 55 a 64
anos, estão 41%
dos pesquisadores
mais produtivos
do país.
Agência Folha -
Mas a SBPC tem informações de que
está havendo uma
corrida às aposentadorias por tempo de serviço?
Zancan - Não diria que há uma
corrida, mas que o pessoal está
muito assustado.
Agência Folha - O que a sra. pretendeu com o documento?
Zancan - Sensibilizar o governo
sobre o direito adquirido. O documento diz que a aposentadoria
em massa provocada pela discussão de uma legislação indefinida
diminuirá, de maneira significativa, a competência dos quadros do
Estado e será desastrosa para as
melhores universidades públicas
brasileiras.
Agência Folha - A sra. é a favor da
aposentadoria por idade mínima?
Zancan - O que a mim preocupa
é um pesquisador extremamente
produtivo se aposentar aos 55
anos.
Agência Folha - Em fevereiro, a
sra. foi ao encontro do ministro da
Previdência, Ricardo Berzoini, defender a manutenção de conquistas da área de educação. O projeto
que o governo mandou para o Congresso considerou esses pleitos?
Zancan - Não foi só a SBPC. A
Andifes (entidade que reúne as
instituições federais de ensino superior) e o Conselho das Universidades Paulistas também foram
discutir compensações. Acho que elas
estão contempladas
na proposta de acréscimo de 17% (para
homens) e de 20%
(para mulheres) nos
salários, desde que se
ajustem ao tempo da
nova lei. Também há
compensação, na
proposta de bônus,
no valor da contribuição que seria cobrada dos inativos
para os servidores
que tenham completado todas as exigências, mas optarem
por permanecer na
ativa até a aposentadoria compulsória
(aos 70 anos).
Agência Folha - A
SBPC planeja fazer uma campanha
de esclarecimento para que esse
pesquisador permaneça?
Zancan - A SBPC não pode fazer
campanha. Cada cabeça é uma cabeça. O que podemos fazer é instruir, informar. Você não pode tirar das pessoas a insegurança provocada por mudança de regras a
cada governo. Que bom seria se a
gente pudesse fazer a cabeça de todo mundo.
Agência Folha - Então, que tipo de
ação concreta a SBPC está tomando
para minimizar a insegurança?
Zancan - Estamos veiculando informações no site da SBPC
(www.sbpcnet.org.br) e orientando que o pessoal estude seu caso.
O assunto é complexo e tem de ser
tratado caso a caso. Os professores
já passaram por muitos regimes
previdenciários, inclusive nos últimos governos, então não há uma
regra só.
Agência Folha - A entidade já está
acompanhando o projeto de reforma no Congresso Nacional?
Zancan - Ainda não. Vamos começar agora, que o projeto já chegou lá. Não adianta queimar etapas. Mantemos uma professora
de ciências políticas como assessora parlamentar no Congresso,
que começa a atuar
agora que o projeto
passou pela Comissão de Constituição
e Justiça.
Agência Folha - O
pesquisador teria de
ser enquadrado em
situação especial, na
sua opinião?
Zancan - Um pesquisador que dedica 12 horas à pesquisa não vai saber
fazer outra coisa
quando se aposentar e, portanto, não
é diferente de um
militar ou um juiz,
em sua dedicação.
Vejo por mim: só
sei pesquisar.
Agência Folha -
Qual sua posição sobre a contribuição de inativos?
Zancan - Taxar ou não o inativo
não é o problema. Cobrar 11% de
todo mundo agora vai penalizar
quem já está aposentado, mas, se
vai taxar daqui para a frente, tem
que ter uma proteção social, e defendo que o índice de contribuição seja progressivo e proporcional às aposentadorias, se elas vão
até R$ 17 mil.
Agência Folha - E quanto ao teto
de R$ 2.400 para futuras aposentadorias no serviço público?
Zancan - Acho que o valor é baixo. Se você não tiver um complemento de aposentadoria, não vai
viver só com isso. Então é preciso
a implantação de um fundo público complementar, que está previsto no projeto do governo. A nossa
defesa é que todo sistema de Previdência deveria ser público e que
o sistema previdenciário teria de
sofrer revisão geral, incluindo o
regime jurídico do INSS.
Agência Folha - Como estimular a
formação de novos cientistas dentro das novas regras?
Zancan - O ponto é que o teto de
R$ 2.400 para aposentadoria dos
que estão ingressando no serviço
público cria um problema que
precisa ser equacionado na carreira de ciência e tecnologia. O jovem
precisa de estímulo
(salários atraentes)
para seguir esse caminho, do contrário
ele não optará pela
carreira. Esse é o
problema que considero mais grave: o
daqui para a frente.
Nesse processo, há o
risco de o país não
renovar sua massa
científica e, se o conhecimento não for
preservado, vamos
perder a capacidade
de diálogo internacional.
Agência Folha - A
sra. diria que o Brasil
está acompanhando
o desenvolvimento
tecnológico e científico internacional?
Zancan - Temos cientistas competentes no Brasil em quase todas
as áreas do conhecimento.
Agência Folha - A iniciativa privada também está contribuindo?
Zancan - Não. A iniciativa privada faz tecnologia, não investe em
desenvolvimento tecnológico e é
preciso que isso aconteça.
Agência Folha - Na sua opinião, a
ciência pura é responsabilidade exclusiva do Estado?
Zancan - Isso e a formação de recursos humanos de alto nível. A
não ser que tivéssemos universidades privadas de alto nível como
Harvard (nos EUA).
Agência Folha - Pelo seu ponto de
vista, de preservação dos direitos
adquiridos, ou a reforma pretendida pelo governo Lula não sai ou só
surtirá os efeitos desejados a longo
prazo.
Zancan - Acredito que será uma
reforma para surtir efeitos a longo
prazo.
Agência Folha - A sra. está se aposentando?
Zancan - Pedi para contar meu
tempo. Esse processo foi iniciado
em 1994, quando deixei os papéis
prontos para aposentadoria, mas
decidi adiar. Estou
com 43 anos de
serviço e a menos
de dois da aposentadoria compulsória (aos 70 anos).
Espero que o governo não explore
o meu caso para se
contrapor às defesas que faço.
Agência Folha - A
sra. está deixando
a SBPC depois de
dois mandatos
(quatro anos) em
que adotou o estilo
"low profile", como define. A entidade não se afastou demais do debate nacional?
Zancan - Eu acho
que a gente tem
que trabalhar para o coletivo e não
para cultuar a personalidade e
aparecer na mídia. Se você consegue contribuir para que as coisas
andem bem, não tem nenhuma
necessidade de estar aparecendo
no sistema de comunicação. Você
tem que buscar a mídia quando
esgotou todos os caminhos anteriores.
Agência Folha - Um dos candidatos a substituí-la, o físico Rogério
Cezar de Cerqueira Leite, professor
da Unicamp, diz que a sra. teve o
mérito de equilibrar as contas da
entidade, mas não teve atuação na
discussão com a comunidade científica, e que a entidade perdeu
prestígio e importância.
Zancan - Ah, tive (atuação). Fiz
tudo o que julguei que deveria fazer. Inclusive discutimos permanentemente com todas as áreas de
governo. Temos trabalhado incessantemente no Congresso Nacional para a elaboração de leis o
mais corretas e adequadas possíveis na área de ciência e tecnologia. E com independência. Acho
que as políticas públicas no país
seriam diferentes se a gente não
estivesse permanentemente
atuando. Nosso diálogo não se limitou ao Ministério da Ciência e
Tecnologia.
Agência Folha - Mas
a sra. admite que, durante os governos militares, a SBPC tinha
muito mais visibilidade na defesa dos direitos da sociedade do
que hoje. Atualmente,
a entidade não precisa
tomar a frente do debate social?
Zancan - Estamos
numa democracia e
todo mundo tem o
direito de se posicionar. Por que a SBPC
deveria tomar o lugar
de outros interlocutores?
Agência Folha - A
sra. compartilha das
críticas de muitos dos
interlocutores da comunidade científica ao ministro
Roberto Amaral, da Ciência e Tecnologia?
Zancan - Foi composta ao lado
do ministro uma excelente equipe. O ministro é um político e não
é da "hard science". Vai ter, então,
de contar com essa competente
equipe para tocar o trabalho. A
crítica que se pode fazer é que a
área de ciência e tecnologia não ficou no coração do poder; ficou
num partido que não é o PT
(Amaral pertence aos quadros do
PSB).
Agência Folha - A sra. quer dizer
que o PT de Lula desprezou a área?
Abriu mão de conduzir as políticas
de ciência e tecnologia?
Zancan - Acho que o PT não considerou a importância da área no
conjunto do governo.
Texto Anterior: Aumenta hostilidade no interior do Paraná Próximo Texto: Zancan é doutora em bioquímica Índice
|